O passado se encontrou com o presente no Caic Santa Paulina, no Paranoá. Quando se formavam na turma da 4; série 6M, em 2006, 33 crianças do colégio escreveram redações com os sonhos que queriam ver realizados depois de quatro anos. Cada um imortalizou os anseios em letras cursivas em uma folha de papel e selou-os em um compartimento de papelão, muito bem-guardado pela direção da escola. Enfim, a hora de abrir a Caixa do Tempo chegou. Os alunos, hoje adolescentes de cabeças fervilhantes, se encontraram ontem na mesma sala em que estudavam na época e relembraram o que pensavam quando tinham uma média de 9 anos de idade.
Governador e presidentes novos, Seleção Brasileira derrotada na Copa do Mundo e mais uma etapa da educação vencida. No ano que vem, os estudantes ingressarão no ensino médio. Em 2006, Maria Luíza Costa Figueiredo, 13 anos, escreveu sobre o medo de deixar o Caic, que só vai até a 4; série, e continuar os estudos em uma escola diferente. ;Dizem que, nos outros colégios, quem é pequeno apanha. Eu não quero apanhar, quero que as pessoas me aceitem pequena;, temia a garota, então com 9 anos. Ao reler a redação, Maria Luíza viu que as coisas ocorreram de forma diferente. ;Não foi tão traumático. Conheci muita gente da minha idade;, avalia.
A maioria dos estudantes pedia que a turma continuasse unida e estudiosa. ;Por mais que o conteúdo tenha ficado mais difícil, continuo me esforçando;, garante Maria Luíza. Quanto às amizades, muitas perduraram. Até hoje, a jovem é amiga de Grace Kelly Mendes, 14 anos. ;Perdi o contato com algumas pessoas, mas quem sobrou vai sempre fazer parte da minha vida;, prevê Grace Kelly. Na opinião dela, quem se separou perdeu um encontro que ficará guardado na memória. ;Desde o dia em que fechamos a caixa, falei que a hora de abri-la seria imperdível. Eu era pequena, mas sabia que a gente ia se divertir com as redações.;
Dito e feito. Da Sala 7 do Caic Santa Paulina pipocaram risadas. Antes de revelar os segredos da Caixa do Tempo, o grupo viu fotos daquele fim de 2006. ;Todo mundo mudou. Foi um tempo muito bom;, define Patrícia Cardoso, 14 anos. Além das redações com as previsões do futuro, o compartimento guardava objetos valiosos da antiga 4; série 6M. Camisetas de apresentações artísticas da turma, trabalhos antigos, relatórios e figurinhas autocolantes de ídolos infantis da época. Também foram guardados jornais, para lembrar o que acontecia na cidade, e um cofre cheio de moedas. ;Não sabíamos nem se o dinheiro ainda iria valer;, justifica Patrícia.
Vivência
Imortalizar desejos em uma caixa de papelão foi uma iniciativa do professor Valdir de Castro, 36 anos, um idealista de deixar com saudades todas as turmas em que leciona. Com o projeto, ele pretende mais do que fazer os alunos darem risadas. ;É uma vivência que nos permite ir além dos livros didáticos. O objetivo é motivá-los a criar expectativas e a traçar uma meta de vida;, explica. Ao escrever as redações, os alunos perceberam que certas barreiras podem ser quebradas. ;Valorizamos o sonho de cada um e eles viram que podem batalhar para realizá-los.;
O professor, nascido e criado no Paranoá, decidiu dinamizar as aulas também para manter a turma longe de más influências. ;Esse projetos ajudam os alunos a manter um vínculo de amizade em torno do estudo, que é uma coisa boa. Faz parte do processo de criação de caráter;, observa. Quando cursava pedagogia na Universidade de Brasília (UnB), Valdir começou a perceber que a ideia poderia dar certo. ;A educação é a melhor forma de uma pessoa crescer. Independentemente do emprego ou da renda que tenham, o importante é que eles se tornem cidadãos de bem;, arremata.
Garrafas
A brincadeira com fundo de aprendizado não para por aí. Os alunos da atual 4; série do Caic Santa Paulina também escreveram cartas com seus desejos. Só que, desta vez, não guardaram as redações em uma caixa de papelão. As redações foram colocadas em garrafas plásticas e enterradas em um jardim nos fundos da escola. Além do contraste entre o passado e o futuro, o projeto ganhou uma analogia. ;A fantasia aumenta porque eles vão enterrar os sonhos e, daqui a cinco anos, vão colher o que plantaram;, detalha Valdir.
Para entrar no clima, os 35 meninos e meninas assistiram ao filme De volta para o futuro. ;A turma entendeu que todo tipo de ação gera consequências, boas ou rins;, afirma o professor. O grupo aprendeu a lição. Brenda da Silva, 11 anos, deixou registrado na redação que pretende não falhar com a formação acadêmica. ;Vou fazer de tudo para não repetir de ano. Quero terminar os estudos para ter um bom emprego. Espero ter ao meu lado todos os meus amigos. O que vivemos na 4; série nunca vai ser esquecido;, sentencia.
O professor Valdir elaborou uma lista com e-mails e telefones dos alunos. O convite está feito e será reenviado às vésperas do dia do encontro. Em 2015, Brenda e os amigos desenterrarão lembranças e colherão os resultados do que plantaram em cinco anos.
CARRO MODIFICADO
A primeira edição do filme De volta para o futuro foi lançada em 1985. No enredo, um adolescente embarca em um carro modificado por um cientista e vai parar em meados dos anos 1950. Perdido no tempo, ele encontra os pais ainda jovens e começa a interferir nos rumos de sua própria história. Sucesso de bilheteria e de crítica, o filme teve outras duas edições.
PARA SABER MAIS
A primeira escola
O centro de ensino de onde surgiu a Caixa do Tempo é o primeiro Centro de Atenção Integral à Criança (Caic) implantado pelo governo federal. O presidente à época, Fernando Collor de Mello, participou da inauguração do colégio, realizada em 18 de outubro de 1991. À época, o papa João Paulo II abençoou a maquete da escola, que foi construída com o mesmo projeto em várias outras cidades do país. Nos primeiros anos de existência, o Caic Santa Paulina recebia crianças de modo integral. Segundo a direção, a instituição passou a funcionar como escola classe a partir de 1998. As classes vão até a 4; série do ensino fundamental. Há ainda turmas de programas sociais e educacionais do GDF.