O Hospital de Base do Distrito Federal é a casa da vida e, ao mesmo tempo, é um local onde a morte entra sem pedir passagem todos os dias. Há exatos 50 anos, é para lá que são levados os casos mais graves de Brasília e do Entorno. A missão diária dos homens e mulheres de jaleco branco que circulam pelos corredores de cada um dos 12 andares do prédio é driblar as dificuldades e salvar pessoas. Juntam-se a eles faxineiros, cozinheiras e muitos outros que fazem a engrenagem funcionar. No total, são 3,5 mil servidores. A cada ano, são realizados mais de 600 mil atendimentos apenas no pronto-socorro e no ambulatório.
O povo sente a falta de condições mínimas para ser recebido com a dignidade merecida. Mas, hoje, é dia de comemoração para o Hospital de Base e para Brasília. O maior e mais antigo centro de saúde da cidade completa cinco décadas. Nasceu meses depois da inauguração da capital. É dia de mostrar histórias de pessoas que fazem a diferença e aos poucos renovam nos pacientes a fé no ser humano. Com muita boa vontade, esperança e profissionalismo surge a cura, o alívio.
Uma dessas pessoas é o médico Franklin Batista Tormin, 69 anos, especialista em reumatologia. Ele ajudou a construir o hospital. Quando tinha 16 anos, Franklin morava em Luziânia (GO) e vinha para a Brasília em construção para descarregar caminhões de areia. Participou da construção de várias obras, entre elas a unidade de saúde onde anos depois trabalharia. O rapaz nem imaginava seu destino. ;Eu descarregava a areia do caminhão com uma enxada. Era um serviço pesado. Lembro-me perfeitamente de jogar areia perto de uma placa em que estava escrito: Hospital Distrital de Brasília (antigo nome do Base);, lembra.
Franklin trabalhava de graça. ;Eu vinha com uns amigos da minha família ou com meu irmão que dirigia o caminhão. Vinha mais pela euforia, nem recebia para trabalhar. Mas era raro ver um carro ou caminhão passar nas ruas em Luziânia. Participar da construção de Brasília foi uma diversão para mim. Hoje, me sinto muito honrado;, conta. ;Ninguém na minha família era doutor. Acho muito bonito poder ajudar a salvar alguém, ser um instrumento de Deus na manutenção da vida.;
Pioneiro
O médico estudou na Universidade de Brasília (UnB). Prestou concurso para a prefeitura de Brasília em 1966 e assumiu o cargo de oficial de administração no Base. Formou-se em 1970, na primeira turma de medicina da UnB. Em 1976, começou a atuar como médico concursado na mesma instituição. No ano seguinte, o doutor terá de se aposentar. ;Uma parte da minha vida está nesse hospital. Não quero descansar, terei toda a eternidade para isso;, afirma. O médico lembra-se dos melhores tempos da instituição na qual trabalha, quando o Base era referência em atendimento. ;É triste ver o que fizeram com a saúde no nosso país, mas a vontade de ajudar é ainda maior. A saúde ainda pode ser resgatada. A Lei da Ficha Limpa é um bom começo para que as coisas mudem;, diz otimista.
Ainda hoje, o Hospital de Base é respeitado em diversas especialidades. Oncologia, medicina nuclear, transplantes, tratamento de epilepsia e de esclerose múltipla, entre muitos outros. Oferece tratamento que nenhum outro do DF ou Entorno é capaz de proporcionar. ;O Base é um hospital terciário, recebe somente os casos mais complexos. Então é importante que a população não procure esse hospital em casos menos complicados, para dar lugar àqueles que realmente precisam desse tipo de atenção;, explica o diretor da unidade, Luiz Carlos Schimin.
Uma dessas pessoas que precisa de um acompanhamento médico complexo é o biólogo Geraldo de Brito. Desde que nasceu, há 28 anos, ele faz tratamento para fibrose cística(1). Sem opção, ele fez do Hospital de Base sua segunda casa. ;A parte humana não deixa nada a desejar. Eu e a equipe temos uma relação de amizade. Sinto que sou sempre bem-vindo;, conta Geraldo. ;É um prazer muito grande ver alguém crescer com saúde. Muitas vezes somos a segunda família do paciente;, analisa a pneumopediatra Silvana Augusta de Faria.
Morte e vida
A cada ano, 1,8 mil pessoas morrem no Hospital de Base. Embora a morte ronde os corredores brancos e amplos da unidade, ali a vida é celebrada todos os dias. Apesar da pouca idade, Thiago,1 ano e 6 meses, e Letícia, 6 meses, já viveram muito. Os dois nasceram com atresia biliar, doença na qual as vias que ligam o fígado à vesícula biliar nascem obstruídas. ;A criança fica com a pele amarelada e a enfermidade pode ser letal. Se não se tratarem em até dois meses de vida, a cura fica cada vez mais difícil;, explica a chefe da pediatria, Elisa de Carvalho.
Os dois foram salvos com os esforços da equipe pediátrica. ;Meu filho passou mais tempo no hospital do que em casa. Se não fosse por eles, o Thiago não estaria aqui. Durante todo o tratamento, eu mandava fotos dele por e-mail e elas guardavam com todo carinho;, diz a dona de casa Núbia Nara Silva,33 anos, moradora de Planaltina. ;É bom poder contar com a sensibilidade e o respeito dos médicos em um momento tão difícil;, concluiu a mãe de Letícia, Flávia Borges, 31 anos, que vive em Ceilândia.
Estrutura de cidade
O centro de saúde funciona como uma cidade. São servidas 107.732 refeições todos os dias. Os médicos fazem em torno de 12 mil cirurgias por ano e no local há 833 leitos e 200 banheiros. Quase 6 mil quilos de lençóis, roupas e toalhas são lavados diariamente. Dos 14 elevadores, quatro não estão funcionando. Há 52 mil metros quadrados de área construída. Só com a conta de luz são gastos mais de R$ 211 mil todo mês. O gasto com água consome R$ 281 mil e a de telefone, R$ 24 mil. Pelo menos 250 voluntários atuam no local. ;Se o hospital fosse uma cidade, ele seria maior que um quarto de todos os municípios brasileiros;, afirmou Schimin.
Hoje também é tempo de lembrar o longo caminho que a saúde precisa percorrer para merecer os parabéns dos moradores de Brasília. ;Praticamente todas as áreas aqui têm demandas reprimidas. Mas a carência de servidores na área administrativa é gritante. Claro que precisamos de mais médicos. Mas com mais gente para digitar os laudos, marcar consultas e fazer o levantamento de dados o sistema iria melhorar muito e a população sentiria os efeitos;, explicou o diretor.
O Hospital de Base passou por poucas reformas desde sua inauguração e nenhuma delas aumentou o espaço físico da unidade. ;Em 50 anos, a população da cidade mais que dobrou. O hospital continua o mesmo. Assim, falta material e há superlotação;, justifica Schimin. A secretária de Saúde, Fabíola Aguiar, afirma que o hospital tem muito o que comemorar. ;Brasília teve seu cinquentenário ofuscado por escândalos, mas o mesmo não deve acontecer com o Base;, diz. ;Queremos incentivar programas de saúde da família, com agentes visitando as pessoas em casa para melhorar a situação dos hospitais. Criamos uma secretaria somente para compras para evitar aquisições emergenciais e fazer tudo com licitação;, explica.
O Hospital de Base organizou uma agenda de comemorações para o aniversário de 50 anos (veja quadro). A festa foi paga doações feitas por entidades como a Sociedade Brasileira de Medicina e por empresários locais.