Decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfraquece o rigor da Lei Federal n; 11.705/08, mais conhecida como lei seca, e favorece o motorista que dirige alcoolizado e se recusa a fazer o teste do bafômetro. Por unanimidade, a sexta turma decidiu que, sem o teste do bafômetro ou o exame de sangue, o condutor flagrado sob efeito de álcool não pode ser processado criminalmente, ficando sujeito apenas às punições administrativas (Veja a o que diz a lei).
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a decisão não é pacífica, mas representa um golpe na legislação de tolerância zero à combinação álcool e volante. ;Essa decisão abre precedente que enfraquece a lei e cria jurisprudência que pode ser usada por motoristas infratores;, analisou a promotora Laura Beatriz Castelo Branco, da Promotoria de Delitos de Trânsito do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), lembrando que existem posicionamentos diferentes dentro do próprio STJ sobre o mesmo tema. Laura Beatriz tem o entendimento de que a constatação do agente é suficiente para comprovar a embriaguez do condutor, conforme está previsto na própria lei.
A decisão do STJ foi tomada no julgamento do Habeas Corpus n; 166.377, que pedia a extinção da ação penal contra um motorista paulista. Segundo a acusação, o homem dirigia seu veículo na contramão, quando foi abordado pela polícia: ;Os policiais militares que o abordaram constataram o visível estado de embriaguez alcoólica do denunciado, que se recusou a se submeter a qualquer exame de alcoolemia, inclusive o bafômetro;.
A defesa do motorista alegou a inexistência de provas, uma vez que o acusado foi submetido apenas a exame clínico, ;o qual não é apto para constatar a concentração de álcool por litro de sangue;. O ministro Og Fernandes, relator do processo, entendeu que, antes da Lei n; 11.705/08, bastava que o condutor sob efeito de álcool expusesse a dano potencial a incolumidade de outrem. Entretanto, quando a lei seca entrou em vigor, estabeleceu o nível de alcoolemia e excluiu a necessidade de exposição de dano e ainda delimitou a comprovação ao editar o Decreto n; 6.488/08.
Em seu voto, o ministro Og Fernandes escreveu que ;;para comprovar a embriaguez, objetivamente delimitada pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, é indispensável a prova técnica consubstanciada no teste do bafômetro ou exame de sangue;. Com base nesses argumentos, os magistrados decidiram pela extinção da ação penal. O julgamento foi presido pela ministra Maria Thereza de Assis Moura e participaram os ministros Celso Limongi, Haroldo Rodrigues. Todos votaram com o relator.
Divergência
Um caso exatamente igual foi julgado pela Quinta Turma do STJ, mas a decisão foi bem diferente. O relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, negou o pedido de extinção da ação contra um condutor flagrado alcoolizado. O homem, também de São Paulo, se recusou a fazer o teste do bafômetro e o exame de sangue. Neste caso, o magistrado considerou suficiente o auto de constatação de embriaguez feito pela polícia no ato de flagrante.
Em seu voto, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho escreveu que ;há prova exuberante da materialidade do crime, cuja autoria não se discute e, a vingar a tese da defesa do ilustre impetrante, ninguém, nunca mais, poderia ser processado por infração ao artigo 306 do Código de Trânsito, de maneira que seria melhor rasgar de uma vez a denominada lei seca, esquecer que o Brasil precisa progredir e integrar o chamado primeiro mundo a imitar o modus vivendi do romântico Far West americano;.
Presidente da Comissão de Direitos de Trânsito da Ordem dos Advogados de São Paulo, Cyro Vidal avalia que, se decisões como a da Sexta Turma do STJ forem frequentes, em breve haverá uma súmula e, neste caso, a lei seca perderá definitivamente sua força para punir de forma rigorosa quem comete o crime de dirigir alcoolizado. ;A virtude está no meio: não pode ser lá nem cá. Em caso de notória embriaguez, ainda que sem exame técnico, o infrator deve responder pelo crime;, opinou. Até outubro do ano passado, Vidal catalogou 198 sentenças de diferentes estados absolvendo ou tirando da cadeia condutores que se envolveram em acidentes de trânsito fatal e que estavam alcoolizados.
