No ano de comemoração do cinquentenário de Brasília, uma pequena cidade chega discretamente aos 54 anos de idade. Embora a data oficial de sua fundação seja 3 de novembro, hoje, às 9h, os moradores de Candangolândia reúnem-se para comemorar os anos vividos pela comunidade. Após o desfile cívico-militar na Praça dos Estados, um bolo de chocolate de 54 metros será cortado pelos servidores da administração e dividido entre a comunidade no Ginásio de Esportes.
Com clima de cidade do interior, a terra dos candangos é formada por ruas estreitas, praças, áreas verdes e sobrados. Tombada quase que completamente pelo Patrimônio Histórico e Cultural local, Candangolândia sofre com a valorização dos imóveis em uma área que não permite construções acima de dois andares, e ouve reclamações de residentes que clamam pela calma típica de pequena cidade, mas também reivindicam transporte público eficiente nas ruelas que não têm espaço para abrigar nem mesmo os carros dos moradores. À noite, filhos e netos de pioneiros que habitam a cidadezinha podem ser encontrados conversando às portas das casas e na Praça do Bosque, ponto de encontro local com quadra de esportes, churrasqueira, pista de skate e parque infantil. ;Todos se conhecem na cidade, é como um grande condomínio. As pessoas se orgulham de morar numa cidade pequena, onde foi mantida a qualidade de vida;, garante o administrador da Candangolândia, José Carlos Casado.
Ele admite que o clima interiorano não oferece muito lazer aos moradores, mas frisa que a proximidade do Plano Piloto e de Taguatinga costuma resolver a carência de diversão. Mas quem não quiser sair da calmaria pode aproveitar as comemorações de aniversário local. A festa começou na quarta-feira, com a alvorada festiva e 15 minutos de fogos de artifício após a missa comemorativa. Hoje haverá desfile cívico-militar e o corte do bolo, que dá início à série de eventos marcando o mês festivo. ;É como se fosse aniversário de todos os moradores;, compara Casado. Candangolândia ainda terá campeonatos de judô e jiu-jitsu, torneio de futebol e a Candanga Fest, série de shows de artistas locais e nacionais. Os moradores vão fechar o mês com a ação comunitária do dia 27, com apresentações e brincadeiras para as crianças no Salão Comunitário.
A festa também conta com participantes tradicionais. Carlos Paulista, 76 anos, mecânico aposentado, é um dos pioneiros que vão desfilar hoje na Praça dos Estados. Mais conhecido como Seu Paulista, ele é o coordenador do desfile e guardião das bandeiras que representam os estados de origem dos candangos que formaram a cidade há mais de meio século e vai abrir o desfile portando a Bandeira Nacional. As bandeiras, compradas com o dinheiro arrecadado na comunidade, ficam o ano todo guardadas na casa de Seu Paulista, na Quadra 7. ;Tenho uma relação de amor profundo com essa cidade, e muito me orgulho de ter ajudado Juscelino Kubitschek a construir Brasília;, emociona-se.
Denominações
Candangolândia, também conhecida como cidade-mãe, começou como a sede da Novacap nos tempos de construção da capital federal e ganhou diversos nomes ao longo das últimas décadas. Há apenas seis anos, o local ; que abriga cerca de 19 mil moradores em uma área de 1km quadrado ; recebeu o título de Região Administrativa, mas o berço dos pioneiros que construíram os grandiosos prédios do Planalto Central começou sua história há muito mais tempo.
Na área mais antiga da cidade, vive Maria da Conceição Costa, a Dona Lia. Mãe de cinco filhas, a pioneira completa 90 anos no próximo aniversário de Brasília, mas, como boa mineira, gosta de destacar que a festa é no Dia de Tiradentes. Dona Lia veio acompanhando o marido quando ele foi trabalhar na Novacap como fiscal de obras, dois anos antes da inaguração da capital. ;Todo mundo falava mal de Brasília, diziam até que tinha índio que comia gente. Mas eu achei o lugar ótimo, cheio de famílias e de oportunidades novas;, conta.
Nos últimos anos, Dona Lia viu muitas mudanças na cidade, a começar pelo nome ; a dona de casa ainda prefere se referir à região como ela era conhecida quando a Novacap se mudou para o Plano Piloto, há quase 50 anos: Velhacap. ;Aqui não tinha nada, era só acampamento;, testemunha. A pioneira conta que até mesmo pão tinha de ser comprado no Núcleo Bandeirante. ;Acostumei a comprar pão de quatro dias, até que comecei a fazer pão em casa. Depois, um padeiro começou a trazer em casa.; Sobre as mudanças da cidade, a mineira lamenta o crescimento da violência local, mas não sabe explicar no que a Candangolândia se transformou em 54 anos. ;Era muito movimentado por aqui, agora é muito quieto. Mas não sei se foi a cidade que mudou ou se fui eu que fiquei muito parada;, brinca.
A filha de Dona Lia destaca que os moradores de hoje reclamam da vida social da cidade, mas que antigamente os jovens faziam de tudo para agitar o novo cenário cultural de Brasília. Desde peças de teatro a sessões de cinema improvisadas, tudo era feito para movimentar as noites da antiga Velhacap. Antes de ajudar na criação da escola de música, Celia Maria Costa, 71 anos, funcionária pública aposentada, moradora de Carmo da Cachoeira (MG), escapava para locais do então recém-construído Plano Piloto, como o auditório da Escola Parque 308 Sul, ou frequentava o antigo Clube Paranoá da pequena cidade. ;Queríamos que Brasília fosse a nova locomotiva que puxaria o Brasil, e não São Paulo. Tínhamos um grande entusiasmo;, recorda. Celia Maria ainda conta que, até a fundação da capital, a juventude local visitava com frequência o Núcleo Bandeirante, lar das grandes lojas, dos cinemas, das boates, dos clubes e dos restaurantes. ;Tínhamos aquele fervor, aquele encantamento.;