Jornal Correio Braziliense

Cidades

1,7 mil laudos emitidos no HBDF não foram entregues aos pacientes

Pacientes com suspeita de câncer fazem biópsia e citologia no Hospital de Base, mas não recebem resultado dos exames por falta de funcionários para digitar o laudo

A falta de técnicos administrativos para digitar exames de citologia e biópsia no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) compromete o tratamento de milhares de pacientes com suspeita de câncer. Números obtidos pelo Correio Braziliense mostram que 1,7 mil laudos emitidos por médicos patologistas da maior unidade de saúde do DF ainda não foram entregues aos pacientes simplesmente porque não há servidores para digitar o documento no computador. Atualmente, apenas dois funcionários são responsáveis por esse trabalho na seção de anatomia do hospital. Com a pilha de exames parada, alguns pacientes esperam até seis meses pelo resultado, tempo que pode ser fatal.

Há dois meses, Jacinto Santana está com suspeita de câncer de próstata. Fez a biópsia, mas há 63 dias espera o laudo: "Já vim aqui dez vezes". O chefe do serviço de oncologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Murilo Buso, ressalta que o atraso no início de um tratamento para eliminar um câncer pode ser determinante para salvar a vida de um paciente. Ele explicou que, em muitos casos, mesmo que haja a suspeita da doença, o médico não pode iniciar o tratamento. %u201CA ausência do laudo do patologista impede que o profissional confirme o diagnóstico. Quando há atraso, pode implicar na progressão da doença e isso não deixa de ser preocupante. Por exemplo: se houver atraso de uma semana no diagnóstico de um linfoma de alto grau pode não influenciar tanto no prognóstico, mas quando passa de um mês, o tratamento pode ser mais difícil", explicou o especialista.

O aposentado Jacinto Pereira Santana, 60 anos, há dois meses sofre com a incerteza. Depois de uma consulta ao proctologista, surgiu a suspeita de um câncer na próstata. O médico pediu um exame de biópsia para confirmar o tumor e instruir Jacinto sobre o que fazer. Porém, depois de 63 dias, ele ainda não recebeu o laudo. "Eles falam que o médico já emitiu o laudo, mas não tem gente para digitar. Moro em São Sebastião, já vim aqui (no HBDF) mais de dez vezes, gastando o que não posso com passagem e nunca consigo pegar esse exame. Eu tenho quase certeza que estou com câncer, porque sinto muita dor, mas só posso me tratar quando eu receber o documento", lamentou o aposentado.

Já a dona de casa Rosilene Fátima dos Santos, 36 anos, preferiu não esperar o resultado do exame do irmão, com suspeita de estar com um câncer na garganta. Ela conta que há dois meses perdeu o pai com um tumor maligno no pescoço e não quer correr o risco de que ocorra o mesmo com o irmão. "Essa é a última vez que eu venho aqui tentar pegar essa biópsia. Já me falaram que não sai com menos de três meses. Vamos numa clínica particular. Vai sair caro, mas tudo vale para salvar a vida do meu irmão, pois a situação dele é bastante grave. Não consegue nem comer direito", relatou Rosilene.

Apesar de a falta de digitadores colocar em risco o tratamento de milhares pessoas, os gestores do HBDF não conseguem encontrar uma solução para resolver o problema. O vice-diretor da unidade, Marcos Guimarães, reconhece o deficit de profissionais nessa área , mas pondera que pouca coisa pode ser feita para mudar o cenário. "O fato é que hoje existe um deficit muito grande de agentes administrativos, não só na anatomia, mas em todas as áreas do hospital. Uma das ações para que esse tipo de serviço não fique tão defasado é pagar hora extra ao servidor, mas mesmo com essa medida, não é possível suprir a demanda reprimida", disse Guimarães.

Na entrada da área de anatomia - responsável pela realização e emissão dos exames de biópsia e citologia -, uma mensagem denuncia a precariedade do setor:"Por falta de funcionários o atendimento para entrega e informações de exames (biópsias e citologias) será realizado somente no período vespertino". Hoje, no HBDF, apenas dois funcionários são responsáveis pela digitação de todos os laudos emitidos pelos patologistas. A situação fica crítica quando um deles entra em férias, pede licença ou se afasta por motivo de doença. "Às vezes os dois ficam sem aparecer, por problemas diversos, e os laudos vão se acumulando. Dá pena ver as pessoas angustiadas esperando para pegar seus exames. Se realmente estiver com câncer, ela perde tempo em iniciar o tratamento. Se não estiver, perde mais uma chance de tirar o peso das costas. Tudo isso por falta de digitadores", afirmou um servidor que preferiu não se identificar.

;Não podemos contratar ninguém;

Atualmente, 253 técnicos administrativos prestam serviço no HBDF. O vice-diretor, Marcos Guimarães, calcula que seriam necessários mais 195. ;Já enviamos à Secretaria de Saúde inúmeros documentos pedindo o suprimento de recursos humanos. Não podemos contratar ninguém, nossa função é informar sobre as necessidades. A verdade é que hoje os recursos humanos dentro dos hospitais são o maior fator limitador da saúde, não só em Brasília, mas em todo o Brasil;, disse Guimarães.

Há dois anos, foi realizado concurso público para suprir as carências desses profissionais na área de saúde, mas, por vários motivos, poucos tomaram posse. ;Como o salário desse cargo não é muito atraente, muitos prestam outros concursos. Outros assumem o cargo, mas ficam por pouco tempo quando conseguem algum emprego melhor. Enquanto não houver a valorização dos técnicos, haverá carência;, analisou o secretário-geral do Sindicato dos Servidores em Estabelecimentos de Saúde do DF (SindSaúde/DF), Elias Lopes.

O integrante da entidade sindical, ao tomar conhecimento dos 1,7 mil laudos não entregues, prometeu formalizar uma denúncia no Ministério Público do DF e Território (MPDFT). Na opinião de Elias Lopes, a responsabilidade pelas mortes causadas pela demora na entrega dos laudos de biópsias e citologia deveria ser imputada à Secretaria de Saúde. ;Se o Ministério Público não intervir para exigir que a secretaria mude sua postura, as pessoas vão continuar morrendo na fila sem ao menos terem a oportunidade de lutar contra a doença. Se nada for feito, vamos ao MP pedir que esse absurdo seja investigado;, disse Lopes.

O titular da 1; Promotoria de Defesa da Saúde (Prosus) do MPDFT, Jairo Bisol, disse que esse é apenas mais um dos problemas do precário sistema de saúde do DF, e apontou falhas na execução orçamentária como um dos elementos preponderantes para as falhas no setor. ;Os problemas na área da saúde são generalizados. É preciso investir, mas investir com inteligência, investir na saúde básica. Tem de haver um esforço de todos os envolvidos diretamente no setor para que haja uma melhora;, considerou o promotor de Justiça.