Jornal Correio Braziliense

Cidades

Detentas da Comeia comemoraram ontem o Dia das crianças com seus filhos

As mulheres viveram um momento especial, quando quase 300 crianças se reuniram para festejar sua data com mães ou avós que cumprem pena

Os rostos abatidos que habitualmente se enfileiram todas as quintas-feiras em frente à Penitenciária Feminina do Distrito Federal (a Comeia), no Gama, aguardando o horário para visitar as presas, foram substituídos por muita gritaria e brincadeira. É que, para filhos e netos de mulheres que estão atrás das grades na capital do país, o verdadeiro Dia das Crianças, comemorado na terça-feira passada, ocorreu ontem. A festa preparada pela direção do estabelecimento para tornar especial o dia de visita desta semana começou por liberar a entrada de crianças menores de um ano, proibida em situações normais. E não era preciso estar cadastrado previamente, como manda a regra do presídio.

;Hoje, basta que o responsável comprove, por meio de documentos, o parentesco da criança com a presa;, explicava Deuselita Martins, diretora da penitenciária. As exceções abertas culminaram em 594 visitantes, dos quais 253 eram crianças. O número de pessoas que foram ontem ao presídio é mais que o dobro da média registrada, em geral 250. As brincadeiras reservadas para a meninada começaram antes mesmo da entrada na unidade. Duas camas elásticas e um castelo inflável foram montados em frente à penitenciária. Enquanto os responsáveis aguardavam o horário para iniciar a burocracia necessária que antecede a visita, os pequenos se esbaldaram nos brinquedos. Picolé, água, algodão-doce e pipoca completaram a folia.

Do lado de dentro do presídio, mais gritaria e brincadeiras. Depois de assistirem a um espetáculo infantil encenado por sete atores voluntários, meninos e meninas corriam de um lado para o outro. As reações diante de mães pouco lembradas, na maioria das vezes, iam de visível felicidade a estranhamento. O filho mais novo de Maria Derlânia da Silva, presa por homicídio, teve de se acostumar com a mulher de cabelos loiros. ;Descobri que estava grávida dele num dia e vim para cá no outro. Quando ele nasceu, ficou comigo por três meses e, depois, foi embora. Então ele não me conhece direito, precisa se acostumar;, conta Derlânia, que não via o garoto há seis meses. Seus outros quatro filhos estão recolhidos em um abrigo. ;Minha progressão para trabalhar fora só depende de um documento. Quero sair logo para cuidar da minha família;, diz.

Curiosidade
No caso de Juliana*, de 22 anos, o único problema está no caçula. Com apenas dois anos, o garoto, às vezes, não a reconhece. Mas basta um pouco de contato para ele não querer sair mais do colo da mãe. As duas meninas de Juliana ; uma de sete e outra de três anos ; também a cobrem de carinhos durante toda a visita. À mais velha, que entende até certo ponto o que ocorreu com a mãe, aguardando julgamento por assalto à mão armada e extorsão, Juliana precisa dar explicações. ;Quando chega aqui, ela pergunta: ;Quem te deu essa blusa nova, foi a polícia?;;, conta a presa. ;Aí eu explico para ela ter cuidado com as amizades, ter juízo, não ir na onda das pessoas. É por esse motivo que estou aqui.;

Também acusada de assalto, Camila* tenta amenizar a dor das duas filhas ; a mais velha com necessidades especiais ; contando que aquele lugar cheio de grades e com muros altos protegidos por arames é, na verdade, uma escola. ;Digo que estou aqui fazendo um curso de costura, que preciso terminar as aulas para voltar para casa;, explica a mulher. Espevitada e falante, a mais nova dirige-se a um dos policiais responsáveis pela segurança na unidade: ;Seu Ney, quando é que minha mãe vai poder ir embora?;. Sensível às questões das presas, o agente pensa um pouco e responde : ;Ih, ela vai ter que costurar muitas roupas ainda, fazer muitas aulas antes de sair;.

Para as mães, a visita em formato especial cria um clima diferente do observado nas demais quintas-feiras. ;Com essa música, as brincadeiras e muita criança junta, parece que fica menos tenso. Nos dias normais, é um pouco estranho receber os meninos aqui;, define Juliana. A diretora, Deuselita, destaca que a intenção dos funcionários é humanizar um pouco o presídio. E lembra que só foi possível preparar a festa de ontem com a ajuda de voluntários. Grupos de diversas religiões e empresas contribuíram com itens variados, desde os brinquedos que foram distribuídos às crianças na saída da penitenciária às camisetas que as detentas utilizam para ser facilmente identificadas entre os visitantes. O juiz da Vara de Execução Penal, Luiz Martius, também esteve na penitenciária ontem para uma inspeção de rotina. Foi um dia especial para a maioria das detentas, bem como para os filhos delas.

* Nomes fictícios, a pedido das entrevistadas