Quem olha para o céu de Brasília estranha a fumaça cinza que paira no ar da capital federal. A imagem é reflexo não apenas do período seco, característico desta época do ano, mas da falta de consciência da população e do desrespeito ao meio ambiente. O tom acizentado nada mais é do que o resultado dos constantes incêndios registrados nos últimos meses pelos bombeiros, que formam nuvens de fumaça. Para se ter noção da gravidade da situação, apenas em junho, os bombeiros registraram 483 ocorrências e um total de 467 hectares queimados. No mês passado, o número deu um salto. A área queimada foi cinco vezes maior: foram 2.713 hectares, o equivalente a 2.713 campos de futebol. A quantidade é ainda 109% maior que o total de registros do mesmo período do ano passado (veja infografia). Para combater as chamas, muitos bombeiros têm feito hora extra e deixado o trabalho na área urbana para reforçar o efetivo de 185 homens especializados em incêndios florestais que hoje integram a Operação Verde Vivo.
Até agora, as áreas mais afetadas pelo fogo estão localizadas em Sobradinho, Planaltina, Gama, Taguatinga e Brazlândia, que ficam mais próximas a chácaras. Uma das maiores preocupações dos bombeiros é evitar que o fogo atinja Áreas de Preservação Ambiental, mas ainda assim controlar as chamas não tem sido uma tarefa muito fácil. Em menos de 24 horas, dois incêndios de grande proporção na área de Sobradinho mobilizaram mais de 60 homens do Corpo de Bombeiros. No último domingo, próximo à Torre de TV Digital, na DF-001, o cerrado perdeu cerca de 200 hectares, o equivalente a 200 campos de futebol de fauna e flora. Ontem pela manhã, os bombeiros sequer tiveram tempo de medir os estragos causados. Por volta das 10h, a equipe de 30 homens teve de se apressar para tentar controlar um incêndio que ameaçava destruir casas de chacareiros às margens da DF-440, a poucos quilômetros a área afetada na noite anterior.
Moradores acreditam que pessoas mal-intencionadas possam tem ateado fogo na região. ;O fogo não começa do nada. Alguém deve ter iniciado;, acredita a empresária Denise Lopes Rodrigues, 50 anos. Ela estava em Sobradinho quando recebeu um ligação desesperada da mãe, Enilza Lopes Rodrigues. ;Eu vi o fogo perto de casa e comecei a tremer. Fechei a porta e fiquei dentro. É triste ver tudo queimando assim;, disse a chacareira. Denise lembra que telefonou mais de cinco vezes no 193 para pedir ajuda, mas o socorro demorou para chegar. ;É muito foco para pouca mão de obra. Brasília, pelo cerrado que é e pela secura que tem, deveria ter mais cuidado e aumentar o efetivo. O pior de tudo é a sensação de impotência que nós ficamos diante dessa situação;, desabafou a empresária.
185 homens
No início deste mês, o Correio publicou com exclusividade reportagem mostrando que o Corpo de Bombeiros atua com apenas 54% do contingente determinado em lei. São 5,3 mil homens, mas a Lei Federal n; 12.086, de 6 de novembro de 2009, estipula uma tropa de 9.703 militares, proporcional à população do DF. Segundo o coronel Paulo Roberto, chefe da comunicação social dos bombeiros, o efetivo de combate a incêndio é de 185 homens por dia, suficiente para atender a demanda. Ele ressalta, no entanto, que este ano o quadro está mais complicado. Atualmente, a corporação não conta com nenhuma aeronave específica de combate a incêndios.
Ontem, um helicóptero equipado com macas e equipamentos de ressuscitação ; utilizado para o transporte de pessoas feridas em acidentes automobilísticos graves ; precisou ser adaptado para ajudar a conter as labaredas. A preocupação é também evitar que focos de incêndios cheguem em a Áreas de Preservação Permanente (APPs). Em 2007, no período da seca, ocorreu o maior incêndio da história da capital. O fogo consumiu mais de um terço dos 30 mil hectares do Parque Nacional de Brasília. Mais de 500 bombeiros foram convocados para debelar o fogo.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), já são 81 dias sem chuva no Distrito Federal. A sensação térmica tem aumento na capital federal, porém, a umidade relativa do ar se manteve na média de 27% com temperatura variando entre 27; e 28;.
Baixa umidade castiga a capital
>> Luiz Calcagno
O calor e a baixa umidade do ar no DF pedem uma série de cuidados. Entre outras medidas, especialistas recomendam a ingestão de muita água e alertam sobre os perigos da prática de exercícios entre 10h e 17h. De acordo com a meteorologista do Instituto nacional de Meteorologia (INMet) Morgana Almeida, quando a umidade do ar está abaixo dos 30% a condição climática é considerada crítica, o que requer muita atenção. Ontem, a taxa mais baixa foi de 27%, quando a temperatura atingiu 27.6;C.
A doméstica Gracijane Lopes Rosário, 36 anos, moradora de São Sebastião, garante estar atenta para os perigos da seca e vem adotando medidas para garantir a saúde do filho, o pequeno Jeferson Lopes Rosário, 9. ;O pior são os sangramentos nasais. Meu nariz e o do meu filho sangram muito nessa época do ano;, queixa-se.
No entanto, para mãe e filho, o clima típico desta época do ano também tem pontos positivos. Eles garantem que é neste período que tomam mais refrigerantes, sucos e abusam do sorvete. ;De dia, não sofro muito, mas, à noite, preciso tomar remédio, e fico com o nariz muito entupido;, revela o garoto. Além de Gracijane e Jeferson, trabalhadores que desmontavam um palco instalado na Ermida Dom Bosco para uma competição de skate realizada no último fim de semana também sentiram o calor e a baixa umidade registradas na tarde de ontem.
Cuidado redobrado
Este ano, 18 de julho registrou a menor umidade relativa do ar, apenas 15%. No último dia 10, o INMet registrou 16%. A umidade mais baixa do DF foi registrada em 4 de setembro de 2004, quando a umidade do ar chegou a 10%. ;A umidade é ecologicamente normal para essa época do ano. O clima daqui é tropical de savana, com chuvas no período de verão que começa em dezembro e período seco bem definido, geralmente de maio a setembro;, explica Morgana.
Para Saulo Rodrigues, professor de mudanças climáticas do programa de pós-graduação em desenvolvimento sustentável da Universidade de Brasília, há possibilidade de que a seca no DF tenha piorado nos últimos anos. Segundo ele, a expansão agrícola no cerrado(1) é um dos principais responsáveis pela aceleração e intensificação dos efeitos do período sem chuvas. ;A seca anual que incomoda a população de Brasília é intensificado pela ocupação desordenada do solo e pelo desamamento do bioma nas áreas rurais. Existem fundamentos científicos que apoiam essa tese;, garante.
1 - Bioma brasileiro
O cerrado é um dos seis biomas brasileiros e abrange principalmente o Planalto Central do país, com uma área de aproximadamente 2.045.064 km;. Uma das principais características da vegetação são as árvores baixas e retorcidas. O clima nessa região é caracterizado por duas estações: verão quente e chuvoso, e inverno frio e seco.