O Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) está com os dias contados. Ontem, o juiz titular da 1; Vara de Infância e Juventude do Distrito Federal (VIJ/DF ), Renato Rodovalho, determinou ao Governo do Distrito Federal que apresente, no prazo de 90 dias, um plano de desocupação gradual da unidade. Na decisão, o magistrado proíbe o ingresso de menores infratores na casa a partir de 1; de março de 2011. Em caso de descumprimento, a multa aplicada ao Governo do Distrito Federal será de R$ 20 mil por dia. O grande problema é que não há espaço adequado para abrigar os 359 adolescentes em conflito com a lei que hoje cumprem medida socioeducativa no local.
A sentença de Rodovalho foi fundamentada numa ação ajuizada pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), que considerou o centro inapropriado para a ressocialização de crianças e jovens que cometem atos infracionais. O promotor responsável pela ação, Anderson Pereira de Andrade, defende a desativação do Caje baseado em três aspectos. O primeiro, cita o promotor, é a ausência de uma política pública para corrigir os problemas da instituição. ;Falta proposta pedagógica, os servidores tomam posse sem saber o que fazer;, criticou.
O segundo ponto, de acordo com Anderson, diz respeito à estrutura do prédio do Caje. ;O projeto de alvenaria é inadequado. Ao longo dos anos foram construindo vários puxadinhos, alterando a disposição dos quartos. Tudo isso feito com material pré-moldado, que não resiste ao tempo;, argumentou.
Por último, ele cita o que considera o maior dos problemas: a superlotação. Hoje são 359 internos, 79 a mais do que a capacidade máxima. ;Esse excesso de menores infratores levou a sociedade a assistir ao longo dos últimos anos muitas mortes, rebeliões e disputas entre eles. Essa decisão de pedir a desativação do Caje foi pensada durante todos esses anos, para preservar a vida desses menores;, complementou o promotor.
Inércia
Em sua decisão, o juiz Renato Rodovalho critica a inércia do GDF em relação aos problemas do Caje. ;Tal omissão por parte do DF afronta não apenas à ordem jurídica nacional, como também aos tratados internacionais de direitos humanos. Cabe ao Poder Judiciário, em caso de descumprimento do poder público, garantir a efetivação dos direitos fundamentais dos adolescentes internos;, escreveu.
O secretário de Justiça do DF, Geraldo Martins, anunciou que sua equipe elaborou um projeto que prevê a construção de quatro novos centros de internação em São Sebastião, Brazlândia, Sobradinho II e Santa Maria. Em cada casa serão investidos cerca de R$ 12 milhões, totalizando R$ 48 milhões. Segundo o chefe da pasta, o plano já foi enviado para a equipe de transição de governo. Quanto à possibilidade de entregar as unidades antes do prazo estipulado pelo juiz para a remoção do Caje, Geraldo Martins jogou a responsabilidade para o governador eleito, Agnelo Queiroz. ;Em relação a execução, custos e para onde serão levados esses adolescentes do Caje, tudo isso vai ser analisado pelo novo governo. Nossa parte foi feita. Apresentamos uma solução, mas a execução não vai ser com a gente;, disse o secretário.
Geraldo Martins cogitou abrigar os internos temporariamente em um prédio do sistema prisional, mas o diretor da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) do DF, Adiel Teófilo, descartou qualquer chance de ceder espaços. ;Estamos com capacidade plena de ocupação e já com deficit de vagas. Além de não termos unidades disponíveis, não temos ambiente adequado para receber esses jovens porque, pela legislação, eles devem ficar separados dos presos comuns;, afirmou Adiel.
O governador eleito, Agnelo Queiroz, reiterou que é favorável à extinção do Caje e que trabalhará para a construção e a formatação de um novo modelo de instituição, mas não adiantou quando isso poderá se concretizar no seu governo. ;Mesmo sem decisão judicial, eu anunciei na campanha que fecharia o Caje porque ele é absolutamente inviável. Existe um projeto que estamos trabalhando para construção de quatro unidades menores, com 100 vagas cada, que nós vamos colocar em prática depois da posse;, afirmou.
Alta reincidência
Da população juvenil que está no Caje, 80% são reincidentes; 45% não se sentem seguros no local; e 42% abandonaram a escola. Mais da metade dos internos é de Ceilândia, Samambaia e Planaltina, segundo levantamento da UnB.
