Jornal Correio Braziliense

Cidades

Motoristas têm de esperar, em média, três horas por atendimento no Detran

Mais um dia de transtornos no Departamento de Trânsito (Detran). Por volta das 11h de ontem, o galpão no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) estava lotado. As 60 cadeiras foram ocupadas e os mais ansiosos perambulavam pelo espaço com os olhos fixos no painel luminoso com a chamada das senhas. O tempo médio de espera por atendimento em um dos 11 guichês disponíveis era de três horas. Com a demora, algumas pessoas driblaram o sistema preferencial. Mesmo sem comprovar idade superior a 65 anos ou qualquer tipo de deficiência, clientes conseguiam encaixe na fila de urgência, que corria normalmente enquanto a ordem ;normal; seguia a passos de tartaruga. A irritação tomou conta de quem aguardava a vez. Para piorar, o sistema de informática pifou por volta das 12h.

O pedreiro André Carvalho, 38 anos, pegou a senha 317 por volta das 10h50. Vinte minutos depois, o painel luminoso exibia o número 164. Ele cogitou sair para almoçar e persistir na parte da tarde. ;Acho que consigo sair na hora da janta;, brincou. Outras pessoas esperavam mais de uma hora para realizar procedimentos simples, como transferir ou buscar o documento do veículo. O engenheiro agrônomo Alberto Keizo Matsuura, 50 anos, chegou ao Detran às 8h para evitar fila, mas a senha dele só foi chamada às 11h. ;É uma desorganização geral;, criticou. O mineiro perdeu a manhã em vão. ;Disseram que eu tinha que vir aqui buscar o documento do carro. Mas, quando fui atendido, o homem me informou que já foi enviado para a casa do meu pai;, contou.

Alberto ainda reparou que jovens sem qualquer deficiência aparente eram atendidos nos guichês preferenciais. Indignado, mobilizou os companheiros de fila contra o mau atendimento. O gestor imobiliário Gerônimo Filho, 54 anos, comprovou a irregularidade. Após ouvir o comentário de Alberto, ele solicitou uma senha preferencial no balcão da triagem. Sem pedir qualquer documento ou informação prévia, o atendente concedeu o número. ;Isso é um erro grave. Desse jeito, prejudica de modo geral e os idosos também acabam esperando mais do que deviam. Se houver 20 pessoas em caso de urgência, elas vão ser atendidas antes de qualquer um que pegou a senha normal;, reclamou. No Detran não há baia específica para idosos, deficientes e gestantes. A senha preferencial pode ser atendida em qualquer guichê.

Gerência
Assim que chegou, o cineasta Érico Cazarré percebeu a confusão e foi direto à sala do gerente do Detran do SIA, Ildefonso Freitas da Silva. ;Ele mandou ligar na ouvidoria. Lavou as mãos. O gerente tem que colocar ordem aqui, mas não fez nada. É um desaforo demorar a manhã para ser atendido;, reclamou. Ildefonso, no entanto, afirmou que não poderia agir. Segundo ele, o bom senso deveria caber ao atendente e ao usuário do serviço. ;Mas eu pedi para os funcionários serem mais rígidos na triagem;, assegurou. De nada adiantou. O gerente informou que dezembro é um mês atípico, quando muitas pessoas buscam o Detran para fazer vistoria no carro e regularizar a situação. Além disso, falta pessoal para atender à demanda. Apenas 11 funcionários dão conta dos quase 1.600 clientes diários no SIA. ;É um problema do GDF todo. Acontece, né? O brasileiro deixa tudo para o último dia. É a comodidade da população;, alegou.

O presidente do Sindicato dos Servidores do Detran (Sindetran), Eider Marcos Almeida, avaliou que o atendimento do órgão está cada dia pior. ;A demanda aumenta no fim do ano. Mas, independentemente disso, a quantidade de servidores é insuficiente.; Segundo ele, a evolução do sistema não acompanha o crescimento da frota do Distrito Federal, de aproximadamente 100 mil emplacamentos por mês. ;Em 2001 deveríamos ter 1.600 servidores. Mas hoje temos 931. Se fosse há 10 anos, não daríamos conta;, explicou. Ele também criticou o sistema de tecnologia utilizado hoje pelo órgão. Uma das empresas que presta serviço para o Detran, a Search Tecnologia, estava envolvida nos escândalos de corrupção da Operação Caixa de Pandora, deflagrada pela Polícia Federal, no início deste ano (veja Memória). ;Quando o serviço cai, as pessoas acabam sendo atendidas outro dia. O atendimento sobrecarrega e o sistema cai. É uma bola de neve;.

Procurado pela reportagem, o Detran respondeu por meio da assessoria de imprensa. O órgão se diz ciente da situação e sabe que a demanda costuma aumentar no fim de ano. Por isso, 30 novos profissionais já foram treinados e reforçarão os setores de atendimento e vistoria de veículos no DF. Ainda segundo a assessoria, seis desses funcionários começam a trabalhar a partir de hoje no galpão do SIA.

Depois de uma manhã de espera, o sistema de tecnologia do Detran parou de funcionar por volta do meio-dia. A indignação foi geral. As cadeiras esvaziaram e as pessoas resmungavam xingamentos ao sair do galpão. Alguns ainda ficaram de braços cruzados, sem saber o que fazer. O vendedor Fábio Alves de Oliveira, 26 anos, chegou ao Detran por volta das 10h. Ao perceber que demoraria para ser atendido, saiu para resolver outras questões. Quando voltou, o sistema de internet caiu e ele não conseguiu pegar o documento do carro de 2010. ;O Detran nos dificulta andar regularmente. É o órgão que mais arrecada e o que tem o pior atendimento;, criticou.

Reivindicações
Nos últimos três anos, os servidores do Detran ameaçaram ou paralisaram os serviços por melhorias de condições de trabalho. Apesar de terem o maior salário entre os Detrans do Brasil ; varia entre R$ 2.700 e R$ 8.000 ;, eles reivindicam aumento de 6% na remuneração. O acréscimo faz parte de um acordo feito em novembro do ano passado, cujo único item cumprido até agora foi o incremento no tíquete-refeição de R$ 18 para R$ 23 diários. Além do aumento no contracheque, os grevistas pedem concurso para agente e assistente, nomeação dos auxiliares concursados e extinção da Companhia Metropolitana de Trânsito (CMT).

MEMÓRIA
Repasses congelados
Por pouco os serviços do Detran não foram interrompidos no meio deste ano. Quando assumiu o governo do Distrito Federal, em fevereiro, Wilson Lima (PR) determinou a suspensão do pagamento às empresas citadas na Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, entre elas a Search Tecnologia. Com os repasses congelados, a dívida do GDF com a empresa atingiu R$ 7,8 milhões. Não demorou para que o atendimento ao público sofresse as consequências. A unidade do Detran de Brazlândia suspendeu a emissão de todos os tipos de documentos porque o estoque de tinta para impressoras havia acabado. Sem o toner não era possível dar entrada na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), retirar o Certificado do Registro de Licenciamento (CRLV) ; o documento obrigatório do carro ; ou o Certificado de Registro de Veículos (CRV), também chamado de DUT.