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Pianista Neusa França, uma das mais marcantes personagens da capital

A pianista Neusa França exibe a própria idade como quem mostra um troféu. Diferentemente de boa parte das mulheres, que depois de algumas décadas passam a contar os anos um pouco mais devagar, ela fala em tom de evidente felicidade: ;Tenho 89 anos. Sem plástica, creme para o rosto ou coisa assim;. Dia 7 próximo, Neusa completará 90 anos. Nove décadas bem vividas, estampadas na fisionomia elegante. O rosto é jovem. A pele, lisa. Neusa está em sua melhor forma física e mental. A vida em Brasília fez bem à pioneira nascida em Campos (RJ), que está na cidade há pouco mais de 50 anos.

Antes de mudar-se, ela já tinha emprego garantido. Neusa passou em primeiro lugar para ser professora de música em Brasília, em concurso público, feito no Rio de Janeiro. Aos 40, já tinha no currículo vasta experiência e formação como musicista. Decidiu trazer seu talento para a cidade-sonho. Encheu a Brasília cor de terra de sons e melodias. ;Só tinha eu de pianista na cidade;, relembrou.

Tornou-se então a primeira a dar lições dessa arte no DF. Atuou como professora no Caseb, a primeira escola de ensino fundamental de Brasília, e também no Colégio Elefante Branco. Durante 15 anos, inseriu a música no cotidiano de meninos e meninas, pobres e ricos, da nova capital. Chegou a dar aulas de graça, por vontade de lapidar talentos, como um dia fizeram com ela. ;Nunca paguei para estudar música. Mostrava o que sabia fazer, a minha vontade, e ganhava bolsa.;

A pianista começou a tocar quase por acaso. Aos 7 anos, estava em Niterói (RJ), em uma casa de praia com a família, perto de um conservatório de música. Ela, ainda menina com laço de fita no cabelo, prestava atenção ao som que vinha do lado. Repetia as notas só de ouvir, em um piano antigo, que estava ali por força do destino. ;Uma funcionária do conservatório me viu tocar, por cima do muro, e me chamou. Quis mostrar o que eu sabia fazer para a dona da escola. Quando ela viu, se ofereceu para me dar aulas de graça. Mas eu morava longe. Depois de muita conversa, meus pais aceitaram se mudar para Niterói, para investir no meu estudo.;

Depois disso, veio a formação profissional, pela Escola Nacional de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela obteve a primeira classificação em educação musical pelo Conservatório Villa-Lobos, onde ganhou diploma de alta virtuosidade e interpretação pianística, concedido pela renomada pianista Magda Tagliaferro (de quem Neusa se tornou, além de aluna, assistente). Neusa estudou e apresentou-se também fora do Brasil. Suas mãos habilidosas ganharam reconhecimento por onde passaram.

Ensinamentos
Após anos de estudo, era hora de repassar o conhecimento. Em 1959, quando pisou em Brasília pela primeira vez, Neusa tinha a aparência de uma diva do cinema clássico. Mas vivia uma realidade nem tão glamorosa. Trabalhava de segunda a sexta-feira, nos dois colégios públicos. Aos sábados, recebia alunos em casa, muitos deles de graça. Assim como fizeram com ela um dia.

Neusa veio em uma Kombi do Rio de Janeiro para Brasília, para acompanhar o marido, o advogado Oswaldo França, pai de seus três filhos e de quem ficou viúva em 1988. Moraram durante dois anos em uma casa simples na W3 Sul, ainda em obras. ;Éramos eu, minha mãe ; que era viúva e sempre morou comigo, pois sou filha única ;, meus três filhos e meu marido. Um aperto só. Muito diferente da casa com jardim na qual vivíamos em Ipanema;, lembrou.

À época, Oswaldo trabalhava como procurador federal e havia sido transferido do Rio de Janeiro para a nova capital. Trabalhou como secretário do então ministro chefe da Casa Civil, Victor Nunes Leal, no governo de Juscelino Kubitschek. A família França passou a conviver com JK. ;Lembro-me de ter dançado valsa com ele, em bailes de aniversário de Brasília. E também de vê-lo feliz na inauguração da cidade.;

Hino
A relação profissional trouxe proximidade entre Neusa e a mulher de Victor Nunes Leal, Julimar. Foi a amiga quem sugeriu, meses antes da vinda a Brasília, a Neusa que ela compusesse uma música em homenagem à cidade. ;Eu ainda estava no Rio quando comecei a compor. Queria uma canção da qual todos pudessem se lembrar;, explicou. A letra veio de uma poesia de Geir Campos. Uma comissão nomeada pelo Ministério da Educação e Cultura avaliou e aprovou o hino oficial. Ainda em 1959, o reconhecimento foi publicado no Diário Oficial da União.

A pianista compôs também o Hino do Caseb, interpretado ainda hoje nas celebrações referentes à escola mais antiga da capital. Neusa perdeu as contas de quantos alunos já teve. Ao andar pelas ruas, recebe frequentemente o carinho daqueles que já receberam seus ensinamentos. Hoje, ela dá aulas em casa, um confortável apartamento na 305 Sul. Tem 14 alunos, quatro deles bolsistas. Gosta de olhar pela janela e ver a Brasília adulta. ;É como assistir uma pessoa crescer, passar por todas as fases da vida. Aprender a andar, formar-se, escolher uma profissão e fazer sucesso.; Na avaliação da pianista, Brasília chegou ao ápice. Neusa e a cidade que ela escolheu para viver compartilham essa semelhança.


A PRIMEIRA ESCOLA
A sigla vem do termo Comissão Administrativa do Sistema Educacional de Brasília. Várias gerações passaram por essa escola, inaugurada três meses depois de Brasília, em 1960. JK queria oferecer ensino de qualidade para atrair servidores públicos e autoridades até a nova capital. Gente que se tornaria famosa, como o cantor Renato Russo, por exemplo, passou pelo Caseb.


Hino a Brasília

(Hino Oficial)

Letra: Geir Campos
Música: Neusa Pinho França Almeida

Todo o Brasil vibrou
e nova luz brilhou
quando Brasília fez maior a sua glória
com esperança e fé
era o gigante em pé,
vendo raiar outra alvorada
em sua história

Com Brasília no coração
epopeia a surgir do chão
o candango sorri feliz
símbolo da força de um país!

Capital de um Brasil audaz
bom na luta e melhor na paz
salve o povo que assim te quis
símbolo da força de um país!