Não basta desativar
Para a deputada distrital Érika Kokay, que ocupa a vice-presidência da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do DF, a desativação da mais antiga casa de internação para jovens no DF representa um importante passo para a construção de uma nova política de ressocialização de menores, mas apenas isso não basta.
Na opinião da dela, o governo precisa atacar em outras frentes para melhorar o falido sistema de recuperação de adolescentes no DF. ;Essa decisão do magistrado é importante para forçar o GDF a repensar esse modelo, para que o governo assuma a responsabilidade de adequar os centros como preconiza o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). No entanto, é preciso encontrar alternativas para resolver outros problemas, como a superlotação das casas de semiliberdade, pensar em políticas que acolham crianças vitimizadas pela violência para que elas não se transformem em vitimizadoras, além de criar um projeto pedagógico sério, pois os internos do Ciago (Centro de Internação Granja das Oliveiras, no Recanto das Emas), por exemplo, até a semana passada não estavam tendo aula;, destacou a parlamentar.
A mestre em sociologia e professora da Universidade de Brasília Bruna Gatti concorda com a deputada. De acordo com ela, apenas desocupar o Caje não resolve o problema da delinquência juvenil. ;A estrutura do Caje é falida, mas desativar e mandar para um lugar onde aconteçam rebelião e mortes não resolve. Tem de ser um lugar que ofereça educação, cursos profissionalizantes, esportes, cultura. Mas também é preciso criar políticas públicas para evitar que crianças e adolescentes ingressem no crime, como investir em projetos sociais nas periferias, dar alternativas para que o jovem não seja seduzido pelo que a rua lhe oferece;, analisou Bruna Gatti.
Histórico de mortes
1995
1; de setembro
O interno L.S.S, 17 anos é assassinado pouco antes da cerimônia de abertura de um projeto educacional na instituição.
1997
3 de Fevereiro
Um incêndio provocado pelos internos na cela n; 8 da ala dos provisórios resulta na morte de Edinaldo Silva Bezerra, 17 anos, e de Anderson Costa, 16 anos.
6 de março
Cristiano Ferreira Rocha, 17 anos, é eletrocutado dentro da cela que dividia com outros dois menores.
28 de setembro
Giovane de Souza Costa, 17 anos, é enforcado e morto por dois colegas de cela.
19 de setembro
Marcelo Tomé, 16 anos, é encontrado morto, enforcado com o seu lençol, em um quarto do pavilhão disciplinar.
5 de outubro
Robson Gonçalves da Silva, 17 anos, é sufocado. Seu corpo não apresentava ferimentos ou marcas.
1999
23 de abril
Douglas Cordeiro Pimenta, 17 anos, é enforcado com o seu lençol. Ele teve uma briga com A.F.P., 16 anos, que confessou a autoria do crime.
1; de junho
Wanderson Azevedo de Souza,18 anos, é espancado até a morte por colegas de cela, na ala dos sentenciados.
2003
18 de julho
Uma rebelião de sete horas no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) deixou 20 feridos e envolveu 113 detentos. Durante a confusão, 11 internos e 8 assistentes sociais foram espancados e queimados. Um detento foi esfaqueado.
2 de novembro
Leandro Ribeiro de Oliveira, 17, sofre uma grave lesão no cérebro como consequência de espancamento e asfixia. Ele morreu na noite seguinte no hospital Prontonorte.
28 de novembro
Wesley Alves da Silva, 15 anos, é espancado e enforcado até a morte pelos três colegas de alojamento.
2004
21 de maio
Revoltados por não terem autorização judicial para passar o Dia das Mães em casa, 64 internos promoveram uma rebelião. Por mais de três horas, eles queimaram colchões, rádios de comunicação, computadores e equipamentos da administração. Três monitores foram mantidos como reféns. Um deles foi esfaqueado.
2008
2 de novembro
André Luiz Alcântara de Souza, 16 anos, morre enforcado com uma toalha. Os suspeitos são três adolescentes que cumpriam medida socioeducativa no mesmo pavilhão.
2009
15 de agosto
P.H.C.S, 16 anos, é enforcado na cela localizada no módulo 37 do Caje. Dois colegas de quarto da vítima, ambos de 17 anos, assumiram a autoria do crime, em depoimento à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA).