Há 50 anos, o governo de Juscelino Kubitschek mandava retirar as cercas de arame farpado que separavam quatro propriedades rurais para fundar, no local, uma cidade, que mais tarde receberia o nome de Gama ; ou, para os mais antigos, ;Gamão do povão;. Diferentemente daquele ano, a cidade cinquentenária tem vida própria hoje: comércio forte, diversão, representantes no governo. Até engarrafamento o Gama tem, mesmo com apenas dois semáforos: um entre os setores Norte e Industrial e outro no Setor Sul.
Esse crescimento é percebido pela pioneira Maria das Dores do Nascimento, 79 anos. Em 1967, quando a moradora do Setor Leste desembarcou com o marido, Antônio Januário do Nascimento, no Gama, a cidade tinha como único meio de transporte o caminhão que levava trabalhadores para ajudar a terminar a nova capital do país, que já havia sido inaugurada sete anos antes. ;Viemos de Campo Grande (RN) para montar um açougue aqui;, conta ela. Lá, o casal criou seis filhos e 12 netos. Antônio Januário faleceu há 15 anos. ;Eu amo esta cidade. Temos hospitais, colégios;, destacou.
Além do futebol apresentado nos tempos áureos da década de 1990, quando o clube alviverde candango chegou à elite do futebol brasileiro, a cidade que fica a 36km do Plano Piloto tem artistas nascidos ou criados lá, como gosta de destacar o goiano Roberto Luiz Gomes de Alencar, 30 anos, mais conhecido como Beto Alencar. Ele se mudou para o Gama com 16 anos e nunca mais saiu de lá. ;Gosto do bairrismo;, destaca. Para homenagear o Gama, Beto Alencar escreveu uma música. De versos simples, a letra destaca o amor que o compositor tem pelo lugar. ;É uma homenagem que eu posso fazer para essa cidade maravilhosa;, declama.
Mesmo assim, a administração da cidade parece preferir contratar atrações musicais de outras localidades do Distrito Federal e do país. E pagar mais caro por isso. Para se ter uma ideia, o show da dupla sertaneja Pedro Paulo e Mateus custará
R$ 30 mil, segundo um servidor da Diretoria de Cultura da Administração Regional do Gama que pediu para não se identificar. A assessora do órgão, Gabriela Matos, disse que os músicos devem antes se cadastrar, e explica que, com relação aos DJs, o evento não vai ter música eletrônica.
Projeto
O gasto deixou contrariados os artistas da cidade. O DJ Brother, vencedor de dois prêmios internacionais da modalidade musical, apresentou um projeto para presentear o público gamense com música eletrônica. O evento contaria com 10 DJs. Cada um receberia um cachê de R$ 300. ;Levei o projeto há dois meses. Eles ficaram me congelando e não deram a resposta;, lamentou Brother, que reside no Setor Sul.
A cidade esconde monumentos pouco conhecidos pela própria população. Um deles foi idealizado pelo mestre da arquitetura moderna Oscar Niemeyer e fica situado na praça do extinto Cine Itapoã, no Setor Leste, arrendado pelo governo aos comerciantes. O coreto de concreto foi palco de manifestações culturais de artistas anônimos e ilustres, como a então incipiente Legião Urbana, em 1984. ;Eu assisti àquele show. Foi demais;, lembra o músico Valbert Nascimento, 40 anos.
A Praça do Itapoã, como é chamada, conserva os sinais do abandono. O cinema está fechado. O público que frequenta o espaço é outro: em vez de amantes da música, usuários de droga. O vandalismo também marca presença ali. O coreto desenhado por Niemeyer está pichado e com os pilares carcomidos.
Com muita mobilização, a população conseguiu que um outro espaço importante da cidade fosse revitalizado. O Galpãozinho, que fica no Setor Central, está prestes a ser reinaugurado. A reconstrução não foi fácil. ;Tivemos de colher mil assinaturas e fazer um movimento chamado O Galpãozinho tem conserto para que a obra fosse autorizada;, contou o morador Amarildo Pereira, 38, publicitário. O lugar, agora, será ampliado e ganhará camarotes.
Mas a queixa maior da população gamense é o Viaduto do Periquito, que fica no entroncamento com as estradas que levam a Recanto das Emas, Santa Maria, Plano Piloto e Gama. A obra foi construída pela metade. Para resolver o problema do engarrafamento na saída da cidade, o governo autorizou a construção da passagem ; mas só no sentido Plano Piloto. Com isso, o problema acabou empurrado para o outro lado da estrada.