Jornal Correio Braziliense

Cidades

Educação financeira entra nas salas de aula de escolas públicas do DF

Colégios começam a ensinar os alunos a lidar com dinheiro e, principalmente, a poupar. Projeto, inédito no DF, teve início esta semana em 19 instituições de ensino

Tão difícil quanto controlar os hormônios dos jovens é conter o impulso consumista deles. A mesada, para os que a recebem, quase nunca consegue atender a tantos desejos: celular da moda, roupa de marca, guloseimas na hora do recreio, baladas nos fins de semana. Para ensinar a garotada a gastar ; e a poupar, principalmente ;, escolas públicas do Distrito Federal deram início esta semana a um projeto de educação financeira. Alunos do ensino médio serão provocados a refletir sobre seus gastos e terão a chance de aprender noções básicas de investimento.

A iniciativa, inédita na rede pública do DF, faz parte de um programa que pretende levar o tema financeiro para as salas de aula de todo o país. A Secretaria de Educação vai testar a metodologia em 19 escolas ; três no Plano Piloto e o restante em 10 cidades do DF. Uma turma em cada unidade de ensino foi escolhida para servir de modelo. O conteúdo de educação financeira será diluído em disciplinas como matemática, inglês e informática. De início, 711 estudantes, a maioria entre 15 e 16 anos, participarão de atividades relacionadas ao tema até o fim do ano que vem.

Terminada essa primeira fase, a experiência passará por uma avaliação e poderá ser adotada em todas as turmas, inclusive nas do ensino fundamental. ;Depois que analisarmos os resultados dessa etapa e corrigirmos possíveis falhas, a ideia é envolver toda a rede pública;, comenta a diretora de execução de políticas e programas educacionais da Secretaria de Educação, Sandra Tiné. O desempenho dos alunos no projeto não terá qualquer efeito nos boletins. ;Queremos somente dar a esses jovens a oportunidade de cuidarem das próprias finanças de maneira responsável;, diz Sandra.

Para medir o grau de conhecimento dos estudantes sobre o tema, um questionário com 128 tópicos está sendo aplicado desde a última segunda-feira nas turmas escolhidas. Uma outra pesquisa com 37 perguntas relacionadas a orçamento doméstico deverá ser preenchida pelos pais. A partir de setembro, de posse de todas essas informações, os 27 professores da Secretaria de Educação treinados para atuar no projeto começarão a abordar a educação financeira em sala. O material didático desenvolvido pelo Instituto Unibanco servirá de apoio durante as aulas.

Gastos
No Centro Educacional Gisno, na 907 Norte, a turma do 2; A (ensino médio) parece animada com a ideia de aprender a lidar com o dinheiro. Geovana Santos, 16 anos, não ganha mesada, mas diz que gasta ;uns R$ 200; por mês. Nem sempre com coisas necessárias. ;Compro muita besteira na cantina. Às vezes, só pra passar o tempo, vou lá e pego algum chocolate;, confessa. Com as aulas de educação financeira, ela espera, no futuro, colocar em prática a teoria que já sabe: ;Não pode fazer dívida nem pegar muito empréstimo, tem que tomar cuidado com os juros e com o limite do cheque especial;.

Quem terá a missão de ensinar as artimanhas das finanças pessoais a Geovana e a seus colegas de classe é o professor Luiz Fernando Santos, há 11 anos na rede pública. ;A maioria deles não sabe administrar o dinheiro que ganha. Percebemos um consumo desenfreado nas roupas que usam, nos celulares, na hora do lanche;, comenta Santos, que incentivará os alunos a transmitirem para amigos e familiares os ensinamentos. ;A escola fará sua parte. Mas os pais também são responsáveis pela consciência financeira dos filhos;, completa o professor.

Todo mês, Jefferson Silva, 16 anos, recebe dos pais, no mínimo, R$ 100. O dinheiro é gasto quase todo nas idas ao shopping ou à Feira dos Importados. ;Compro roupa, filmes, lancho;;, enumera o adolescente. ;Acho que às vezes exagero;, reconhece ele, que ganha mesada desde os 13 anos. Desde então, conseguiu juntar pouco mais de R$ 100. O objeto de consumo do momento de Jefferson é um videogame, que custa R$ 1,2 mil. Para comprá-lo, ele sabe que precisará economizar. ;Essas aulas de educação financeira vão me ajudar a ter mais consciência;, acredita.

Supervisora pedagógica do Gisno, a professora Glacione Maria de Lima defende que o projeto se estenda ao ensino fundamental. ;Muitos deles já crescem sem conseguir estabelecer prioridades. Quanto mais cedo a escola começar a tratar do assunto, melhor;, diz. O diretor da unidade de ensino, Sebastião Brabo, professor de matemática, sustenta que as aulas de educação financeira representam um avanço na rede pública. ;Se a escola precisa preparar os alunos para a vida, ensiná-los a cuidar das finanças faz parte desse processo;, comenta.

;A maioria deles não sabe administrar o dinheiro que ganha. Percebemos um consumo desenfreado;
Luiz Fernando Santos, professor do Gisno

O número

711 - Total de estudantes que vão participar desta primeira etapa do programa


Palavra de especialista
Questão de cultura

;Falta no Brasil uma cultura financeira. Os alunos passam a vida escolar inteira aprendendo como ter uma boa profissão e como conquistar um salário legal, mas quando alcançam esse objetivo, não têm a menor ideia do que fazer com o dinheiro. Não é raro encontrarmos gente com salário mensal de R$ 10 mil ou R$ 20 mil e com dívidas bobas acumuladas. Grande parte dos problemas financeiros existe por falta de orientação desde cedo. Os estudantes precisam, ainda na escola, aprender a investir e a planejar. Se eles aplicarem corretamente o dinheiro de um refrigerante desde o ensino médio, por exemplo, podem terminar a faculdade com o primeiro carro pago. O problema é que quando se fala em ações, as pessoas tendem a achar que é coisa de outro mundo ou que seja necessário ter muito dinheiro para começar. Para mudar essa cultura cheia de vícios, só com muita informação e projetos como esse;.

Luciano Miranda, sócio da AçãoDall;oca, empresa brasiliense vinculada à XP Investimentos Corretora de Valores


Eu acho...

;Não sei nada sobre cartão de crédito, sobre esse tal de cheque especial, juros de não sei quantos por cento, essas coisas. Confesso que sou meio alienada nesse assunto, sabe? Em casa, às vezes meus pais falam nisso, eu finjo que entendo, mas não entendo nada. Aprender essas coisas vai ser interessante porque um dia vou ter que mexer com isso;.

Izabela Boreli, 16 anos, aluna do 2; ano do ensino médio, moradora do Guará



;A gente é adolescente, né? Então a gente gasta muito e tal. Eu mesmo sou muito gastador e sei pouco sobre essas coisas de poupar. Quando quero uma coisa cara, gasto tudo o que tenho com ela. Acho que essas aulas vão ser legais porque sem dinheiro não dá pra viver. Mas se não souber usar direito (o dinheiro), você se ferra;.

Mateus Rocha, 16 anos, aluno do 2; ano do ensino médio, morador de Vicente Pires