Enquanto moradores lutam para criar e conservar seus parques no Distrito Federal, o governo local parece simplesmente ter abandonado alguns desses espaços. No Altiplano Leste, área do Paranoá, o Parque das Esculturas, criado por decreto em 2007 (veja O que diz a lei), vem, desde então, sendo alvo de ações de grileiros. Denúncias de moradores próximos não surtem efeito. De sexta-feira para sábado, em plena madrugada, com o uso de holofotes, os invasores ergueram residências no local. Duas casas foram construídas, uma delas no lugar onde seria colocada uma escultura de Lucio Costa. O Correio Braziliense esteve no local, tentou falar com os responsáveis, mas não foi recebido.
As obras tiveram início logo após a veiculação de uma matéria de denúncia de ocupação da área. O suposto condomínio já tem até portaria. Chamado de Privê Morada Sul, o lugar também conta com barracos de madeira que servem de abrigo para seguranças. De acordo com moradores da região, diversas vezes os ocupantes avançaram as cercas indiferentes a protestos ou denúncias ao governo. Quando alguém resolvia fotografar a ação, era intimidado com diversas perguntas.
Abordado pela reportagem, um homem que estava em frente a uma das casas disse nunca ter ouvido falar em parque. Ele se identificou apenas como Jorge. Questionado sobre a invasão, ele garantiu que o condomínio é legal e afirmou não ser responsável pela casa, que ele estaria apenas ;visitando;. Ainda assim, assumiu ser dono de um terreno no parque. ;Há 10 anos que tentamos construir aqui. As pessoas pagam impostos, tem plantas prontas. Queremos fazer na legalidade, mas o governo não deixa. Temos que tomar posse do terreno;, disse.
O arquiteto Antônio Eustáquio Santos, que projetou o parque, acusa os ocupantes de ;especulação imobiliária criminosa;. Ele contou que a comunidade já procurou o Ministério Público, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), a Terracap, a Agência de Fiscalização do DF (Agefis), a Delegacia do Meio Ambiente e a delegacia do Paranoá, mas nada parece surtir efeito. ;As denúncias da ocupação e das obras irregulares ocorrem desde abril. O parque trará educação, arte e ecologia. Por isso eles combatem essa ideia;, acusou.
Para Eustáquio, o Parque das Esculturas deverá ser ponto de encontro da população e só não vai sair do papel se as autoridades do GDF forem coniventes com a invasão. ;A Agefis, que deveria fiscalizar e assegurar as áreas, tem demonstrado uma falta de interesse em resguardar o patrimônio de uma maneira muito estranha para mim. O interesse deles (dos invasores) é tomar posse de uma área a que eles não têm direito;, protestou.
Jorge Dias, diretor administrativo e financeiro da Associação dos Produtores Rurais do Altiplano Leste de Brasília (Apralb), é da mesma opinião de Eustáquio. Ele ressalta que é desejo da comunidade a implantação do parque. ;O condomínio está se apossando do triângulo destacado pelo parque. A cada dia eles avançam mais na área da estrada do Altiplano. É uma usurpação de divisa. Isso é crime. A associação dos produtores rurais já acionou o MP e a Agefis, que não fizeram nada;, lamentou.
A artista plástica Virgínia Portugal, 56 anos, e a escultora Mara Nunes, 49, reclamam da atitude dos grileiros. Virgínia foi intimidada quando fotografou o local. ; Eu fui fotografar o avanço da cerca e me pararam para saber quem eu era e por que estava fotografando. Se o condomínio é regular, porque trabalham na calada da noite e no fim de semana?;, questionou Virgínia. ;A Fundação Lucio Costa até doou uma escultura de Lucio para colocarmos lá. Se o idealizador da cidade não tem prioridade, quem vai ter?;, reclamou Mara.
Testemunha do momento em que as casas foram construídas, o designer gráfico Bruno Imbroisi, 34, morador do Altiplano, relatou para a reportagem o momento da ação. Ele disse que, por volta das 17h, não havia sequer um trabalhador no local. Porém, às 22h30, a obra já estava avançada. ;No dia seguinte, às 14h30, a casa já tinha janelas de ferro, telhas de amianto e muro. A impressão que eu tenho é de que uma obra dessa é coisa de grileiro. É uma área que é do parque por decreto, é pública e pertence à Terracap. Eu já fiz inúmeras queixas ao Sivsolo;, contou.
O que diz a Lei
O Decreto n; 28.516, de 07 de dezembro de 2007, criou o Parque de Uso Múltiplo das Esculturas, situado no Paranoá. Assinado pelo então governador José Roberto Arruda, o texto determina a área total do parque em 61.004,00m;, com perímetro de 1.437,71m. A norma afirma que a implantação é responsabilidade da Terracap. Além disso, dá as coordenadas do lugar e explica as finalidades do parque, que, segundo o texto, será coordenado pelo Ibram, pela Administração Regional de Paranoá e pela Secretaria de Estado de Cultura do DF. Entre os objetivos, estão a promoção e a recuperação de áreas degradadas e plantio de espécies nativas do cerrado, o desenvolvimento da educação ambiental e da educação artística e o desenvolvimento de programas de observação ecológica e de pesquisas.