A Justiça proibiu a Câmara Legislativa de contratar funcionários até que a Casa resolva suas pendências financeiras com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Interessados em aumentar o exército de cabos eleitoreis, os deputados chamaram, a partir de fevereiro deste ano, 591 servidores comissionados, quando o órgão já estava impedido de gastar com pagamento de pessoal. A imprudência foi denunciada pelo sindicato que representa os trabalhadores do Poder Legislativo (Sindical) e reconhecida em liminar concedida pelo juiz Álvaro Luis Ciarlini, da Segunda Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal.
Em reportagem publicada no último dia 30, o Correio antecipou a situação da Câmara Legislativa que, segundo entendeu Ciarlini, está em desconformidade com regras impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. De acordo com as normas voltadas para gestores públicos e criadas com o objetivo de evitar o desequilíbrio nas contas do governo, o Poder Legislativo, formado pela Câmara e o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), pode gastar até 3% da Receita Corrente Líquida(1) (RCL) com pagamento de pessoal.
Respeitando a proporção estabelecida no Artigo 41 da Lei Distrital n;4.356 de 2009, ficou definido que a Câmara poderia usar limite de 1,7% das despesas da RCL com contracheques de funcionários. O restante, 1,3%, é o teto aplicado ao próprio Tribunal de Contas. O último relatório de gestão do Distrito Federal a que se tem acesso público revela um descontrole: a Câmara atingiu 1,74% no percentual possível para a quitação dos compromissos com servidores, o que transformando em cifras, significa R$ 4,1 milhões além do permitido por lei para despesas com pessoal.
Sinal amarelo
No início do ano, o sinal amarelo da LRF já piscava para a Câmara. Naquela época, o balanço referente ao último quadrimestre de 2009 demonstrava que a Casa havia ultrapassado o chamado limite prudencial. Nesses casos, a LRF prevê em seu Artigo 22 (inciso IV) que a administração pública estanque de imediato as contratações e tome medidas no caminho inverso ao dos gastos com funcionários, tendo como objetivo retomar o equilíbrio financeiro.
;Convém insistir que já havia sido constatado pela própria Câmara, em 1; de fevereiro, que o limite prudencial de 1,62% tinha sido ultrapassado. Como bem assinalado nos autos, não foi observada pela nossa valorosa casa legislativa a vedação expressa da lei;, diz o juiz de direito, que detalha a seguir o impedimento: ;A partir de 1; de fevereiro, marco inicial do quadro de desconformidade ora relatado, estavam terminantemente proibidos o ;provimento de cargo público, a admissão ou a contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;;.
Ao elaborar a ação popular, o Sindical tinha duas intenções. A de brecar imediatamente as contratações e pedir à Justiça que reveja a contratação de servidores comissionados desde fevereiro, quando a LRF já não permitia novas admissões. A ação popular elaborada pela área jurídica do sindicato, no entanto, restringiu a petição de liminar à interrupção das contratações e pediu à Justiça que analise a exoneração dos 591 funcionários comissionados em questão de mérito. O Sindical é autor de proposta para reestruturar a área administrativa da Câmara, transferindo funções hoje atribuídas aos comissionados a servidores de carreira. A medida, segundo defende o sindicato, seria suficiente para redução em até 70% dos gastos com pessoal nesse setor, hoje da ordem de 1,9 milhão ao mês.
1 - Referência
É o volume de dinheiro arrecadado pelo governo durante um ano. É com base nesse total de recursos que se baseia a Lei de Responsabilidade Fiscal para efeito do cálculo de limites de gastos com pagamento de pessoal.
O número
R$ 106 milhões - Total gasto com a construção da nova sede da Câmara Legislativa
Defesa é preparada
>>Luísa Medeiros
Apesar de a Câmara Legislativa ainda não ter sido notificada pela Justiça sobre a liminar, a área jurídica da Casa já trabalha no recurso contra a decisão que suspendeu a nomeação de funcionários comissionados. Para sustentar a peça de defesa, a Procuradoria-Geral da instituição pediu ontem uma certidão à Secretaria de Fazenda do DF que, segundo a Câmara, atestaria o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no segundo quadrimestre desse ano.
De acordo com o procurador Fernando Nazaré, o índice de 1,74% registrado em abril, que mostrou o estouro dos gastos com pessoal, não deverá ser repetido no fim deste mês, quando fecha o relatório de gestão fiscal que leva em consideração as contas a partir de maio. Ele disse que, até agora, a Câmara gastou o limite de 1,68% da receita corrente líquida com pagamento de funcionários. ;A certidão atesta a receita líquida do DF e, com base nisso, a Câmara vai mostrar que está abaixo do índice estabelecido pela lei;, afirmou.
Os argumentos que serão utilizados pela Casa para explicar os gastos vão desde a melhoria da arrecadação de impostos no período, motivada com o recebimento do IPTU e do IPVA pelos cofres públicos, à aplicação do programa de incentivo à aposentadoria. Segundo informações da Câmara, 20 pessoas já aderiram ao plano, que oferece vantagens ao servidor ao se aposentar.
O prazo de adesão se encerra em outubro. A previsão é de que, até lá, pelo menos 15 pessoas devem entrar no programa. Reportagem publicada pelo Correio no último dia 31 mostrou, no entanto, que o plano terá pouco impacto para a diminuição dos gastos com pessoal, já que o público atingido é pequeno em relação à quantidade de servidores contratados no período de crise financeira.
Fernando Nazaré disse ontem que a decisão do juiz Ciarlini é ;equivocada; porque não leva em consideração os gastos com pessoal computados pelo TCDF, que, somados com os da Casa, não podem extrapolar o limite de 3%. ;A decisão foi tomada com base num suposto estouro do limite da lei fundamentado no fato de que a Câmara estaria gastando acima de 1,70%. O juiz deveria ter verificado se o percentual de 3% está ultrapassado;, afirmou.
Para saber mais
Regras são mais rígidas
Além de ser o último ano de mandato em cargos políticos no Legislativo e no Executivo locais, 2010 é marcado pelas eleições. As regras da LRF e da legislação eleitoral são mais rígidas neste período. Desde 5 de julho, por exemplo, está proibido o aumento de despesa de pessoal. Os dirigentes públicos que descumprirem as normas comprometerão as contas do governo para o próximo exercício. A herança negativa proíbe o novo governante a conseguir empréstimo, assinar contratos, receber transferências voluntárias, entre outras restrições. Caso seja detectada alguma irregularidade, o dirigente fica impedido de se candidatar e corre o risco de responder pelo crime de improbidade administrativa.
As sanções ocorrem, no entanto, ao fim do ano fiscal. Até lá, a Câmara Legislativa pode corrigir o excedente de gastos na folha de pagamento de pessoal referente ao primeiro quadrimestre de 2010. Pela regra, a Casa terá que reduzir pelo menos um terço do índice de 1,74% já no segundo quadrimestre. A Casa adota medidas de contenção de despesas, como a implantação de um plano de incentivo à aposentadoria. Os gastos com inativos não entram na folha.