Jornal Correio Braziliense

Cidades

Projeto inédito aposta no potencial turístico da Vila Planalto

Entre os palácios do Planalto e da Alvorada, existe um lugar que ainda passa despercebido por boa parte dos moradores e, principalmente, visitantes da capital federal. As casas ; é bem verdade que restam poucas tradicionais ;, as ruelas históricas, a reerguida igreja de madeira e os restaurantes ao redor das praças da Vila Planalto nunca tinham sido explorados como atração turística. Um projeto inédito, iniciado em janeiro deste ano e divulgado agora com exclusividade pelo Correio, aliou gastronomia e cultura e começou a dar nova vida a um dos primeiros acampamentos de quem ajudou a construir Brasília.

Comida boa e ambiente agradável, a Vila Planalto tem de sobra para oferecer. Faltava convencer os empresários locais de que eles podiam mais. Consultores do Instituto Cultural e Educacional do Paraguaçú (Incep), entidade executora da iniciativa, ampliaram o horizonte dos donos de 28 restaurantes e lanchonetes do bairro. Com uma ajuda de R$ 700 mil da Secretaria de Turismo do Distrito Federal e do Ministério do Turismo, a Vila ganhou a chance de se consolidar como reduto gastronômico e ponto turístico da capital do país.

A pretensão do projeto, que a princípio será concluído em abril de 2011, é transformar a Vila Planalto em um lugar de referência histórica para Brasília, como a Vila Madalena e o Bixiga são para São Paulo e o Pelourinho, para Salvador. Os protagonistas da ideia sustentam que chegou a hora de colocar em prática um desejo antigo da comunidade: escancarar as portas da Vila, sem deixar de lado as características que a diferenciam do restante do Plano Piloto. Quem visita o bairro costuma perceber a mesma tranquilidade típica de cidades do interior.

Diagnóstico
O trabalho do Incep começou com um diagnóstico da área gastronômica, em que foram identificados, inicialmente, 30 restaurantes e lanchonetes. Ao longo do ano, dois fecharam as portas, reduzindo o número para 28. Há opções de comida mineira, goiana, nordestina, frutos do mar e churrascarias. Os preços são, em média, menores do que em outros pontos da capital. A maioria dos estabelecimentos pertence a moradores da Vila. São poucos os proprietários que não vivem ali, mas se atentaram ao potencial do lugar e resolveram explorá-lo.

Durante o almoço, trabalhadores da Esplanada dos Ministérios lotam os restaurantes da Vila. Servidores públicos e políticos compõem boa parte da clientela. O próprio presidente Lula, fazem questão de lembrar os comerciantes, não vai pessoalmente ao bairro, mas dificilmente passa uma sexta-feira sem mandar alguém buscar a buchada ; prato típico do Nordeste, feito com pedaços de rins, fígado e vísceras de bode ; da famosa tia Zélia, dona de um tradicional restaurante da Vila. À noite, quando nem todos os estabelecimentos abrem, quem garante o movimento são os moradores.

O charme da Vila Planalto é incontestável, defende a coordenadora do projeto, Adriana Girão. ;Isso aqui é diferente de tudo o que há em Brasília. Você pode almoçar embaixo de uma árvore e se sentir em casa;, comenta. ;O potencial existe, mas não havia uma visão empresarial em torno dos negócios. Ao longo do trabalho nos deparamos com práticas amadoras;, pondera David Jussier, vice-presidente do Incep ; instituto, com sede em Brasília, que coordena projetos na área do turismo em todo o Brasil. A maioria dos donos de restaurantes da Vila Planalto nem sequer se conhecia.

Mudanças
Além de integrar os empresários, os consultores deram palpites que atingiram desde a rotina na cozinha à fachada dos estabelecimentos. Os restaurantes mudaram de logomarca, ganharam novos cartões de visita e cardápios, capricharam na decoração, reforçaram o treinamento dos garçons e adotaram cuidados de higiene na preparação da comida até então desprezados. ;Foi um conjunto de ações que provocou uma verdadeira revolução na Vila Planalto. Mas temos consciência de que a mudança não se concretiza do dia para a noite;, diz Adriana.

Guias com mapa e todas as informações dos restaurantes, também elaborados pelo projeto, serão distribuídos no aeroporto e em pontos de atendimento ao turista. O site www.vilaplanalto.df.com.br deve ser lançado até dezembro. No ano que vem, o Incep buscará mais recursos para dar continuidade ao trabalho. Caso isso não ocorra, um grupo formado por 12 empresários está montado para não deixar a ideia morrer. ;Queremos potencializar a riqueza da Vila Planalto. Atrair turistas e movimentar a economia do bairro;, completa a coordenadora do projeto.

A pioneira Mea Silva de Araújo, 75 anos, está pronta para receber mais clientes em seu restaurante de nome sugestivo: Feitiço da Vila. Servidora pública aposentada, Mea chegou a Brasília em 1959, antes mesmo de a cidade ser inaugurada. Vinte anos depois, começou a vender pastel na Vila Planalto, onde mora desde 1962. Hoje, oferece no cardápio um bacalhau que arranca suspiros e elogios dos clientes. ;Vendo de 70 a 80 refeições por dia no almoço;, calcula ela, que percebeu o movimento aumentar depois que o projeto do Incep bateu à porta do estabelecimento.


Para saber mais

Símbolo de resistência

A Vila Planalto surgiu em 1958. O local era um dos vários acampamentos que abrigava os operários e engenheiros que ajudaram a construir a nova capital federal. É encarado como símbolo de resistência dos pioneiros. Ao longo dos anos, moradores mais antigos se esforçam para que as características do lugar não sejam perdidas. Em 1988, o governo local tombou a Vila como patrimônio do Distrito Federal, o que não impediu construções desordenadas. O bairro, onde vivem cerca de 7 mil pessoas, abriga mil lotes residenciais.


Arte no cardápio
[FOTO2]O projeto para transformar a Vila Planalto em ponto de visita obrigatório para turistas envolve arte e música. O Incep identificou 30 artesãos que vivem no bairro, além de dezenas de músicos. Desde janeiro, esses artistas começaram a usar os restaurantes do local para exporem seus talentos. Peças produzidas por artesãs estão sendo aproveitadas na decoração dos estabelecimentos, onde cantores agora soltam a voz, perto de casa.

Incentivada pelos consultores do projeto, Lena Vieira, 64 anos, abriu o ateliê que mantém em casa para o público. Passou a ter o trabalho mais conhecido e reconhecido por quem visita a Vila Planalto. ;Muita gente sai dos restaurantes e passa aqui. A maioria das pessoas nem sabia que existiam artistas na Vila;, conta a artesã, especializada em pinturas em porcelanas. ;Eu estava aqui no meu cantinho. Foi esse projeto que me descobriu;, acrescenta.

Eu acho...

;Venho almoçar na Vila Planalto pelo menos uma vez por semana. O ambiente é muito agradável, aqui persiste um clima interiorano. A comida é excelente, o atendimento é bom. Aposto no potencial turístico desse lugar, até porque a localização é muito privilegiada.;

Ronaldo Mota,
55 anos, secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e
Inovação do Ministério da
Ciência e Tecnologia