[FOTO2]O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) instalou pelo menos 112 barreiras eletrônicas sem a realização prévia de um estudo técnico que comprovasse a necessidade de cada um dos equipamentos. Documentos obtidos com exclusividade pelo Correio revelam que a direção geral e a Diretoria de Segurança de Trânsito (Dirset) do órgão foram alertadas sobre a irregularidade e, mesmo assim, nada fizeram.
A denúncia é relatada em um memorando datado de 13 de julho passado, elaborado pelo Núcleo de Sinalização e Manutenção de Equipamentos Eletrônicos (Numeq). Consta no documento que os 112 medidores de velocidade do contrato firmado em 2009 com a empresa Perkons não possuem estudos técnicos comprobatórios de sua necessidade. E não seriam os únicos. Nem todas as demais barreiras contratadas em 2006 teriam a justificativa técnica. Nas últimas linhas do texto, chama a atenção um trecho da denúncia: ;Cabe ressaltar que este núcleo (;) por diversas vezes tentou alertar a Dirset e a Direção Geral sobre o assunto, não tendo suas solicitações atendidas;.
A reportagem do Correio apurou que somente no mês passado o Detran pagou aproximadamente R$ 1,1 milhão pelas 112 barreiras colocadas sem o estudo exigido por lei. O custo anual chega a R$ 13,2 milhões. Na avaliação de José Leles de Souza, doutor em engenharia de transportes, a falta de justificativa da necessidade do medidor de velocidade dificilmente implica risco para a segurança de motoristas e pedestres, mas pode significar desperdício de dinheiro. ;O estudo evita que os governos gastem dinheiro colocando equipamento onde não precisa. Com isso, esses equipamentos acabam se transformando em meros instrumentos arrecadadores de multas;, afirma o especialista.
Os requisitos técnicos mínimos para a fiscalização de velocidades de veículos foram definidos há sete anos pela Resolução n; 146/2003, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran)(1). Professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques concorda que a falta do estudo não implica riscos para o cidadão. Mas adverte que a justificativa é um item de segurança. ;As barreiras são colocadas para reduzir a velocidade dos motoristas em determinado ponto da via. Se o governo não sabe o motivo da redução, não há por que colocar um equipamento desse;, critica.
Como nada disso foi feito, o Numeq pede esclarecimentos à Gerência de Engenharia, responsável pela execução do contrato com a empresa que fornece e mantém os equipamentos. No documento com data de 24 de maio deste ano, o Numeq informa que ;não tem feito o acompanhamento da execução do tal contrato no que diz respeito à escolha das cidades/bairros, os estudos técnicos e a definição de localização dos pontos para a instalação dos equipamentos tipo barreira eletrônica; por definição do executor do contrato, que teria delegado tais funções a uma pessoa não lotada no núcleo.
Em um documento datado de 22 de junho, a Gerência de Engenharia responde ao Numeq que ;a escolha dos locais de implantação, bem como a localização dos pontos, foi feita antes da licitação, constando do projeto básico. Os estudos complementares estão sendo elaborados pelo Numeq, conforme minha determinação, enquanto gerente de engenharia;.
Investigação
A falta do estudo só veio à tona em meados de julho deste ano, quando a Diretoria de Segurança de Trânsito solicitou o levantamento à Gerência de Engenharia do Detran. Ao receber a resposta de que ele não existia, a irregularidade foi comunicada ao então diretor-geral, Geraldo Nugoli, em documento datado de 19 de julho. Dois dias depois, Nugoli deu um despacho à mão determinando à Corregedoria do órgão que apurasse o fato e à Dirset que viabilizasse os estudos técnicos das barreiras, conforme determina a legislação de trânsito.
Na última segunda-feira, a denúncia foi formalizada no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pela Diretoria de Segurança de Trânsito do Detran, chefiada por Silvain Fonseca. Ao ser procurado pela reportagem, Fonseca preferiu não entrar em detalhes. A Gerência de Engenharia está subordinada à Diretoria de Trânsito, chefiada por Fonseca há três meses. Os fatos denunciados ao MP ocorreram antes de ele assumir o cargo. ;A decisão de levar ao conhecimento do Ministério Público teve a anuência da direção geral. O Detran já tomou as providências para garantir o bom funcionamento da engenharia de trânsito, mas também quer a apuração de um órgão externo e independente;, resumiu.
Os documentos foram endereçados diretamente à procuradora-geral de Justiça, Eunice Pereira Amorim Carvalhido. O Ministério Público informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os documentos estão com a chefia de gabinete da procuradora-geral e, após análise, serão distribuídos para a promotoria competente. No documento Irregularidades no âmbito da Gerência de Engenharia do Detran, a Dirset informa já ter concluído 60% dos estudos técnicos das barreiras com servidores do próprio órgão.
Sobre a falta de estudo para a implantação das barreiras eletrônicas, a assessoria de imprensa da Perksons ; empresa responsável pelos equipamentos ; informou que cumpre ordem de serviço do Detran desde 21 de setembro de 2009. E que o estudo técnico determinado pela Resolução n; 146 do Contran é anterior à assinatura do contrato com a empresa e, portanto, não tem qualquer responsabilidade pela sua elaboração.
Semáforos fantasmas
Na mesma denúncia de irregularidades nas lombadas eletrônicas entregue ao Ministério Público há o relato de cancelamento do processo de licitação para contrato emergencial de manutenção dos semáforos do Distrito Federal. Há cerca de um mês, descobriu-se que no projeto básico ; elaborado pela Gerência de Engenharia do Detran e sobre o qual as empresas calculam o valor do serviço ; constava a existência de 4.132 postes de semáforos, espalhados em 451 cruzamentos. No entanto, na realidade existem 1.369 semáforos e 447 cruzamentos. (1)
A discrepância de informações foi considerada grave e o Detran decidiu anular a licitação e começar o processo do zero. Na denúncia entregue ao MP, o órgão explica que a decisão foi necessária ;visto que a empresa Sitran Comércio e Indústria de Eletrônica Ltda., que foi a vencedora da licitação quando apresentou a sua proposta de preços, se baseou na quantidade informada pelo Detran, elevando com isso os valores da prestação do serviço. Decerto os valores poderiam ser menores, caso, evidentemente, a quantidade de postes e semáforos fosse a que existe de fato;, descreve a denúncia. Ainda de acordo com o documento, há que se considerar um possível ato de favorecimento e não apenas um erro de digitação.
Procurada pela reportagem, a Sitran não retornou as ligações. A secretária da direção da empresa informou que o diretor comercial estava fora de Brasília e passou o número do telefone celular do diretor técnico operacional. No entanto, ele também não retornou os recados gravados em sua caixa de mensagem.
Por meio da assessoria de imprensa, o atual diretor-geral do Detran, Francisco Saraiva, ressaltou que tomou posse na última segunda-feira e soube das denúncias entregues ao MP dois dias depois. Saraiva garantiu que vai acompanhar a apuração dos fatos e tomar as providências necessárias para sanar as possíveis irregularidades.
1 - O que diz a lei
A Resolução n; 146/2003 do Contran atribui à autoridade de trânsito determinar a localização, a sinalização, a instalação e a operação dos instrumentos eletrônicos medidores de velocidade. E para determinar a sua necessidade, é necessário um estudo técnico que contemple, no mínimo, o número de pistas da via; se há trânsito de pedestre e ciclista; a velocidade do trecho; o número de acidentes nos seis meses que antecedem o início da fiscalização; a descrição dos fatores de risco da via e o histórico das medidas de engenharia adotadas antes da instalação do equipamento.