Um dia após o tiroteio na 704/705 Sul que terminou com a morte de um menor infrator de 16 anos na noite da última terça-feira, moradores denunciaram os perigos enfrentados diariamente na região. Usuários de drogas e pedintes são comumente vistos no local, principalmente em frente a mercados e em praças, mesmo durante o dia. E a insegurança aumenta no período noturno, devido à quantidade de áreas verdes malcuidadas, sem iluminação e repletas de mato, entulho e arbustos. Juntos, esses fatores facilitam a fuga de criminosos e até mesmo servem de esconderijo para a prática de delitos.
Idosos, estudantes e gente distraída são os alvos preferidos dos assaltantes. No episódio da última terça-feira, por exemplo, as vítimas da bandidagem foram um empresário e um advogado que estavam conversando dentro de um carro, um Renault Logan, em frente ao bloco N da quadra 704 Sul. O maior, identificado como Wilison Franklin de Souza, 18 anos, surpreendeu o motorista com um aparelho de dar choque, de uso restrito do Exército e, no mesmo instante, seu comparsa, um adolescente, apontava um revólver calibre.38 para o homem que estava no banco do passageiro. Para a sorte das vítimas, uma guarnição do serviço de inteligência do 1; Batalhão da Polícia Militar monitorava os passos dos assaltantes desde a 702 Sul. À paisana, os policiais chegaram e deram voz de prisão à dupla, mas o adolescente tentou fugir e atirou contra a viatura. Os agentes revidaram e o menor acabou morto.
Esta foi pelo menos a segunda vez em que a dupla agiu nas proximidades da 705 Sul. Em 3 de dezembro, um homem e uma mulher em um Fiat Palio foram abordados pelos mesmos criminosos. As vítimas reconheceram os bandidos na noite da tentativa de assalto e contaram na delegacia que os bandidos usaram o aparelho de dar choque para intimidá-las. A ação foi frustrada por policiais militares que perceberam o roubo, mas, nesse dia, a dupla conseguiu fugir com os celulares e o carro de uma das vítimas. O celular de uma delas foi encontrado com o adolescente que morreu.
A população elogiou o trabalho dos policiais, mas o histórico de violência nas quadras 700 da Asa Sul assusta quem mora por lá. Há dois anos, dois mendigos foram assassinados na Praça do Índio, na 703 Sul (Veja memória). ;Quando eu vejo uma pessoa suspeita, de longe, eu já dou meia volta;, disse um morador de 85 anos. De bengala, o idoso caminha vagarosamente e conta que, ao escurecer, evita sair de casa. ;Não fico dando bobeira. A bandidagem aqui é fogo;, relatou. Ele, inclusive, é um dos moradores mais antigos da região e afirma que já teve um automóvel furtado e correu atrás de assaltante anos atrás. À época, o criminoso chegou a atirar em sua direção, mas a bala não o atingiu.
Atrativos
Atravessar as quadras 700 também não é nada tranquilo para estudantes. Segundo a prefeita da 704 Sul, Lohir Machado, a proximidade com escolas e comércio nas quadras 900 da Asa Sul é um atrativo para bandido. ;Melhorou muito de um tempo para cá, mas o que mais tem é furto dentro de veículo e assalto a estudantes;, contou. Ela ainda aponta para a quantidade de becos. Em uma tentativa de cuidar da própria segurança, muitos moradores invadiram área pública e instalaram grades e muros altos. O problema é que o afunilamento das calçadas se tornou rota de fuga para criminosos, que, além de se esconderem na área verde, acabam encontrando alternativas para escapar da prisão caso o plano de assalto dê errado. ;Brasília foi feita para ter grama e árvore, mas alguns moradores não entendem isso e querem sair plantando todo tipo de planta, sem observar que elas podem atrapalhar a segurança;, avaliou Lohir.
