As consecutivas prorrogações no prazo de encerramento da Empresa Brasiliense de Turismo (Brasiliatur) motivaram representantes do setor de turismo no Distrito Federal a levar ao governador eleito, Agnelo Queiroz (PT), num encontro previsto para hoje, a preocupação com o futuro da empresa. Criada na gestão de José Roberto Arruda para fomentar o turismo, a Brasiliatur ficou conhecida ao protagonizar denúncias de irregularidades, como contratação de serviços sem licitação, pagamento de cachês fora do padrão de mercado e manutenção de quadro de funcionários sem concurso público. A empresa está em processo de liquidação desde maio deste ano. Nesse período, algumas das suspeitas de irregularidades foram comprovadas.
O movimento liderado pelo Convention & Visitors Bureau de Brasília quer convencer o novo chefe do Executivo a enterrar a modelo adotado até então. Uma das alternativas defendidas por parte dos empresários é a de transformar a Brasiliatur numa sociedade anônima para facilitar as ações de promoção do turismo. Nesse formato, o governo se tornaria um parceiro e não a fonte principal de repasse de recursos, como ocorreu ao longo dos três anos de existência da empresa (veja Memória).
Há interesse também em desmontar o quadro de servidores composto por indicações políticas contrárias ao futuro governo. Devido à liquidação, a Brasiliatur reduziu o número de funcionários de quase 100 pessoas para 15, mas a maioria dos servidores foi realocada na Secretaria de Turismo (Setur). A pasta foi ressuscitada no decreto de extinção da estatal assinado pelo governador Rogério Rosso (PMDB). O titular da Setur, Delfim da Costa Almeida, por exemplo, pertencia à Diretoria de Administração e Finanças da Brasiliatur. ;Não tem ninguém fiscalizando. A própria Brasiliatur que a fiscaliza;, afirmou o diretor executivo do Covention, Henrique Severian.
Alternativa
Pessoas próximas a Agnelo dizem que não há clima para criar uma outra empresa ou manter a Brasiliatur se persistir o processo de liquidação. O novo governo deverá conviver com a Secretaria de Turismo até amarrar uma outra alternativa antiburocrática para promover o desenvolvimento econômico atrelado ao turismo na capital. ;Falar em reformulação da Brasiliatur é muito prematuro, mas estamos na fase de recolher os dados da área. A certeza é que o turismo será uma das grandes prioridades do governo;, afirmou Agnelo ao Correio.
O liquidante da empresa, Manoel Luiz Antunes, fez um apanhado do trabalho. Auditor de controle interno de carreira da Corregedoria-Geral do DF, ele garantiu, em entrevista exclusiva ao Correio, que não está recebendo ;nenhum tostão a mais; para exercer a função desde maio, apesar de o Decreto n; 31.699 prever remuneração adicional de até 15% para o comandante do processo. ;Faço a liquidação, recebo todos os proponentes que vieram aqui, mas sempre com minha porta aberta e com mais uma pessoa como testemunha, para nem dar margem a qualquer proposta indecorosa;, argumentou.
Segundo ele, técnicos detectaram irregularidades em, pelo menos, 35 dos 130 processos que estavam com valores a liquidar, e isso poderá acarretar em ressarcimento aos cofres públicos aos responsáveis. Todos foram encaminhados para a Corregedoria para instauração de um processo-administrativo disciplinar (PAD) e tomada de contas especial. Descumprimento a lei de licitações, superfaturamento de produtos e serviços e identificação de serviços prestados aquém do acordado são alguns dos problemas identificados.
Licitação
Antunes contou que para burlar a obrigatoriedade de fazer a licitação, as partes faziam parcelamento de até três vezes o valor do convênio, inferior a R$ 16 mil, o que dispensa o processo licitatório. ;No aniversário de 50 anos, foi contratada uma iluminação dos estandes cujo preço das lâmpadas, com refletores especiais, era R$ 30. Mas penduraram lâmpadas que não valiam R$ 10;, citou. A reportagem tentou entrar em contato com os quatro ex-dirigentes da estatal, mas apenas conseguiu falar com o distrital eleito Rôney Nemer, que afirmou ter tido as contas de sua gestão aprovada pelo Tribunal de Contas do DF.
