Acusado dos crimes de concussão, extorsão, formação de quadrilha e vazamento de informações, o ex-procurador-geral de Justiça do Distrito Federal Leonardo Bandarra e a promotora Deborah Guerner devem ser afastados hoje dos cargos que exercem no Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) vai se reunir, em caráter extraordinário, nesta tarde para deliberar sobre o processo administrativo disciplinar aberto contra os dois promotores denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) como integrantes do suposto esquema de corrupção relatado por Durval Barbosa na investigação da Operação Caixa de Pandora. A sessão foi convocada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, presidente do CNMP.
Atualmente sob suspeita de corrupção, Bandarra já teve muito poder. Ele exerceu dois mandatos à frente do MPDFT e presidiu até meados do ano passado o Conselho Superior dos procuradores-gerais de Justiça dos estados e da União, entidade que reúne todos os chefes dos Ministérios Públicos do país. Ele, no entanto, perde apoio a cada dia, desde que se tornou alvo de denúncias do procurador regional da República Ronaldo Albo, ajuizadas com base em provas levantadas numa minuciosa investigação que começou na Corregedoria-Geral do MPDFT. Curiosamente, os indícios mais veementes contra Bandarra foram produzidos por Deborah Guerner. As primeiras suspeitas contra Bandarra foram apontadas por Durval Barbosa em depoimentos prestados em várias instâncias do MP e na Polícia Federal. Mas foram as gravações feitas por Deborah que deram veracidade ao que Durval relatou.
Câmeras de vídeo
Durval disse que Bandarra e Deborah recebiam pagamentos em troca de informações estratégicas de operações do MP e também exigiam dinheiro do ex-governador José Roberto Arruda para que ele tivesse acesso ao que ocorria na instituição. Numa das denúncias, Albo aponta que Bandarra e Deborah extorquiram Arruda para evitar a divulgação da gravação em que o então governador aparece recebendo dinheiro de Durval. Em princípio, essas acusações foram vistas com desconfiança por promotores e investigadores, mas em outros depoimentos, a quebra de sigilo telefônico de Deborah e duas operações de busca e apreensão na casa da promotora complicaram a vida de Bandarra.
Deborah Guerner mantinha um circuito interno e externo de câmeras em sua casa, no Lago Sul, em que registrava reuniões com amigos e autoridades públicas. As imagens, apreendidas pela PF e repassadas ao Ministério Público, revelam uma intimidade entre Bandarra e Deborah e situações que levantam suspeitas. Então procurador-geral de Justiça do DF, Bandarra vai à casa da promotora de moto e só tira o capacete já dentro da cozinha. Na saída, ele põe o equipamento antes de pisar na calçada, o que indica, segundo a denúncia de Ronaldo Albo, que ele não queria ser flagrado no local.
Numa das visitas a Deborah Guerner, Leonardo Bandarra demonstrou que o assunto era delicado. Ele tirou as baterias dos celulares, para evitar interceptações, e cochichou com a promotora. O encontro ocorreu dois dias depois da Operação Caixa de Pandora, em 29 de novembro de 2009, logo após Bandarra chegar a Brasília de uma viagem a Florianópolis (SC), onde estava quando as denúncias contra o governo Arruda vieram a público.
Diálogos gravados pelos equipamentos da casa da promotora pouco depois da Operação Caixa de Pandora mostram uma combinação entre ela e o marido, Jorge Guerner, sobre como esconder dinheiro de eventuais buscas feitas pela Polícia Federal. No mesmo dia em que a conversa foi registrada, Bandarra esteve na residência de Deborah.
Objeto investigado
Na reunião de hoje, a partir das 14h30, os conselheiros vão tratar de três assuntos: a prorrogação do prazo de investigações no processo disciplinar que apura falta funcional dos dois promotores, uma ampliação do objeto das investigações e o afastamento cautelar de Bandarra e Deborah. A permanência deles nas funções que exercem nas promotorias Criminal e de Fazenda Pública, respectivamente, é improvável depois que o MPF ajuizou três denúncias no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1; Região contra eles. Nas ações penais, Ronaldo Albo pede o afastamentos deles do cargo.
O MPDFT já se manifestou favoravelmente à suspensão de Bandarra e Deborah Guerner da atividade na instituição. O Conselho Superior do órgão, instância interna de deliberações administrativas, encaminhou pedido ao CNMP para que voltasse a discutir o afastamento dos promotores. O Conselho Nacional tratou desse assunto em junho quando aprovou por unanimidade a abertura de processo administrativo disciplinar contra eles, mas, por placar apertado de sete votos a cinco, rejeitou proposta do corregedor nacional do MP, Sandro Neis, de tirá-los da função temporariamente até que haja uma conclusão sobre a real participação deles no escândalo da Operação Caixa de Pandora. De junho para cá, no entanto, a situação mudou.
O advogado de Bandarra, Cezar Bittencourt, foi procurado na tarde de sexta-feira, mas não foi localizado pela reportagem e não retornou ao recado deixado na secretária eletrônica do celular. Caso venham a ser afastados, tanto Bandarra quanto Deborah continuarão a receber salários enquanto durar o processo contra eles.
Bem cotado
Bandarra chegou a ser cotado para uma vaga de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi um dos idealizadores da campanha O que você tem a ver com a corrupção?, que combatia desvios de recursos públicos e o crime organizado.
Em 2008, um caso de suspensão
O afastamento de Leonardo Bandarra e Deborah Guerner do trabalho, caso ocorra hoje, não será um episódio inédito no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Em agosto de 2008, o Conselho Superior do MPDFT determinou por unanimidade a suspensão do promotor de Justiça Pedro Xavier Coelho Sobrinho, sob a suspeita de prática de crime de extorsão e receptação. Atualmente o promotor está em disponibilidade, sem receber salário, conforme estabelece a Lei Complementar n; 75/93, depois que o Ministério Público Federal ajuizou ação por perda do cargo e improbidade administrativa contra ele. Na época do afastamento de Pedro Xavier, Bandarra presidia o Conselho Superior do MPDFT.
O órgão interno de deliberações teria o poder de determinar o afastamento cautelar de Bandarra caso o processo contra ele e a promotora Deborah Guerner não tivesse sido avocado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Responsável pela investigação administrativa contra Bandarra, a atual corregedora-geral do MPDFT, Lenir de Azevedo, é favorável ao afastamento dos dois colegas. ;Não vejo alternativa, principalmente para preservar a imagem do Ministério Público;, sustentou em entrevista ao Correio.
O mandato de Lenir termina no próximo dia 31, mas ela busca a recondução para mais dois anos. Nesta semana, o Conselho Superior do MPDFT vai eleger uma lista tríplice para ser encaminhada à procuradora-geral de Justiça do DF, Eunice Carvalhido, responsável pela nomeação. Além de Lenir, disputam o cargo os procuradores Benis Bastos, Tania Marchewka e Gladaniel de Carvalho. (AMC)