A estudante Regiane Ramos, 23 anos, todos os dias deixa o cursinho por volta das 22h e caminha cerca de 10 minutos até sair da 906 Sul rumo à parada de ônibus na W3. Na hora da volta, toma todos os cuidados necessários, como olhar as pessoas que estão a sua volta e não ostentar objetos de valor, como celular e relógio. ;Sempre tem um monte de usuários de drogas nas pracinhas. Como ando sozinha, procuro acompanhar a galera que sai do cursinho. Já tive a sensação de estar sendo seguida e quando olhei para trás tinha um pivete, mas eu apressei o passo e ele mudou de rumo;, contou.
Revitalização
De acordo com o comandante do 1; BPM, coronel Luis Alves de Lima e Silva, vários fatores facilitam ou propiciam atividades ilícitas, entre elas, o mato nas áreas verdes e a falta de postes de iluminação nas entrequadras. ;O poder público precisa fazer uma revitalização da iluminação pública das áreas centrais.
O breu facilita com que pessoas mal-intencionadas possam praticar os delitos sem serem avistadas pela polícia. No interior das quadras 700 tem muito mato e árvores sem poda. Os temores da população procedem, mas são questões que estão fora da competência da PM;, disse.
Em toda a Asa Sul, são feitos pelo menos dois flagrantes por dia de bandidos cometendo algum tipo de crime. Entre os mais comuns estão furto no interior de veículo, roubo, tráfico de drogas, furto e roubo em residência, estelionato e roubo a comércio. Nem sempre os criminosos estão mal trajados ou sujos. ;Ao contrário. Na maioria dos casos eles se vestem bem, usam carro novo e se passam por moradores da região. É o tipo lobo em pele de cordeiro, mas a polícia observa as reações e sabe distinguir quem é bandido e quem não é;, explicou.
MEMÓRIA
Execuções na praça
Palco de um dos crimes que chocou o Brasil ; a morte do índio Galdino ; em 1997, a praça na 703/704 Sul foi local de nova tragédia quase 12 anos depois. Os moradores de rua Raulhei Fernandes Mangabeiro, 26 anos, e Paulo Francisco de Oliveira Filho, 35, foram executados por volta das 6h40, em 19 de janeiro de 2009, quando dormiam no coreto da praça.
O analista do Banco Central José Cândido do Amaral Filho, 48 anos, que residia próximo ao lugar onde os moradores de rua foram executados a tiros, confessou o crime. Ele foi preso três meses depois pela 1; DP (Asa Sul) depois de tentar simular o furto de sua motocicleta, a mesma usada no dia do crime. José Cândido disse que estava irritado com a presença dos mendigos e queria eliminá-los de lá.
Panificadora reabre três meses após assassinato
A violência no Plano Piloto deixou marcas profundas nos familiares de Sebastião Carneiro de Sousa, 52 anos, assassinado em 21 de agosto deste ano ao tentar impedir um assalto a um outro comerciante que estava dentro de um carro estacionado em frente à Panificadora Júnior, na 710 Norte.
Os bandidos eram três adolescentes, mas apenas um deles acabou apreendido. Hoje, a padaria mudou de dono e de nome. Desde o último dia 29, ela se chama Panificadora e Confeitaria Recanto Mineiro. Os parentes da vítima não conseguiram continuar com o negócio e venderam o comércio em 21 de setembro, um mês depois do crime. ;Os familiares vieram aqui no dia em que foi aberto, mas foi muito rápido, porque ficaram lembrando o acontecido e a saudade é muito grande;, contou ao Correio a gerente Mariana Caixeta, 46 anos.
Com medo da bandidagem, ela evita fechar as portas do estabelecimento muito tarde. ;Quando as outras lojas começam a fechar, lá pelas 19h30, eu também fecho porque não quero arriscar;, disse. Com duas semanas em funcionamento, ela espera não passar por problemas em relação à segurança. ;Às vezes entra um ;cheira cola; de manhã e pede leite, mas até agora não teve nada de anormal e espero que continue assim;, disse.