Jornal Correio Braziliense

Cidades

Para população, governo Arruda seguia a legalidade e o desenvolvimento

Nos bastidores, porém, chantagens e traições precederam o estouro do escândalo

Se fosse um filme policial, teria um belo roteiro. Os detalhes do enredo que levam à Operação Caixa de Pandora são cinematográficos. Envolvem chantagens, traições, surpresas, mocinhos acusados de participar do esquema, vilões com participações de destaque e imagens marcantes. A trama começa três anos antes do ápice, quando um dos um dos protagonistas, José Roberto Arruda, decide se livrar de um incômodo, Durval Barbosa, o personagem principal, sem o qual nada teria acontecido.

Enquanto buscava recursos no exterior para grandes projetos, defendia uma gestão de legalidade, cortava gastos, fazia obras e crescia nos índices de aprovação, Arruda vivia, nos bastidores, uma grande pressão longe dos holofotes. Durval não aceitava ser escanteado depois de tê-lo ajudado na campanha. Ameaçava divulgar a gravação em que entrega dinheiro ao governador, quando ele ainda era deputado federal. O clima era de guerra fria e suspense. Em três anos de administração, houve vários momentos de conflito, sempre contornados pelo chefe da Agência de Comunicação, Weligton Moraes, até então amigo de Durval e responsável pela aproximação com Arruda em 2003.

A relação de Weligton e Durval azedou na Operação Caixa de Pandora, mas os dois romperam quando o jornalista foi preso, em fevereiro, sob a acusação de intermediar uma suposta proposta de Arruda ao jornalista Edson Sombra. Weligton sentiu-se traído e se considerou vítima de uma orquestração criada pelo ex-amigo para prejudicar Arruda, que resultou em sua permanência, por dois meses, na prisão.

Capítulo especial
No Ministério Público do DF, a história também reservou um capítulo inesperado. A instituição que deu voz e credibilidade a Durval Barbosa, com a delação premiada, acabou em parte abatida por seu colaborador. Líder de um grupo de combativos promotores, Leonardo Bandarra, até então cotado para se tornar ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), se tornou um dos alvos mais importantes da Operação Caixa de Pandora. Junto com a colega Deborah Guerner, ele é acusado pelo próprio Ministério Público Federal, instituição da qual faz parte, de concussão ; quando um agente público usa o cargo para obter vantagem ; formação de quadrilha, violação de sigilo funcional, extorsão e advocacia administrativa. Há expectativa de que novas ações sejam ajuizadas.

Por enquanto, o saldo da Caixa de Pandora é a cassação de um governador, Arruda, e a renúncia de um vice, Paulo Octávio, de um presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente, e de outro distrital, Júnior Brunelli, ex-corregedor da Casa. Também houve a cassação de uma deputada, Eurides Brito, o afastamento de um conselheiro do Tribunal de Contas do DF, Domingos Lamoglia, e o bombardeio nas chances de vários políticos que se preparavam para concorrer nas últimas eleições. E o filme nem chegou ao fim.


Cronologia

Veja, a seguir, os capítulos anteriores à operação que mudou o cenário político no Distrito Federal:

A vitória
Outubro de 2006
; José Roberto Arruda vence a eleição no primeiro turno e começa o governo de transição. Nos preparativos para a nova administração, ele tenta se livrar da presença de Durval Barbosa, que o ajudou na campanha. Uma das primeiras medidas que adota é uma aproximação com o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra. Com o vice-governador eleito, Paulo Octávio, Arruda participa de uma reunião na sede do Ministério Público do DF com Bandarra e vários promotores, entre os quais Deborah Guerner, para discutir medidas para a nova administração. Paulo Octávio era amigo de Deborah, com quem mantém uma relação iniciada na juventude.

