Considerados heróis da Pátria, brasileiros que lutaram na Segunda Guerra Mundial correm o risco de ser despejados na capital do país. A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) reivindica o terreno doado em 1966 à Associação dos Ex-Combatentes. O lote fica na 913 Norte, ao lado do nobre Noroeste em construção e abriga, além da sede da instituição, 31 residências, onde moram 32 militares da Força Expedicionária Brasileira (FEB) ou viúvas de alguns deles. A maioria idosos; alguns, doentes.
A Terracap se baseia na denúncia do companheiro de uma neta de um ex-combatente, recebida em 2007. O homem apontou inúmeras irregularidades na associação, como aluguel de residências e descumprimento de outras regras acordadas no ato da doação do terreno. Os ex-militares negam todas as acusações e desconfiam que a ação está ligada à criação do Noroeste, bairro onde o metro quadrado construído vale, em média, R$ 10 mil. Só o lote da associação está avaliado em R$ 55 milhões.
O autor da denúncia, segundo os diretores da associação, morou por um tempo na instituição, pois estava precisando de ajuda. ;A direção anterior permitiu que ele ficasse aqui. Só que ele queria um lote. Como consta no regulamento interno da associação, ele não teria direito algum, pois a ocupação só é permitida a ex-combatentes ou aos seus descendentes diretos. Esse rapaz perdeu judicialmente e saiu com muita raiva de todo mundo. Acredito que ele tenha entrado com esse processo por vingança;, avalia a secretária-geral da associação, Valéria Oliveira, 44 anos, filha de um ex-combatente.
Ex-marinheiro e presidente da associação, José Francisco da Cruz, 92 anos, não esconde a indignação. ;Estamos dentro do regulamento. Ninguém é dono de nada aqui. Os recursos são conseguidos por meio da mensalidade dos sócios-beneficiados, que são os ex-combatentes, e os sócios-colaboradores, que são os seus descendentes diretos. Não há qualquer tipo de locação aqui;, garantiu. São 200 associados, 41 deles tendo lutado na Segunda Guerra Mundial.
Advogado da associação, Carlos Rodrigues Soares conta que houve apenas uma perícia administrativa feita pela Terracap, após a denúncia. ;Estão alegando que a instituição se beneficia dos imóveis para fins lucrativos perante a locação dos mesmos. Isso não é verdade. Os ex-combatentes que vivem ali têm por direito o imóvel e vale ressaltar que eles não possuem a propriedade no nome deles; as moradias pertencem à associação;, ressaltou.
A questão seria resolvida ontem pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em audiência na 1; Vara de Fazenda Pública. Mas o advogado da Terracap pediu mais prazo para analisar melhor o processo e fazer suas considerações finais, alegando que pegou a causa há pouco tempo. Ele não soube, por exemplo, informar quando foi feita a perícia, nem a conclusão da mesma. O pedido do defensor da estatal foi aceito e a sentença deve sair até o fim da próxima semana.
Recursos próprios
A sede da Associação dos Ex-Combatentes conserva e expõe documentos, fotografias, roupas e equipamentos usados pelos militares nas duas grandes guerras mundiais. O prédio da entidade e as casas ocupadas pelos associados foram construídos com dinheiro dos militares. Alguns levantaram as paredes com as próprias mãos. ;Começamos só com um barraco, com poucas madeiras. Nunca cobrei nada da associação pela mão de obra. Sinto-me orgulhoso por ter ajudado a concretizar este espaço que conta a história do Brasil e dos meus colegas militares;, lembrou o ex-segundo tenente José Andrade, 91 anos.
Soldado na Segunda Guerra, Vasco Duarte Ferreira, 86 anos, faz questão de frisar que ele e os colegas fazem de tudo para preservar a memória da atuação das Forças Armadas Brasileiras nas sangrentas batalhas da Europa. ;Temos nossa sede, única em Brasília, e temos total apoio de toda a equipe. Somos bem cuidados. Sempre que podemos nos reunimos e prestamos assistência aos mais idosos;, afirmou. Ferreira mora há 22 anos no local e diz que nunca foi dono de nada. ;Tudo pertence à associação, mas graças a ela eu tenho moradia digna depois de tanto lutar pelo país;, acrescenta.
Memória
Homens de fibra
A Força Expedicionária Brasileira (FEB) era composta por soldados que lutaram na Itália durante a Segunda Guerra Mundial entre setembro de 1944 e maio de1945. Durante 239 dias, 25.445 soldados e oficiais brasileiros estiveram em combate. Os confrontos resultaram em 456 mortos e 2.722 feridos. Ao todo, 14.779 soldados inimigos foram capturados. A FEB saiu vitoriosa em oito batalhas. Os homens da FEB enfrentaram outro temido inimigo: o inverno rigoroso europeu, com até -20;C. Um dos motivos da atuação foi que, em fevereiro de 1942, submarinos, supostamente alemães, começaram a torpedear as embarcações brasileiras no Oceano Atlântico. Em cinco dias, destruíram seis navios.