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Obra inacabada será demolida para dar lugar a um hotel de luxo

Abrigo de mendigos e ponto de tráfico de drogas. Essa é a referência atual do último esqueleto da área central de Brasília, que será implodido no próximo dia 19. A construção inacabada no Setor Hoteleiro Norte está abandonada há 17 anos e virou motivo de críticas constantes de arquitetos e urbanistas. Os especialistas são unânimes em afirmar que a obra parada enfeia e agride o tombamento da cidade. Após a implosão da estrutura de concreto, um moderno e luxuoso hotel será construído no terreno, um dos mais valiosos e bem localizados da capital federal.

Em 2007, três esqueletos foram demolidos e deram lugar a novos empreendimentos. Também houve a retomada de obras paradas e abandonadas, que haviam se tornado rota de fuga de bandidos. Mas o hotel inacabado permaneceu no centro de Brasília. A área era objeto de disputa entre herdeiros dos antigos donos do terreno, que não se entendiam sobre o destino da herança ; deixada por uma família de Bauru, município do interior de São Paulo. No ano passado, o irmão de um dos herdeiros comprou a parte dos outros e conseguiu deixar a área pronta para a venda. Este ano, a construtora JC Gontijo fez uma proposta e levou o terreno por R$ 25 milhões.

A estrutura de alvenaria não está comprometida, mas como o projeto inicial é muito diferente do que a empresa pretende erguer agora, a JC Gontijo preferiu demolir o esqueleto para começar do zero a nova construção. ;Esse projeto ficou defasado e não é mais compatível com a realidade do mercado. Nossa ideia é fazer um hotel moderno, com arquitetura arrojada, que será muito importante para Brasília durante os grandes eventos, como a Copa do Mundo;, afirma o diretor da JC Gontijo, Rodrigo Nogueira.

Grandes empresas de hotelaria já procuraram a construtora, interessadas em ter um hotel da marca em Brasília. Segundo a JC Gontijo, estão sendo feito contatos com representantes de grupos como o Accor, Hyatt e Fasano. ;Mas não vamos ignorar propostas de grupos locais, como o Hplus, que também nos procurou. Aquele terreno é hoje o melhor ponto de Brasília, principalmente para construir um hotel, que necessita de facilidade de acesso;, explica Nogueira. ;De segunda a quinta-feira, a maioria dos hotéis da cidade fica lotada. A cidade precisa de novos empreendimentos, há demanda para isso;, acrescenta o diretor da JC Gontijo.

O projeto arquitetônico do novo hotel foi apresentado à Administração Regional de Brasília e a expectativa é de que a obra seja lançada até 1; de outubro. Até lá, a construtora vai anunciar qual empresa administrará o hotel e qual bandeira ele receberá para atrair investidores para o projeto. A JC Gontijo guarda segredo sobre o nome do futuro empreendimento ; já definido ; e também a respeito do tamanho e número de quartos do hotel. A obra deve levar cerca de 30 meses para ficar pronta.

Custos
A construtora não divulga quanto vai pagar pela implosão do esqueleto do Setor Hoteleiro Norte, mas garante ter feito um acordo para reduzir o valor, já que a empresa responsável pela demolição vai reaproveitar o entulho em projetos de reciclagem. No caso da implosão do edifício abandonado do Setor de Clubes Sul, realizada em 2007, o custo foi de R$ 200 mil, pagos pelo Governo do Distrito Federal. À época, os técnicos usaram 150kg de explosivos que, no fim, geraram 16 toneladas de entulho.

A demolição do prédio abandonado no Setor Hoteleiro Norte será realizada às 10h de um domingo, para minimizar os transtornos, como possíveis alterações no tráfego de veículos. Os funcionários e hóspedes de hotéis vizinhos serão obrigados a evacuar todos os prédios, por medida de precaução. O trânsito na região deverá ser alterado para que ninguém passe próximo ao local no momento da implosão. Por precaução, toda a estrutura será protegida por uma rede feita de material sintético para impedir que parte do entulho seja arremessado a grandes distâncias e provoque estragos.

O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, comemora a implosão do hotel inacabado e diz que a medida é importante para a revitalização da área central. ;Há cinco anos, Brasília parecia uma cidade fantasma, com esqueletos por toda a parte. Esse edifício abandonado do Setor Hoteleiro é o último que restou e é muito bom saber que ele vai sumir finalmente da paisagem;, diz Gastal.