[FOTO2]Começa a chantagem
Novembro de 2006
; Arruda toma conhecimento de que foi filmado por Durval Barbosa quando esteve com ele na Codeplan, em 2005, e recebeu R$ 50 mil. O dinheiro foi levado numa sacola pelo secretário particular de Arruda, Rodrigo Arantes. Nervoso ao saber das imagens, Arruda avisa que não cederá a chantagens. Durval estava irritado porque Arruda não cumpria a promessa de lhe entregar a coordenação dos contratos da área de informática, setor que comandou no governo de Roriz. Durval também exige um cargo no primeiro escalão do governo, para ganhar foro especial e responder aos processos na segunda instância do Tribunal de Justiça do DF.

Pedido de investigação
Novembro de 2006
; Numa das reuniões com Leonardo Bandarra, Arruda pede uma investigação sobre a vida de Durval e de outros aliados de quem queria se livrar, entre os quais Weligton Moraes. Passa a municiar o Ministério Público com informações importantes para desvendar os crimes. Uma comissão do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) já investigava os contratos de informática do GDF por meio do Instituto Candango de Solidariedade (ICS) e preparava uma operação para prender e fazer buscas e apreensões em empresas relacionadas ao esquema de desvios de recursos públicos. Durval sente que está na berlinda.

Ajuda continua
Dezembro de 2006
; Apesar dos conflitos com Arruda, Durval continua colaborando com o governo. Dinheiro de Durval banca parte da reforma do quartel para onde foi transferida a nova sede administrativa do governo, em Taguatinga.

Fim do ICS
Janeiro de 2007
; Numa medida que agrada ao Ministério Público do DF, Arruda anuncia a extinção do ICS. Apesar das insistências de Durval, o governador não o nomeia para cargo estratégico. O clima de tensão continua. O governador eleito pensa em tornar pública a chantagem que recebia de Durval para estancar a crise no auge da legitimidade depois de vencer a eleição no primeiro turno, mas é aconselhado a não confrontá-lo. Amigo de Durval e responsável pela aproximação dele com Arruda no início de 2003, o chefe da Agência de Comunicação do DF, Weligton Moraes, tenta evitar o conflito e procura várias pessoas do governo para pedir cautela com Durval.

Durval vira secretário
Março de 2007
; Numa operação coordenada por Weligton Moraes, sai a nomeação de Durval para o cargo de secretário de Relações Institucionais, que lhe garante status para usufruir de foro especial na Justiça. A tensão diminui. Ele chegou a ser nomeado secretário da Assessoria Especial do governador, mas a função não lhe dava as vantagens jurídicas de responder processos criminais na segunda instância do Tribunal de Justiça do DF.

Operação inicia nova crise
Junho de 2008
; O Ministério Público do Distrito Federal realiza, em parceria com a Polícia Federal, a Operação Megabyte, de busca e apreensão em várias empresas, para apurar esquema de lavagem de dinheiro desviado de contratos de informática. Entre os alvos da operação estavam a casa em que Durval vivia com a família, no Lago Sul, e a loja da mulher dele, a Dot Paper. Durval fica irritado com Arruda, a quem atribui responsabilidade pela ação do Ministério Público. Passa a distribuir dossiês contra o então governador em que sustenta ter financiado toda a pré-campanha de Arruda por meio de contratos ilícitos. Começam os boatos no meio político de que Durval tinha vídeos comprometedores contra o chefe do Executivo e deputados da base.

Novo conselheiro
Julho de 2008
; Durval fica abatido com a operação do Ministério Público em sua casa e fala em vingança. Abalado, ele se aproxima do jornalista Edson Sombra, que passa a aconselhá-lo a contar tudo o que sabe sobre o suposto esquema de corrupção no governo Arruda.

Durval resolve falar
Julho de 2009
; Durval Barbosa procura alguns interlocutores para tentar divulgar as gravações que possui. Mostra os vídeos para Agnelo Queiroz e vários interlocutores. Mas enfrenta dificuldades porque tem pouca credibilidade. Enquanto isso, avolumam-se os processos judiciais contra ele. Antigo conhecido da promotora Alessandra Queiroga, a quem ajudou a desvendar esquemas de grilagem de terras no DF, o jornalista Edson Sombra a procura para oferecer a delação premiada de Durval. O jornalista coloca uma condição para prosseguir nas tratativas: o chefe de Alessandra, o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra, não pode saber de nada porque ele também estaria envolvido no esquema de corrupção do governo Arruda. Alessandra aceita as condições. Na época, ela atuava no Centro de Informações (CI), a área de inteligência do Ministério Público do DF.

