Cerca de 40 pessoas por dia amargam a espera de leito em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A escassez de alas atinge tanto os hospitais públicos quanto os particulares. Para salvar a vida de pacientes, famílias recorrem à Justiça. A ajuda às vezes vem tarde, ou não é suficiente para resolver o problema. Gabriel Alves Xavier, 2 anos, foi mais uma vítima da crise. Ele morreu sem os cuidados intensivos recomendados pelos médicos devido à precariedade da aparelhagem da rede pública e a falta de amparo judicial. O surto da bactéria Klesiella pneumoniae carbapenemase (KPC) agravou a situação. Dos 320 leitos disponíveis na rede pública, 15 estão reservados para pacientes infectados pelo micro-organismo, segundo o subsecretário de Atenção à Saúde, José Carlos Quinaglia. No último boletim divulgado sexta-feira, a Secretaria de Saúde confirmou que das 18 mortes de pessoas contagiadas, 14 %u201Cforam diretamente relacionadas à infecção%u201D.
Dos 15 leitos isolados, sete estão no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) e oito no Hospital Regional do Paranoá (HRP). Neste último, morreu na manhã de domingo Gabriel Alves Xavier, de 2 anos. Diagnosticado com meningite, ele recebeu orientação médica para ser internado em uma UTI. Mas não havia vagas na rede pública.
Desamparadas pelo sistema, a mãe e a avó da criança correram para a Defensoria Pública, a fim de garantir o cuidado intensivo pediátrico por meio da Justiça. Chegaram ao local às 9h. Mais uma vez tiveram que esperar. Fim de semana e feriados, os defensores públicos trabalham em esquema de plantão. O expediente é das 13h às 19h. Gabriel não resistiu. Ele teve duas paradas cardíacas e morreu às 11h10. %u201CFui informada que precisava encontrar uma UTI para o meu filho às 7h50 de domingo. Assim que soube, corri para a Justiça. Fiz o que podia para salvar meu filho%u201D, lamenta a diarista Ana Grete Maria das Dores, 31 anos. Ela, que tem outro cinco filhos, não quer sepultar o caçula hoje, no Dia das Crianças.
Em nota, a Secretaria de Saúde informou que a Central de Regulação de Leitos de UTI %u201Cdesde a solicitação da vaga, às 17h33 de 9 de outubro (sábado), até às 10h59, de 10 de outubro, inúmeras buscas foram feitas, sem que houvesse disponibilização de um leito para o menor.%u201D
O coordenador do Núcleo de Plantão da Defensoria Pública, Frederico Donati, explica que o trabalho da Defensoria depende do juiz. %u201CA Defensoria é como um advogado particular. Não adianta atuar antes, se não tem juiz para deferir qualquer medida liminar. A responsabilidade ao nosso ver não é da Justiça. O que era para ser uma exceção tem se transformado em regra. Diariamente, mais de 40 pacientes dependem de liminar para ter acesso à UTI, e a Secretaria de Saúde não toma medidas, não cria novas alas%u201D, acusa. Em alguns casos, segundo ele, a vaga não é encontrada em nenhum hospital do Distrito Federal, seja ele público ou privado. %u201CNesses casos, o oficial de Justiça não tem como agir. Ele não pode tirar um paciente da UTI e colocar outro.%u201D
Pressão
Os estabelecimentos particulares começam a sentir a pressão da demanda por vagas em UTIs por conta do surto da bactéria KPC. %u201CCom o aumento da infecção hospitalar alguns pacientes foram transferidos para a rede privada. A secretaria transfere a responsabilidade para nós e a estrutura da pública só vem piorando%u201D, afirma a gerente executiva do Sindicato Brasiliense de Hospitais, Danielle Feitosa.
Segundo ela, a dívida do GDF com as clínicas e hospitais particulares que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) está em torno de R$ 60 milhões. Depois de um período de 12 meses sem quitar a dívida, as empresas de saúde receberam R$ 12 milhões, divididos em duas parcelas. %u201CO valor que foi pago é irrelevante. Infelizmente, a rede saúde pública está sucateada, e o GDF esta tentando sucatear a rede privada%u201D, reclama Danielle.
Além dos 100 leitos privados que atendem pelo SUS, cerca de outros 50 são ocupados todos os meses por pacientes da rede pública via medida liminar. O custo médio mensal desses atendimentos ultrapassa a marca de R$ 1 milhão. O subsecretário de Atenção à Saúde, José Carlos Quinaglia, adiantou que R$ 7 milhões aguardam autorização da Secretaria de Fazenda para serem transferidos à rede privada pelos serviços. Ele também informou que a dívida apresentada pelas entidades particulares está sendo analisada pelo governo.