Jornal Correio Braziliense

Cidades

Moradores de Sobradinho e Planaltina se unem para aflorar talentos

Grupo que pretende divulgar habilidades e revelar potenciais até então desconhecidos. Ideia dos organizadores é descentralizar a vida cultural de Brasília

Artistas, donas de casa, empresários, religiosos, poetas e músicos de Planaltina e de Sobradinho resolveram se unir para mostrar as belezas culturais da região serrana, até então pouco conhecidas. O grupo, intitulado Movimento Brasiliense das Serras, ainda engatinha: a primeira reunião foi há dois dias. Mesmo assim, o entusiasmo já faz parte da turma que pretende atrair o maior número de componentes até o fim do ano. A ideia é juntar todas as características do comportamento dos moradores locais ; como jeito de falar, de se vestir e as preferências gastronômicas ;, com o objetivo de promover atividades artísticas para integrar o calendário de festejos. A partir dessas ações, a expectativa é de valorizar a diversidade cultural e atrair turistas para as localidades serranas.

Os integrantes do movimento incluem, por enquanto, um vendedor de água de coco, dançarinos de música folclórica e de hip-hop e uma dupla de cantores de música gospel composta por pai e filha. O idealizador do projeto é o consultor financeiro Francisco Lacerda de Alencar, 48 anos. Há cerca de um ano, ele deixou a Asa Norte para desfrutar do aconchego de Sobradinho I e começou a ver a cidade com outros olhos, em cima do potencial que ela tem a oferecer. Para ele, a localidade é pacata. ;Sobradinho tem comportamento interiorano e provinciano. É bem diferente das demais. Os vizinhos são amigáveis uns com os outros e acolhem as pessoas que vêm de fora. Os moradores daqui chegam a levar um desconhecido ao endereço ao qual ele quer ir. É um comportamento de metrópole e ao mesmo tempo uma cidade muito gostosa de morar;, avaliou.

Diversidade
Francisco fala de Sobradinho como alguém que se encantou com as peculiaridades locais: ;Fiquei admirado com o jeito de ser da cidade. Quem mora em Sobradinho é o brasiliense das serras. Várias empresas da região adotaram o conceito, usando nomes como Panificadora Serra, Autoescola Serrana, Supermercado Serrano. Isso é muito interessante;. Para ele, cada região administrativa tem uma característica própria, mas com potencial ainda escondido. ;Nós brasilienses sabemos que, mapeando a cidade sob a ótica de identificação cultural, vamos encontrar várias brasílias. Existe a nordestina em Ceilândia, a carioca no Cruzeiro, a moderna e urbanoide no Plano Piloto, a bucólica e pós-colonial em Planaltina, a chiquérrima no Sudoeste e por aí vai.;

A criação do Movimento Brasiliense das Serras é justamente uma tentativa de unir todos os artistas e pessoas inovadoras da região serrana para expor as qualidades locais. O vendedor de cocos José Roberto Melo Machado, 45 anos, não perde tempo quando o assunto é reciclar. Morador de Mestre d;Armas, em Planaltina, ele resolveu montar uma cooperativa de reciclagem para transformar o coco vendido normalmente em quiosques e à beira das estradas em verdadeiras obras de arte. ;Um coco demora mais de 10 anos para se decompor, mas nós podemos usar a matéria- prima para fazer mais de 40 produtos, que vão desde o substrato agrícola até a fabricação de um móvel;, explicou.

Também em Planaltina vive Weberth Firmino dos Santos Araújo, um jovem de 22 anos. De aparência simples, Weberth, quase ninguém imagina, é nada mais nada menos que o campeão do Centro-Oeste de break, modalidade do hip-hop. Mesmo com o título, ele avalia que falta incentivo e valorização da dança por parte do Governo do Distrito Federal. ;Está faltando um centro onde as pessoas possam expor seus trabalhos. Se todo mundo se unir, é uma chance que temos para mostrar a cultura nas nossas cidades.;

Descentralização
Entre as propostas, destaca-se a de descentralizar os meios culturais, atualmente concentrados no Plano Piloto. ;Fora do Plano Piloto não há olhar. Queremos mostrar que estamos vivos;, desabafou Francisco Lacerda. Em Sobradinho, pai e filha também caminham juntos para desenvolver a cultura na cidade. O policial civil Hélio das Chagas, 47 anos, e a filha Polyellen das Chagas, 22, enveredaram pela música gospel. Ele canta desde os 15 anos e ela desde quando tinha apenas cinco. ;Temos muitos talentos escondidos e precisamos ocupar a mente desses jovens, porque as drogas estão aí. A música e a arte são uma terapia;, defendeu Hélio. Inspirados no Clube da Esquina, grupo musical de Belo Horizonte (MG), integrantes do movimento têm ainda o sonho de gravar um CD reunindo compositores e cantores das regiões administrativas.

Se tudo der certo, o grupo de cacuriá, uma dança típica de São Luís do Maranhão, espera aumentar o número de apresentações mensais, que hoje variam de três a quatro pelo DF. Há 18 anos em Brasília, o músico Cristiano Olímpio, 28 anos, luta para conseguir patrocínio, assim como os dançarinos Sara Formiga, 23, e Walber Vinícius Olímpio, 14. ;A maioria dos grupos artísticos tem que sair da cidade onde mora para fazer apresentações, e muitas vezes é sustentada com ajuda das pessoas de fora. Seria muito legal se houvesse boa vontade política para incentivar os artistas. A cidade ganha e os moradores também;, defendeu Cristiano.


Como participar
; Quem quiser participar do Movimento Brasiliense das Serras deve encaminhar e-mail para brasiliensedasserras@gmail.com.


Curiosidade
O nome Sobradinho originou da existência de um velho cruzeiro de madeira rústica, erguido bem antes de 1850, às margens de um ribeirão existente na fazenda. Em um de seus braços foram construídas duas casinhas de joão-de-barro, sobrepostas como casas simples de dois pavimentos: um pequeno sobradinho. Na época, esse fenômeno atraía a atenção dos viajantes, que passaram a tomá-lo por referência com o título de Cruzeiro do Sobradinho. A engenhosidade do joão-de-barro inspirou o nome, que ficou consagrado devido à tradição local e aceitação popular.