Dois dias após a Operação Hai-Dao da Polícia Civil, que culminou na detenção de 30 chineses e na apreensão de 40 mil produtos piratas, os asiáticos que tiveram as bancas lacradas recuaram. Diferentemente de quinta-feira, quando vários foram à Feira dos Importados na tentativa de reabrir as portas, ontem eles decidiram cumprir a determinação da fiscalização de manter as lojas fechadas. Para garantir a interdição dos 24 pontos, 25 agentes da Secretaria de Estado da Ordem Pública e Social (Seops) estiveram no local, acompanhados de nove policiais militares. Fiscais também circularam à paisana pelo mercado popular durante todo o dia, com o intuito de identificar a venda de produtos falsificados pelos estrangeiros investigados, mas não flagraram nenhum crime.
A fiscalização continua neste fim de semana, quando a feira deverá receber 30 mil pessoas por dia, como de costume. Os expositores brasileiros, em especial os que vendem somente produtos legais, comemoram a investida dos policiais e dos fiscais. Eles reclamam da concorrência desleal dos piratas, que vendem mercadorias bem mais baratas por serem falsificadas e não pagarem imposto. Das 2.085 bancas da Feira dos Importados, 141 estão em nome de estrangeiros, sendo 16 árabes e 125 chineses. No entanto, a quantidade de pontos com asiáticos, turcos e libaneses é muito maior, pois eles também alugam unidades e usam brasileiros como laranjas.
A concorrência da máfia chinesa tem prejudicado centenas de feirantes em situação regular. A reportagem do Correio foi ontem ao local e constatou a insatisfação dos comerciantes com a venda de produtos piratas, entre eles eletroeletrônicos, bolsas, CDs, DVDs e artigos de viagem. Muitos se renderam e alugaram ou venderam sua banca para os estrangeiros. A prática alterou por completo o cenário da Feira dos Importados, criada em 1997 para abrigar vendedores ambulantes de baixa renda que vendiam seus produtos no Plano Piloto.
Planos frustrados
Cláudio Barbosa é dono de uma loja de artigos de viagem na feira há 12 anos. O homem, de 33 anos, diz ser difícil manter o empreendimento devido à quantidade de estrangeiros que compram e revendem uma mercadoria de qualidade inferior, mas pela metade do preço. ;Tudo que entra na minha loja tem nota fiscal. Tento vender uma bolsa por um preço justo, mas o produto pirata sai bem mais em conta para o comprador. Se eu vendo por R$100, o falsificado sai por R$40. Como concorrer dessa forma?;, indaga. Cláudio começou a vida como vendedor de caldo de cana, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha, até conseguir multiplicar os ganhos e abrir uma empresa.
Também foi com muito custo que a vendedora de canetas Francisca Ferreira de Mesquita, 53 anos, conseguiu montar seu negócio. Ela é uma das feirantes mais antigas e, com o dinheiro arrecadado, paga aluguel de apartamento e da banca, além das despesas com alimentação, água e energia elétrica. ;Não acho certo a gente se sacrificar para trabalhar e ter o pão de cada dia e outros tirarem o ponto de um trabalhador para enriquecer e, ainda por cima, com coisa errada;, reclama.
Mesmo diante das dificuldades, ter uma banca na Feira dos Importados é o sonho de muita gente, mas para isso é preciso desembolsar valores acima de R$ 200 mil, dependendo do tamanho de cada ponto. Para alugar, o valor mensal sai entre R$ 1,5 mil e R$ 7 mil. Nos últimos 12 anos, vários lojistas não conseguiram se manter e tiveram que abandonar o negócio, mas à medida que o tempo passa, mais se percebe a instalação nada sutil de japoneses, chineses e árabes pelo espaço (veja Entenda o caso).
Mãos atadas
A liderança dos feirantes alega não ter o que fazer diante da máfia chinesa e dos libaneses. Os criminosos agem de maneira organizada e sem deixar rastros. Segundo o presidente da Cooperativa dos Feirantes da Feria dos Importados (Cooperfim), Absalão Ferreira Calado, a saída para combater a máfia está na integração entre o governo, a Receita Federal, a associação e a fiscalização. ;Sem essa parceria, não podemos fazer muita coisa;, pondera. A Cooperfim tem a relação dos permissionários de banca no sistema, mas não sabe precisar quem são os verdadeiros proprietários, uma vez que esses podem ter vendido a banca e não ter alterado a documentação.
Os chineses começaram a entrar na feira em 2002, conforme cadastro da associação dos feirantes. Mas embora a quantidade de asiáticos esteja aumentando a cada ano, não há um registro fiel de quantos atuam no local. A desconfiança da polícia é de que brasileiros são usados como laranjas pela máfia para despistar os investigadores e a Receita Federal. Em uma tentativa de minimizar essa situação, um novo cadastro começa a ser feito pela Cooperfim, mas, por outro lado, a Constituição Brasileira não obriga ninguém a cooperar. ;Com esses dados, nós poderíamos ajudar a polícia a combater a máfia aqui dentro;, destaca Absalão.
Entenda o caso
Na Operação Hai-Dao, de combate à pirataria na Feira dos Importados, os investigadores da Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deco) descobriram a relação dos mafiosos chineses que atuam em São Paulo com os compatriotas donos de bancas no DF. Dois asiáticos com ligação aos grupos da capital paulista acabaram presos na última quarta-feira.
Eles estão entre os 30 detidos que prestaram depoimento na delegacia. A dupla ainda é suspeita de organizar as viagens e a distribuição das mercadorias piratas, trazidas da China em navios. Em uma análise preliminar, a polícia descobriu a existência de empresas de importação e exportação no nome deles.