Para a secretária de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Eliana Bermudez, o fim dos esqueletos no Plano Piloto e em Brasília representa a preservação do patrimônio e a revitalização dos espaços públicos. ;Com a implosão do prédio do Setor de Clubes Sul, por exemplo, hoje é possível ter uma vista bem melhor do Lago Paranoá. A demolição ou a restauração de edifícios abandonados traz renovação à cidade. Muitos desses esqueletos representavam motivo de insegurança para a comunidade;, afirma Eliana.

Confira outros esqueletos que também foram demolidos e recuperados e o que ocorreu nas proximidades dessas regiões depois da implosão.

Às margens do lago, uma afronta ao tombamento
Em 1987, uma filial do badalado hotel Caesar Park começou a ser construída no Setor de Clubes Sul, às margens do Lago Paranoá. A construtora Guarantã, responsável pela obra, faliu e a edificação nunca foi retomada. O esqueleto, que tinha 38 metros acima da altura máxima permitida para o local, foi vendido, mas, como feria o tombamento, não pôde ser finalizado.

Durante quase 20 anos, Brasília conviveu com as ruínas do Predião, como era conhecido o esqueleto. Em 2007, quando assumiu o governo, José Roberto Arruda determinou, como uma de suas primeiras medidas, a implosão da estrutura. Em 22 de janeiro do mesmo ano, 16 toneladas de concreto foram para o chão, o que custou R$ 200 mil ao governo local.

Depois da demolição, vai dar lugar a um conjunto de prédios de apart-hotel. As construtoras Antares e Odebrecht estão vendendo apartamentos com área entre 34,43m; e 122,58m;. A valorização e o grande interesse do mercado demonstram como a retirada do esqueleto revitalizou a região. Quase todas as 750 unidades foram vendidas em menos de dois meses, a um preço médio de R$ 10 mil por metro quadrado. Com isso, até mesmo os proprietários da vizinha Academia de Tênis estudam propostas para vender o espaço, que também seria destinado a novos empreendimentos.

Primeiro hotel recuperado, depois de 28 anos
Na madrugada de 5 de agosto de 1978, um incêndio destruiu o mais antigo e mais tradicional hotel da capital federal. O Brasília Palace, que abrigou personalidades e grandes eventos, ficou em ruínas depois de ser consumido em chamas. Projetado por Oscar Niemeyer em 1956 e inaugurado dois anos depois, o hotel era belamente decorado por dois grandes painéis do artista Athos Bulcão. O edifício foi o point de festas, shows e peças teatrais nos primeiros anos da capital federal.

Depois do incêndio, o esqueleto ficou abandonado às margens do Lago Paranoá durante 28 anos. A partir de 2005, as organizações Paulo Octávio investiram mais de R$ 22 milhões para recuperar o prédio, mantendo as mesmas características arquitetônicas do edifício original. A construtora não precisou demolir a carcaça de concreto. Mas houve reforço na estrutura para manter os três andares e o pilotis. O Brasília Palace foi reinaugurado em setembro de 2006, com um evento que contou com a participação de mais de 40 pioneiros da cidade.

De ruínas a shopping de luxo
Em uma das regiões mais nobres de Brasília, um esqueleto prejudicou a paisagem urbana durante quase 20 anos. Projetada para abrigar um shopping, a edificação foi paralisada depois que o governo reclamou a propriedade do terreno. O empreendimento estava sendo feito pelos empresários Luiz Estevão e Sérgio Naya, que se uniram às organizações Paulo Octávio. Depois da paralisação da obra, o local virou abrigo de lixo e mendigos.

Em 10 de abril de 2007, o esqueleto foi implodido depois de um acordo com o governo. Pela negociação, o custo de R$ 350 mil da demolição ficou com os antigos empreendedores. No local, foi construído um novo e luxuoso centro comercial, o Shopping Iguatemi Brasília. Os empreendedores estimam faturar R$ 250 milhões somente no primeiro ano de funcionamento. A instalação do negócio na entrada do Lago Norte alavancou os preços de imóveis no bairro, principalmente no Centro de Atividades, vizinho ao shopping.

Esqueleto dá espaço a escritórios e estacionamentos
No Setor Comercial Sul, ao lado do Parque da Cidade, um esqueleto abandonado deu lugar a três torres de escritórios, que geraram investimentos de mais de R$ 300 milhões. O projeto do edifício que abrigaria o centro comercial Bi Ba Bô ficou abandonado durante quase 15 anos, até ser demolido em fevereiro de 2007. O gasto de R$ 420 mil com a implosão foi arcado pelos empreendedores.

Hoje, as torres de escritórios estão prontas e têm salas comerciais com sedes de empresas e também de órgãos públicos. Os sete andares de garagens ajudaram a reduzir o deficit de vagas na área central de Brasília e aliviaram o trânsito do Setor Comercial Sul.