Jornal Correio Braziliense

Cidades

Levantamento indica que a situação no Hras é 'preocupante'

Um laudo do Núcleo de Controle de Infecção Hospitalar, formado por médicos e enfermeiros do Hospital Regional da Asa Sul (Hras), confirma a gravidade da situação no centro de saúde, referência da rede pública para atendimento pediátrico e obstétrico no Distrito Federal. O documento, ao qual o Correio teve acesso, chegou ontem às mãos do diretor da unidade, Alberto Henrique Barbosa. Nele, os profissionais dizem que o aumento da taxa de mortalidade na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal é motivo de ;grande preocupação; e sustentam que ;irregularidades; contribuíram para a propagação de bactérias.

Os dados divulgados até agora pelo hospital indicam que 11 recém-nascidos morreram nos últimos 40 dias vítimas de infecção. Se levada em conta a estatística acumulada desde agosto, o número sobe para 16. De acordo com Barbosa, seis bebês estão internados isoladamente, contaminados por bactérias. Na última sexta-feira, dois prematuros perderam a vida, mas, segundo o diretor da unidade, não é possível associar as mortes às infecções.

Por ordem da Vigilância Sanitária do DF, a UTI neonatal do Hras está autorizada a receber somente pacientes em ;estado gravíssimo;. A determinação não tem prazo de validade. Na quarta-feira passada, o local chegou a ser interditado, sem a necessidade de retirar os bebês que estavam internados. Agentes da vigilância entenderam que havia grande risco de novas contaminações. Na quinta-feira, o atendimento de recém-nascidos com risco de morrer foi liberado. Seis cartazes, todos com o mesmo teor, informam a restrição aos pacientes que chegam ao setor obstétrico do Hras.

O documento elaborado pelo Núcleo de Controle de Infecção Hospitalar reforça a necessidade de evitar ao máximo novas internações na UTI neonatal. O laudo enumera os principais pontos, que, na avaliação da equipe médica, podem ter contribuído para as mortes (veja quadro). Entre eles estão a superlotação do espaço, o deficit de funcionários e a falta de material e de higienização básica. Pelo menos três tipos de bactérias contribuíram para a morte dos bebês nos últimos meses: Estafilococos, Serratia e Klebsiella ; o mesmo tipo da bactéria Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC).

Em falta
O desabastecimento do Hras contribui para as contaminações. Faltam na unidade insumos como catéteres, sondas e mesmo álcool e esparadrapos. A expectativa é que, nesta semana, os estoques do hospital estejam repostos e a situação comece a voltar ao normal. Até a próxima sexta, o responsável pela unidade espera receber uma nova visita da Vigilância Sanitária e, se for o caso, retomar o atendimento sem restrições, respeitando o limite de leitos: 30.

Em média, são realizados 20 partos por dia no Hras. Na sexta, foram apenas cinco e, ontem, dois. As mães dos prematuros internados são de cidades como Gama, Samambaia, além de municípios do Entorno e até da Bahia. A direção do hospital promete ser mais firme no respeito à capacidade da unidade. O excesso de pacientes e a sobrecarga de trabalho, comentou Barbosa, fazem com que os funcionários muitas vezes apresentem atestados médicos e faltem ao serviço.

Sem saber da gravidade da situação, Alexandra de Oliveira Soares, 29 anos, na 40; semana da quarta gravidez, foi ontem ao Hras na pretensão de ficar para dar à luz. ;Pediram para eu procurar outro hospital;, contou. ;Minha cunhada falou dessas bactérias. Mas eu resolvi tentar;, completou. A mãe de Alexandra, Cirlene de Oliveira, 52, estava preocupada. ;A gente fica com medo, mas o jeito é colocar na mão de Deus;, comentou. As duas seguiram para o Hospital Universitário de Brasília .

Entre as 11 mortes registradas desde o início de outubro estão as trigêmeas da estudante Adrielly de Jesus Santos, 18 anos. Ela deu à luz em 3 de outubro e o primeiro bebê morreu no dia 21 do mesmo mês, pesando 1.130 gramas. A segunda morte ocorreu em 6 de novembro e a última, dois dias depois. O Hras confirmou que as três recém-nascidas estavam infectadas.

O diretor do Hras reconhece que um conjunto de falhas resultou nas mortes por infecção. Ele diz que há um sentimento de tristeza entre a equipe porque ;talvez, a situação pudesse ser diferente se mais cuidados tivessem sido tomados;. No entanto, ele faz questão de deixar claro os riscos em uma UTI. ;Estamos muito mal, mas temos que ter o pé no chão. O lugar onde se tem infecção, onde os bebês morrem, é na UTI mesmo. Em todas as UTIs há morte por infecção. Sei que não dá para falar que é normal, mas não é uma coisa estranha;, afirmou.

Eu acho...

;Fico bastante preocupada com essas infecções. Mesmo quem não precisa da UTI neonatal fica com medo. Meu filho de 8 anos pegou uma bactéria aqui no Hras em março. Quem disse isso foram os médicos do posto de saúde lá perto de casa. Meu caçula nasceu aqui, há dois meses. Ontem (sexta) ele teve uma gripe e, como é fim de semana, tive que vim para cá, mesmo com as notícias sobre as bactérias. A gente fica com o coração apertado, mas a necessidade é maior do que o medo.;

Márcia Glauciene,
33 anos, estudante, moradora do Núcleo Bandeirante


Relatório

O Núcleo de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Regional da Asa Sul identificou uma série de irregularidades na unidade médica. O Correio teve acesso ao relatório técnico. Confira quais os problemas encontrados no Hras, que contribuíram para o
surto de infecção:

  • Manipulação inadequada de soluções
  • Quebra de protocolos técnicos
  • Falta de material, como produtos de esterilização
  • Baixa adesão de funcionários à higienização correta das mãos
  • Prescrição excessiva de antibióticos
  • Improviso no uso de dispositivos invasivos, como catéteres
  • Deficit de médicos, enfermeiros e técnicos
  • Falta de soluções antissépticas para realização de procedimentos
  • Superlotação da unidade