O inferno astral do ex-procurador-geral de Justiça do Distrito Federal Leonardo Bandarra e da promotora Deborah Guerner ficou pior na véspera do aniversário de um ano da Operação Caixa de Pandora. No fim da tarde de ontem, o procurador regional da República Ronaldo Albo protocolou no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1; Região denúncia contra os dois integrantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por envolvimento em corrupção. Eles são citados como parte do esquema denunciado pelo ex-secretário de Relações Institucionais do DF Durval Barbosa nas investigações da operação que completa um ano no próximo dia 27.
O processo permanecerá sob a relatoria do desembargador federal Antônio de Souza Prudente, que autorizou em junho busca e apreensão na casa de Deborah Guerner, no Lago Sul. Na ocasião, o Ministério Público Federal conseguiu evidências que fortalecem a suspeita de existência de parceria entre a promotora e Bandarra para usar os respectivos cargos em troca de vantagens financeiras. Durante a busca, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público recolheram gravações feitas pela própria Deborah, com câmeras externas e internas instaladas na casa da promotora, documentos e dinheiro escondidos num bunker no jardim. Numa das imagens, Bandarra chega de moto, entra e sai de capacete na residência da colega de trabalho. Todos os dados são mantidos sob sigilo.
Esta não deverá ser a única denúncia a ser protocolada contra o ex-chefe do Ministério Público do DF. É possível que o procurador Ronaldo Albo, num trabalho em parceria com o também procurador regional da República Alexandre Espinosa, ajuíze outras ações penais. Procurado ontem pelo Correio, Leonardo Bandarra disse que não poderia falar sobre o assunto porque não foi citado e não conhece o teor da denúncia. Em todas as instâncias em que se defende, o ex-procurador-geral de Justiça ; que agora atua numa das promotorias criminais ; sustenta ser vítima de uma armação de Durval Barbosa, em decorrência das ações ajuizadas contra ele pelo Ministério Público do DF.
Durval afirma que Bandarra se beneficiou do cargo para favorecer empresas de coleta de lixo durante a gestão de José Roberto Arruda. O ex-governador do DEM, em depoimento, contou ter conhecimento de que o esquema começou ainda na gestão de Joaquim Roriz (PSC). As acusações são investigadas também no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), onde tramita processo administrativo disciplinar contra os dois promotores, investigação que pode resultar na aposentadoria compulsória, caso se chegue à conclusão de que eles cometeram desvio de conduta. Em depoimento prestado a Ronaldo Albo, Arruda afirmou ser vítima de extorsão por parte de Deborah Guerner. Segundo ele, a promotora pediu dinheiro para não divulgar o vídeo em que o então governador aparece recebendo dinheiro das mãos de Durval.
Na manhã de ontem, Arruda, uma das principais testemunhas do caso, ficou cara a cara com seu algoz, Durval Barbosa, denunciante do esquema de corrupção revelado na Operação Caixa de Pandora. O CNMP intimou os dois a participarem de acareação para confirmar informações sob investigação no processo administrativo disciplinar. Arruda também esteve de frente com o jornalista Edson Sombra, pivô de sua prisão em fevereiro, por conta de uma suposta proposta oferecida a ele para que alterasse provas do Inquérito n; 650, em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre denúncias de pagamento de mesada a deputados distritais e secretários de governo.
Durval e Sombra confirmaram à comissão de promotores responsável pelo processo administrativo todas as denúncias feitas em depoimentos anteriores. A diferença é que, desta vez, eles estavam na frente de Arruda. Sombra voltou a dizer que ouviu do ex-governador, na biblioteca da Residência Oficial de Águas Claras, que ele pagava mesada de R$ 150 mil a Bandarra em troca de interferência em investigações e vazamento de informações sobre o trabalho de promotores de Justiça. O clima foi de constrangimento. Arruda não trocou nenhuma palavra com os inimigos, mas olhou fixamente para eles. Depois de sair do CNMP, o ex-governador embarcou num voo da Delta Airlines com a mulher, Flávia, e a filha caçula, Maria Luísa, para Nova York.
Roriz falta
Roriz também foi intimado a prestar depoimento no CNMP, mas não apareceu. O advogado dele, José Milton Ferreira, esteve no conselho e justificou a ausência. ;Ele não está na cidade. Mas assim que retornar, estará à disposição para prestar depoimento como testemunha;, disse Ferreira.
O policial Dante Maciel, aliado de Durval, também foi chamado ao CNMP ontem. Ele voltou a dizer que esteve numa reunião em que Arruda falou ao advogado Aristides Junqueira, ex-procurador-geral da República, que pagava mesada a Bandarra. Na tarde de ontem, dois promotores do MPDFT também prestaram depoimento, Jairo Bisol, oposição a Bandarra, e Mauro Faria de Lima, responsável pela denúncia sobre superfaturamento na manutenção de carros da Polícia Militar, em maio do ano passado, que levou ao afastamento do então comandante da corporação, coronel Antônio Cerqueira. ;Os promotores investigados (Bandarra e Deborah) tentaram interferir nesse processo, em favor do governo Arruda, que não queria a divulgação das irregularidades. Reafirmei isso no meu depoimento;, informou Lima.
Entenda o caso
Os promotores de Justiça Leonardo Bandarra e Deborah Guerner são alvos de dois procedimentos, um na esfera criminal e outra na área administrativa. Na Procuradoria Regional da República da 1; Região, tramita o inquérito que apura prática de corrupção passiva e de vazamento de informações. O caso está sob a responsabilidade do procurador regional da República Ronaldo Albo que apresenta as ações contra os dois na Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1; Região, foro para processos penais contra promotores de Justiça. Caso sejam condenados, podem pegar penas de detenção.
No Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), uma comissão de promotores é encarregada de processo administrativo disciplinar contra os dois. Nesse caso, está em jogo a conduta funcional dos promotores, ou seja, a atuação no exercício da função. Se os conselheiros do CNMP entenderem que eles descumpriram deveres ou extrapolaram suas atribuições, haverá a aplicação de uma pena de aposentadoria compulsória. Em caso de condenação na esfera criminal, Bandarra e Deborah Guerner poderão perder os cargos.