Jornal Correio Braziliense

Cidades

Árvores frutíferas espalhadas por Brasília fazem o regalo de cidadãos

Mangas, abacates, amoras, pitangas, jacas e muitas mais integram o generoso pacote natural com que a capital brinda seus moradores, em diferentes épocas do ano

No verde bucólico de Brasília, existe fartura de vida, de alimento de graça, ao alcance das mãos. Boa parte das árvores frutíferas da capital costuma estar carregada nesta época do ano. Tem goiaba, manga, abacate, jaca, limão, pequi, acerola, amora e muito mais. Basta ficar atento aos presentes da natureza. As frutas estão nas entrequadras, nos parques e até nas vias dos eixos.

O governo local estima que existam, em média, 5 milhões de árvores no DF, sendo 30% delas de espécies frutíferas. No Parque da Cidade é possível saborear variedades incontáveis de manga. Há quem venha de longe só para colhê-las, verdes ou maduras. É o caso do aposentado José Gomes do Vale, 71 anos, morador de Ceilândia. Uma vez por ano, em outubro ou novembro, ele pega um ônibus logo cedo, rumo ao parque. Na semana passada, escolheu uma área próxima ao Estacionamento 9 para ser o seu pomar.

José leva apenas uma sacola bem grande, onde caibam muitas frutas. ;As que compramos na feira são caras e nem são tão gostosas como essas daqui. É uma bênção ter fruta assim;, afirmou. Ele se vale de uma vara de bambu com um saco na ponta para ;pescar; as mangas lá no alto. ;O bambu já estava aqui do lado da árvore. Alguém deixou pra facilitar a vida de quem gosta das manguinhas, como eu.;

Ao lado das mangas, há também abacates. Mas estão pequenos, ainda não é hora de retirá-los dali. José só volta para casa quando a tarefa termina. Leva as delícias para toda a família. Não deixa nem sequer as mangas verdes para trás. ;Eu corto em lasquinhas e misturo com rapadura;, ensinou. Antigamente, segundo José, a fartura era maior. Mesmo assim, ele não deixa de se encantar com o que Brasília oferece. ;Lembro-me de que quando eu era menino, no Ceará, quase não tinha fruta. É uma coisa tão simples. Todo lugar podia ter. Em Ceilândia mesmo a gente vê pouco.; No fim da manhã, José pega a condução de volta para casa, carregando com dificuldade a sacola abarrotada.

Perto da Administração do Parque da Cidade, um vistoso pé de acerola é um convite à degustação. As mais vermelhas, bem doces, não ficam por ali muito tempo. O homem ou o passarinho encarrega-se de fazer delas bom uso. Os galhos estão tão cheios que alguns se quebraram. A árvore tem um guardião. É o massagista e corredor Rubens Araújo, 35 anos.

Rubens trabalha em uma barraquinha montada, estrategicamente, em frente às acerolas. ;Esses dias, caíram dois galhos. Eu catei e replantei bem ali;, disse, apontando para um gramado próximo. As frutas apareceram há, pelo menos, cinco anos. O militar da Marinha Isley Guimarães, 34 anos, nunca havia reparado no colorido das acerolas. ;É uma fonte de vitamina C maravilhosa;, surpreendeu-se. No mesmo local, há também jambo e manga. Mas o primeiro já passou da época este ano, segundo Rubens.

Diversão
Fora do Parque da Cidade, também é possível encontrar variedade. Quem passa pela Escola Classe 206 Sul tem a sensação de estar longe da cidade grande, quando vê crianças penduradas em árvores em busca de frutas. Nos intervalos, os alunos, com a supervisão de professores, brincam ao ar livre. Disputam as goiabas maduras. ;Vamos catar para levar para as meninas;, explicou Matheus Kenji, 8 anos, aluno da 3; série. ;É bem docinha;, garantiu Guilherme Silva, 9.

As amoras da quadra também são um atrativo. Os pequenos encontram ali uma oportunidade de se maravilhar com novidades, pois a maioria vive sem tanto contato com a natureza. ;De vez em quando, aqui parece uma fazendinha;, afirmou Maria Eduarda Campos, 9, com uma pequena vasilha cheia de amoras maduras.

