As mãos calejadas de Manuel Pires seguravam o violão com delicadeza. Quando a tarde caía, ele trocava a enxada pelo instrumento musical. A casa simples, em Anápolis (GO), ficava tomada pelo som do sertanejo de raiz. O violão parecia chorar. Os filhos de seu Manuel, Wallace e Marcos, ainda muito pequenos, escutavam a cantoria. Sentiam-se distantes dali. Imaginavam-se ganhando os palcos mundo afora. Uma multidão clamaria por eles.
Quando o pai parava de tocar, a realidade batia à porta. Seu Manuel tinha de trabalhar. Fez de tudo nessa vida. Foi taxista, pedreiro, catador de material reciclável, entregador de jornal. Seus meninos, porém, tiveram uma sorte diferente. A inspiração do pai conduziu-os a novos caminhos. Atualmente, Marcos e Wallace são mais conhecidos como Brunno e Matheus, respectivamente. O nome, "cheio de frescura", como eles mesmos dizem, é considerado pelos dois mais sonoro que o original.
Os irmãos formam uma das duplas sertanejas mais promissoras da capital do país. Hoje, Brunno, 23 anos, e Matheus, 24, comemoram 18 anos de carreira, com uma festa no Barril 66, em Águas Claras. O repertório, claro, é sertanejo, mas inclui do chamado de raiz ao universitário. Até chegarem a tamanho sucesso é uma longa história. É preciso voltar a Anápolis para entender como dois rapazes tão jovens já celebram tantos anos de estrada.
Tudo começou em uma rodoviária de Goiás. Matheus, que na verdade é Wallace, tinha 6 anos. Viu um homem tocando violão e aproximou-se. Pediu para cantar uma música. Entoou os versos de Entre tapas e beijos, de Zezé Di Camargo de Luciano. Não demorou e dezenas de pessoas se juntaram para ouvir. Matheus chamou o irmão de 5 anos para fazer a segunda voz. O povo gostou. Nesse momento, o pai percebeu que deveria investir no talento dos filhos.
Inspiração
Certo dia, seu Manuel encontrou a carcaça de um violão no lixo. Como não tinha dinheiro para comprar cordas novas, improvisou. Usou linha de pesca para reformar o instrumento. "Foi com esse violão que meu pai me ensinou os primeiros acordes", lembrou Matheus. Curioso, o menino passou a treinar sozinho. Em pouco tempo, já dominava a técnica. Ganhou, então, um violão alaranjado, usado, mas em melhores condições.
Nos fins de tarde, o pai acompanhava os meninos aos bares da cidade. Os dois cantavam duas ou três músicas. Quando a plateia pedia mais, eles passavam o chapéu e solicitavam uma colaboração. "Tinha gente que colocava chiclete mastigado, bituca de cigarro. Mas vinham também umas moedas. A gente começou a levar a sério, a querer viver disso", afirmou Brunno.
Os dois sonhavam mais alto quando viam as duplas famosas na televisão. Gostavam especialmente de Chitãozinho e Xororó, que ouviam no programa Amigos, transmitido à época. Juntaram dinheiro e viajaram duas vezes para acompanhar o show dos ídolos. Na segunda oportunidade, conseguiram entrar no camarim, graças a um segurança bondoso. Ainda eram crianças. Pediram para cantar uma música ao lado dos famosos. Conseguiram.
Dias depois, subiram ao palco em uma grande festa de peão, com 90 mil pessoas na plateia. Ensaiaram 30 músicas. Cantaram só uma, Página de amigos. "Foi uma emoção sem tamanho quando eles (Chitãozinho e Xororó) disseram: ;Não acreditamos que nenhum empresário se interessou por vocês;", relatou Brunno. Meses depois, os meninos estavam em São Paulo, com o pai, a convite dos ídolos. Após disputar com outras duplas, gravaram um CD idealizado por Chitãozinho e Xororó, ao lado de nomes mais conhecidos.
O disco deu projeção aos garotos, que, àquela altura, estavam na faixa dos 13 anos. Nessa época, eles ainda não eram Brunno e Matheus. Começaram como Pingo e Pinguinho e foram Vítor e Marcos antes de chegar ao nome artístico atual. Em 2007, depois de cantar muitas vezes em shows da dupla que os apadrinhou e em grandes festas de peão, os meninos voltaram a Anápolis. Agradeciam o apoio, mas queriam construir uma carreira própria.
Gravaram mais um CD e conheceram o gosto do sucesso. "Ficamos seis semanas em primeiro lugar em uma rádio on-line dos Estados Unidos. Nossa música tocou no México. Soubemos disso tudo pela internet. Demos até entrevista via Skype (programa de computador que permite conversar como se a pessoa estivesse ao telefone)", conta Brunno. "Recebemos 480 e-mails em menos de 24 horas", complementa Matheus.
Há dois anos, a dupla se estabeleceu em Brasília. Um grupo de empresários passou a investir na carreira deles. Compraram ônibus, lançaram CD novo, chamado No stress. Cantaram em grandes eventos sertanejos, como a Festa do Peão de Barretos (SP), mais de uma vez; o Caldas Country, em Caldas Novas; e foram a dupla oficial da Fórmula Truck, apresentando-se em 16 estados. Mas é em Brasília que veem solo fértil para o sucesso. "Aqui é um polo de música sertaneja, mais até que em Goiás e talvez até que São Paulo. Isso atrai muitas bandas", acredita Brunno.
O segredo para destacar-se entre tantas opções é investir no repertório, eles dizem. Para isso, Matheus aprendeu a tocar guitarra. Mostra sua veia eclética nos shows. "Nosso estilo é sertanejo. Mas gosto de tocar Guns;N;Roses, Beatles, Rod Stewart, Eagles. A gente muda sempre o repertório. Isso é o legal. Um fã nunca vai ver o mesmo show", explica Matheus.
A torcida só cresce. Atualmente, os sertanejos têm fã-clubes em Samambaia, Valparaíso e em algumas cidades de Sergipe, onde fizeram shows. São mais de 10 mil meninas enlouquecidas pela voz firme e pelos olhos verdes brilhantes dos rapazes. Mandam cartas quilométricas rabiscadas de "eu te amo". Brunno e Matheus têm mais de 70 músicas de autoria própria. Algumas são tocadas nas rádios, como Anjo e Um dia você vai querer voltar.
Hoje, eles sobem ao palco com status de estrela principal da noite. "Para quem já passou fome, qualquer migalha é valiosa. Somos muito gratos por tudo que tem acontecido. Vimos muitos amigos desistirem. A música é assim: ou você enfrenta com toda a força de vontade ou desiste", ensina Brunno. De longe, em Campinas (SP), seu Manuel estará orgulhoso.
NÃO PERCA
Esquenta do Caldas Country e 18 anos da dupla Brunno e Matheus
Hoje, a partir das 23h.
Local: Barril 66, ADE, Conjunto 12, Lote 46, Águas Claras.
Horário: 23h.
Classificação etária: 18 anos.