Álcool zero
O Decreto n; 6.488/08 fixa que qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades administrativas. A aferição da quantidade de álcool no sangue será feita por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro). Para fins criminais, o teste do exame de sangue terá que apontar concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue. No teste do bafômetro, 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões.
Acidente com carro oficial
Uma mulher morreu após a moto em que estava se chocar com um carro oficial que transportava a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Nilcéia Freire. O acidente ocorreu na noite da última quinta-feira, no Eixo Monumental, próximo à Praça dos Três Poderes. O motorista do veículo oficial e a ministra não sofreram ferimentos. Fabíola Reis Carijós, que estava na moto, morreu na sexta-feira. O namorado dela, Ricardo Alexandre da Silva Monteiro, continua internado na UTI de um hospital da cidade. Segundo uma assessora da ministra, a Secretaria Especial prestou toda a assistência médica a Fabíola e acompanha a evolução do estado de saúde de Ricardo Alexandre. A 5; DP, no Setor Bancário Norte, investiga o caso.
Na tarde de ontem, o motociclista Alexandre Ferreira dos Santos, 24 anos, morreu ao colidir na traseira de um ônibus. O acidente ocorreu no primeiro balão de acesso ao Jardim Botânico, por volta das 15h30. O Corpo de Bombeiros transportou o passageiro que estava na garupa da moto, Ricardo Machado, 25 anos, para o Hospital de Base. O rapaz sofreu fratura no fêmur e escoriações pelo corpo.
O que diz a lei
O artigo 165 da Lei n; 11.705/08, a lei seca, diz que dirigir alcoolizado é infração gravíssima. Os infratores flagrados são multados em
R$ 957, têm a carteira de motorista recolhida, sete pontos lançados no prontuário e, se condenados pelo Detran, ficam proibidos de dirigir por um ano. A tolerância é zero. Por isso, qualquer concentração de álcool no organismo deixa o motorista sujeito à punição administrativa. A infração prevista poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
Já o artigo 306 tornou crime os casos em que o condutor é pego com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, ou 0,3 miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões. Nesses casos, além das punições previstas no artigo 165, o infrator é levado para a delegacia, tem que pagar fiança ; entre R$ 600 e R$ 2 mil ; e responde a processo criminal.
O povo fala
Você concorda que o condutor seja punido criminalmente por dirigir sob o efeito do álcool quando ele
se recusa a fazer o bafômetro e o exame de sangue para comprovar o nível de embriaguez?
José Carlos Tavares, 45 anos, serígrafo, morador de Taguatinga Sul
;Acho que, mesmo sem o teste, a pessoa tem que responder criminalmente. A palavra do agente de trânsito ou do policial deve valer porque, se não, vira bagunça. Todo mundo vai mentir que não bebeu e vai ficar por isso mesmo.;
Cleiton do Carmo, 37 anos, operador de call center, morador do Gama
;Acho que, além do agente de trânsito, deve ter testemunha. Só a palavra do agente, não acho suficiente. Portanto, se o cara não faz o bafômetro, que se reúnam as provas testemunhais para levá-lo à Justiça.;
Maria dos Santos, 44 anos, pescadora, moradora de Bacabal, no Maranhão
;Se a pessoa apresenta sinais de embriaguez diante da autoridade de trânsito, isso é mais do que suficiente. Você vê nesses casos que vão parar na televisão: o cara não se aguenta em pé e diz: ;eu bebi só uma cervejinha.;;
Luís França, 38 anos, jardineiro, morador de Valparaíso II
O bêbado, a gente conhece só de olhar. Anda meio mole, fala enrolado e tem aquele bafo de cachaça que a gente sente de longe. Bafômetro para quê? E um pai de família não tem que beber e sair dirigindo. Tem que preservar a família.;