Extorsão e panetones
Julho de 2009
; A promotora Deborah Guerner cobra de Arruda dinheiro para não divulgar a gravação em que ele aparece recebendo dinheiro de Durval Barbosa. Ela consegue as imagens por meio da amiga Cláudia Marques, que a obtém com Durval. Arruda começa a perceber que as cenas constrangedoras já circulam de mão em mão no meio político e empresarial do DF. Por isso, ele chama Durval Barbosa e pede que ele assine um recibo atestando que o dinheiro recebido na filmagem seria uma doação para compra de penetones.

Reunião estratégica
Agosto de 2009
; Durval se encontra com a promotora Alessandra Queiroga num escritório do Setor de Rádio e TV Sul e entrega as gravações. Ela, então, encaminha Durval para o Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do Ministério Público do DF.

Começa a delação
Setembro de 2009
; Os promotores Sérgio Bruno Cabral Fernandes e Clayton da Silva Germano, do Ncoc, colhem o depoimento de Durval Barbosa. São cerca de 10 horas de relatos sobre esquemas de desvios de recursos no governo Arruda. O então secretário de Relações Institucionais do governo entrega oficialmente as gravações com imagens de corrupção explícita. Durante todo o dia, Durval só se alimenta de uma barra de cereais. Por telefone, tem informações sobre o mundo político nos intervalos do depoimento. Fica sabendo que Roriz abandonara o PMDB. No dia seguinte ao depoimento, os dois promotores encaminham o documento ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sem comunicar a Bandarra.

Investigação à revelia de Bandarra
Outubro de 2009
; As investigações sobre os esquemas de corrupção no governo Arruda passam a ser coordenadas pela subprocuradora-geral da República, Raquel Dodge. Os promotores Sérgio Bruno Fernandes e Eduardo Gazzinelli, do Ministério Público do DF, são designados por Roberto Gurgel a auxiliar nas investigações. Eles passam a trabalhar na Procuradoria-geral da República, sem o conhecimento do chefe local, Leonardo Bandarra.

Dinheiro de Durval
Outubro de 2009
; Depois do primeiro depoimento oficial, Durval vira colaborador do Ministério Público. O contato passa a ser com os promotores designados para o caso e a subprocuradora Raquel Dodge, além de policiais federais coordenados pelo delegado Alfredo Junqueira. No meio das investigações, Durval marca encontro com a promotora Alessandra Queiroga para passar informações. Na reunião, Durval entrega a ela um pacote com dinheiro vivo que afirma ter recebido do esquema de corrupção. Alessandra vai direto à Polícia Federal relatar a entrega, com receio de ter sido alvo de uma armadilha. Os policiais federais colhem o depoimento da promotora de Justiça.

Escuta no corpo
Outubro de 2009
; A Polícia Federal entrega a Durval equipamento de escuta ambiental para que ele grave uma conversa com o então governador Arruda. Num encontro na residência oficial de Águas Claras, Durval grampeia um diálogo em que Arruda e o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, falam de entrega de dinheiro a deputados da base, por meio de recursos fornecidos por dois auxiliares do governador, Omézio Pontes e Domingos Lamoglia. ;Aquela despesa mensal sua hoje com político tá em quanto?;, pergunta Arruda. O diálogo vira peça importante nas investigações.

Suspeita de vazamento
Novembro de 2009
; A intenção dos investigadores era manter Durval Barbosa como agente infiltrado no governo Arruda para reunir informações durante um longo período. Mas o Ministério Público soube que a instauração do inquérito 650, em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o caso, havia vazado. Arruda pede audiência com o relator do processo, ministro Fernando Gonçalves, para obter informações. O governador também reúne toda a equipe ; inclusive Durval ; para pedir cautela, uma vez que o governo estava sob investigação. Durval conta ao MP que Arruda pediu que os secretários ficassem atentos.

27 de novembro de 2009 ; É realizada a Operação Caixa de Pandora.