Do outro lado, na 114 Norte, é a vez do limão e do caju. Já pequi, não falta na 108/109 Norte. Próximo ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran), um pé de pitanga sobrevive há anos. Se o passeio é pelo Sudoeste/Cruzeiro, são as jacas que prendem a atenção de quem passa. Lotam as árvores, dando a impressão de prosperidade. As jaqueiras estão ali desde 1980. A pista que divide as duas regiões ganhou o nome de Avenida das Jaqueiras.

O escritor e consultor de negócios na área de alimentação sustentável e ecologia Alexandre Pimentel, 46 anos, sempre caminha em busca de frutas. Vai da 712 Norte, onde vive, até a 112 Norte, sempre de olho no que a natureza oferece. Ele acredita que o alimento que nasce ali é mais saudável, menos contaminado por agrotóxicos.

;Criei esse hábito quando morava em Brazlândia e não tinha muito dinheiro para comer. Eu andava pela rua e voltava para casa com sacolas carregadas de manga, abacate;;, lembrou. Mesmo depois de conseguir um bom emprego e ganhar mais dinheiro, Alexandre não abre mão das colheitas. Se for preciso, até escala os galhos mais altos. ;Subir em árvores é muito divertido. Lembra infância. Te tira do piloto automático urbano. A sensação é indescritível. Isso nos torna pessoas menos de shopping. Eu gosto de me aventurar;, afirmou.

Alexandre repassou o hábito aos filhos Hermes, 23 anos; Nanda, 21; Iohan, 13; Shanti, 11; e Nalini, 8. A mais nova alimenta-se dos abacates das ruas de Brasília desde bebê. ;A gente conhece uma Brasília diferente quando sobe nas árvores atrás de fruta;, acredita. E retribui à fartura escrevendo sobre o tema.


PALAVRA DE ESPECIALISTA
Brasília de mangas, poemas e pitangas
>> Alexandre Pimentel


Logo que vim com minha esposa para o Planalto Central e fomos morar na linda cidade de Brazlândia, ficamos perplexos com a quitanda gratuita que a cidade significava. Diariamente, passeávamos e retornávamos com sacolas cheias de abacates, mangas, jacas, araticuns e outras delícias orgânicas, da época e do clima. Após algum tempo, vindo morar no Plano Piloto, imaginamos que aqui não teríamos aquela ;biodisponibilidade; de alimento vivo e biogênico.

Mas nos enganamos. Descobrimos que em várias quadras de Brasília havia verdadeiros tesouros escondidos, não só de frutas, mas de frondosas árvores, flores policrômicas e indescritíveis aromas. Certa vez eu andava em frente ao hospital Hran, na Asa Norte, quando vislumbrei um grande pomar de pitangueiras. As pitangas, de longe, reluziam como pequenos pontos luminosos brilhantes, quais estrelas terrenas que me chamavam para um momento de êxtase. Ao colocá-las na boca e sentir o transcendental sabor, momentos de minha infância vinham à tona.

Em uma caminhada que fazia há uns dois anos pela Quadra 312 Norte, deparei-me com uma fruta estranha caída ao chão. Olhei para cima e percebi que uma simpática árvore estava cheia daquela coisa linda, amarelada. Minha ;curiosidade científica;, então, não sossegou enquanto não aparecesse alguém que explicasse o que era aquilo. Após quase meia hora de espera, uma velha senhora apareceu e perguntei a ela se conhecia aquele fruto. Com um ar de serenidade, ela olhou-me nos olhos e cantou:

; O pato pateta pintou o caneco, bateu na galinha, bateu no marreco... Comeu um pedaço de ;jenipapo;, ficou engasgado com dor no papo. Jamais em minha vida havia recebido uma resposta tão poética quanto objetiva, embora o fim dessa musiquinha não seja feliz. Sim, era jenipapo, fruta que, penso, não se coma diretamente, mas é possível produzir um bom suco e algumas pessoas fazem doce e licor. A abundância de jaca em Brasília é também fenomenal.

Confesso não ser um admirador ferrenho do sabor da jaca, embora dê a ela a chave de meu coração e todas as possibilidades de conquista. Mas com esse gigante fruto, no estágio verde, dá para fazer bobó, hambúrgueres e vários outros pratos salgados. Com o caroço se faz um agradável tira-gosto, bastando cozinhá-lo em água com sal ou assá-lo ao forno. Fica parecido com castanha.

Alexandre Pimentel é escritor e consultor de negócios na área de alimentação sustentável e produtos ecológicos