Memória
Constante alvo de denúncias
Casa de Chá, na Esplanada, foi reinauguarada em agoso passado, quando a Brasiliatur já havia sido extinta
A ideia de criar uma agência fomentadora do turismo nunca foi criticada pelo setor tampouco pelos técnicos que passaram por lá. O desvirtuamento da função da Brasiliatur e o modo da gestão da estatal é que viraram alvo de questionamentos. Atrações da cidade e pesquisas para o fomento do turismo quase não receberam verba nos últimos anos. Os três centros de atendimento ao turismo de Brasília, por exemplo, estão abandonados. A Casa de Chá só foi reinaugurada em agosto passado, quando a Brasiliatur em tese não existia mais.
O primeiro presidente da estatal, César Gonçalves, deixou o cargo em 2008, depois que a Brasiliatur foi denunciada por irregularidades e gastos elevados com shows e eventos. O assunto é investigado em auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) e pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). A Brasiliatur repassou R$ 850 mil para uma empresa divulgar a capital durante o festival de música Rock in Rio II. Não houve licitação.
Por meio da agência, o GDF destinou em 2009 R$ 800 mil ao cantor baiano Edu Casanova, como patrocínio para que ele divulgasse em seu trio elétrico a propaganda do cinquentenário de Brasília. À época, o distrital Rôney Nemer estava à frente da agência. A empresa também era usada como meio de liberação de emendas de parlamentares, como o Congresso das Mulheres Virtuosas e da festa da Igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus, proposta pelo ex-deputado Júnior Brunelli.
A Brasiliatur ainda se tornou objeto de procedimento instaurado pelo Ministério Público do Trabalho devido a contratações sem concurso público, cujo salários podiam chegar a R$ 5,2 mil acima do padrão do Executivo. Os vencimentos na diretoria chegavam a R$ 18 mil, superior ao do governador (R$ 16 mil). Sob batuta de João Oliveira, a estatal passou por um pente-fino na planilha de gastos da festa dos 50 anos da capital. Houve indícios de que os valores orçados de infraestrutura e dos cachês de artistas estavam superestimados. Uma das cifras que chamou atenção foi os R$ 7 milhões previstos para o aluguel de banheiros químicos, tendas e montagem de palco. Ao fim do reexame da Corregedoria-Geral do DF no orçamento, o valor estimado baixou de R$ 20 milhões para metade.
Despesas em aberto
De acordo com o liquidante, Manoel Antunes, o cronograma do encerramento da estatal está em dia e que deverá findar a liquidação até 22 de dezembro. ;Nós nos deparamos com uma situação adversa. Muitos processos em aberto, com despesas ainda a serem liquidadas. Tenho que verificar a regularidade de contratação de todas as despesas;, disse. As prestações de contas dos convênios do 48;,49; e 50; aniversário de Brasília foram feitas pelos técnicos escalados por Antunes. ;O que encontramos aqui é um absurdo. Muitos processos não respeitavam o manual de gestão administrativa do DF;, criticou.
O encerramento da liquidação estava previsto para agosto, mas houve dois pedidos de dilatação do prazo: em 25 de agosto e em 27 de outubro. A Brasiliatur está funcionando em quatro salas no primeiro andar do Centro de Convenções. Divide espaço no pavimento com a Secretária de Turismo, que, pelo decreto de extinção da agência, deveria tomar conta do orçamento dela, em torno de R$ 130 milhões. Segundo Antunes, R$ 27 milhões foram repassados para a pasta. O restante foi contingenciado pelo governo ou está empenhado em projetos ;As despesas a cargo da Brasiliatur que estão em aberto estão totalmente coberto com o orçamento;, diz o liquidante. Hoje a agência tem R$ 3,5 milhões para liquidar despesas com publicidade e propaganda, R$ 1,5 milhão de despesas inscritas em resto a pagar não processado, e a verba de despesa de pessoal que está em torno de R$ 200 mil.