A secretária executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral, começou o dia de ontem com um telefonema e uma promessa. ;Não sabia do que estava acontecendo. Soube agora pelo jornal;, disse o governador Rogério Rosso, segundo relato de Valéria. Rosso referia-se à matéria publicada na edição de ontem do Correio que relata o pedido de reintegração de posse do prédio que a instituição ocupa no Setor de Autarquias Norte e a demora para a conclusão do processo de concessão de uso do lote onde a nova sede deverá ser construída. Essa, no entanto, não foi a primeira matéria publicada pelo jornal sobre as ameaças à fundação. O governador quis saber, afinal, o que estava acontecendo com a instituição; perguntou de que espaço físico ela está precisando, disse que vai acelerar o processo de cessão do terreno e prometeu conversar com Valéria pessoalmente nesta sexta-feira ou na próxima segunda.
O telefonema inesperado, porém, não diluiu as aflições de Valéria. ;Gato escaldado tem medo de água fria. Não posso correr o risco de ir para o meio da rua;, comentou. E já marcou a ida do arquiteto Daniel Mangabeira ao Teatro Dulcina, hoje, para fazer as medições da área debaixo do palco para onde, até segunda ordem, a fundação vai se transferir. Ao mesmo tempo, o advogado Leonardo Arantes entrou com um pedido de 120 dias de prorrogação do prazo para a reintegração de posse do prédio no Setor de Autarquias Norte, onde a instituição está abrigada desde 1994.
Com os pés quase soltos no ar, entre uma ameaça de despejo e uma promessa de lote feita há mais de um ano e que não se confirma, a Fundação Athos Bulcão corre o risco de ter de desocupar o prédio que pertence à Secretaria de Cultura do Distrito Federal, sem ter onde guardar mais de 100 obras, entre as quais 86 peças doadas pelo artista, e outras depois adquiridas. São telas, máscaras, plantas, bichos (feitos de pedra com durepox), desenhos, fotomontagens. Além disso, há toda a estrutura de projetos educativos, os sete funcionários fixos e os temporários que desenvolvem programas específicos.
Esperança
O superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, insiste na utilização de uma parte não ocupada do Touring, apesar de a Secretaria de Segurança Pública já haver se negado a receber a fundação, alegando ser inviável a cessão de uma área pública a uma entidade privada (o Touring é propriedade privada alugada para um órgão do GDF). Gastal acredita que seja possível, legalmente, fazer um convênio para que esse espaço do Touring seja ocupado pela fundação.
As ameaças de desabrigo atiçaram a indignação do cineasta Vladimir Carvalho. ;É um triste episódio com direito a trailer;, diz ele, com sua perspectiva documental. ;Há coisa de seis meses, no fim do governo José Roberto Arruda, houve aquela ameaça de despejo. Era o prenúncio de coisa pior. Depois teve aquela retirada dos cubos da fachada do Teatro Nacional, até hoje muito mal contada e malresolvida, e que levou mais de um ano para começarem as obras. Para completar, a sede do Clube do Congresso foi tratorada, com painéis do Athos. Essa terra está desgovernada, isso é revoltante. Ainda bem que há um pleito que pode servir para um restauro, uma mudança. A gente sempre é esperançoso.;
Autor dos painéis da Igrejinha e, desse modo, vizinho de Athos na intervenção artística em uma obra de arquitetura, Galeno se diz ;assustado;. Não consegue entender como ;alguém com a importância dele, com a relação que ele teve com a cidade, pode ficar abandonado e na capital do país, numa cidade onde tem dinheiro pra tudo, até pra coisa que não presta;. A memória do mago dos azulejos está sendo roída pela negligência do Estado e pelo desconhecimento que o Brasil tem de sua obra. ;Até hoje os brasileiros de fora de Brasília não sabem o artista que ele é.;
O sentimento do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, amigo e parceiro de Athos, é de tristeza: ;É muito triste que o Governo do Distrito Federal não valorize um artista tão importante para a cidade e para o Brasil. A importância de Athos Bulcão vai muito além da produção dele em Brasília. Ele foi o artista plástico que conseguiu, como nenhum outro, fazer a integração da arquitetura com a arte. O que faz dele um artista único e não apenas no panorama brasileiro, mas no internacional também. Não conheço nada que tenha sido produzido dessa maneira;. Lelé é autor do projeto da nova sede da fundação, um prédio cujo desenho lembra as gaivotas de Athos.
Presidente da Fundação Athos Bulcão, o empresário Orlando Taurisano, 90 anos, disse que esse é um problema ;da Valéria;. Dono da Disbrave, concessionária de veículos, ele acredita que a instituição tenha dinheiro para pagar um aluguel da nova sede ou ;vai para debaixo da ponte;. Taurisano lembrou que Athos fez ;duas ou três; obras para ele, na sede da empresa. ;Ele era um artista, não tenho nenhuma dúvida. Era um menino grande, muito agradável, muito ingênuo, que só pensava no bem, não pensava no mal.;