Jornal Correio Braziliense

Cidades

Plano Piloto lidera queixas de estelionato por dia

A área nobre registra mais de 30 casos de estelionato por dia. Taguatinga aparece em segundo lugar nas estatísticas da Polícia Civil

O Plano Piloto lidera com folga a incidência de registros de vítimas de estelionatários no Distrito Federal. A cada dia, pelo menos 10 pessoas procuram as três delegacias da região (Asa Sul, Asa Norte e área central de Brasília) para fazer ocorrências de golpes. Só em 2009, foram 3.774 casos contra 2.851, de 2004. Um crescimento de 923 novos casos.

Mas a realidade é ainda pior, segundo a titular da Delegacia de Roubo e Defraudações, Ivone Rosseto. ;Estimo uma média de mais de 60 casos por dia;, afirma. ;As pessoas têm registrado mais casos. É importante estimular as ocorrências porque dá uma noção de onde está o crime, de onde ele parte. No caso de Brasília, deve-se levar em consideração que a maioria das pessoas trabalha na área central e, portanto, é mais fácil registrar perto do trabalho. Nem todos foram enganados no Plano Piloto;, explica.

No ranking desse tipo de crime, a segunda cidade é Taguatinga. A economia independente e o alto índice populacional da região administrativa explicam os números. ;Algumas modalidades acontecem onde as pessoas têm mais condições financeiras. Os casos de clonagem de cartão bancário, por exemplo, são maiores no Plano Piloto;, aponta a delegada. ;Já as ocorrências de prêmios promocionais estão nas localidades mais distantes.;

Morador de Riacho Fundo II, Clésio Andrade interessou-se por um carro ao consultar um anúncio. ;Achei atrativo. No dia seguinte, liguei no telefone indicado, falei com a pessoa e ela me disse que tinha um veículo do modelo e que já estaria reservado até as 14h do mesmo dia para outra pessoa. Mas ela pediu que eu retornasse a ligação. Passado o tempo de reserva, liguei para o vendedor. Ele informou que se eu adiantasse pelo menos a entrada já garantiria a compra;, relembra. Interessado no bom negócio, Clésio depositou a quantia de R$ 1,4 mil na conta do suposto vendedor, que teria se identificado como Paulo Sérgio. Depois, saiu de Brasília e seguiu até Ceres (GO) para pegar o novo automóvel.

A surpresa veio em seguida. ;Tentei ligar para o vendedor, mas não consegui. Quando ele finalmente atendeu o celular, reconheceu minha voz e desligou;, relata o comerciante. Indignado com a situação, ele resolveu ir até a agência onde homem mantinha a conta na tentativa de obter dados pessoais do golpista. ;Expliquei para o gerente da agência o que havia acontecido. Ele me disse que para me passar os dados da pessoa eu teria que assinar um termo de compromisso. Verifiquei que a conta era de Aparecida de Goiânia (GO). Fui enganado.; Clésio vai registrar a ocorrência para tentar reaver o dinheiro. Mas duvida que consiga.

Lista telefônica
Vítima de um novo golpe na praça, o da lista telefônica, a fisioterapeuta Luísa (nome fictício), 31 anos, está preocupada com as 12 parcelas de R$ 398 de um contrato que não assinou, mas que está em seu nome. Em 22 de julho, ela recebeu uma ligação de uma empresa que oferecia o serviço gratuito de divulgação do estabelecimento comercial na lista telefônica. ;Recebi um fax, mas os dados vieram incorretos e reenviei com as informações certas. Dessa forma, fizeram um contrato cobrando o serviço que, até então, era de graça. Recebi dois boletos bancários falsos;, conta. Agora, ela tenta cancelar o tal contrato para não ter que arcar com as despesas.

Casos de estelionatos, geralmente, não resultam em morte. Porém, em junho, a servidora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Elzamir Gonzaga Silva, 44 anos, teria morrido após ser vítima do falso empréstimo. A polícia de Luziânia (GO) prendeu um suspeito de assassinar a pesquisadora à margem da BR-040.

;O estelionato é um crime diferenciado, quando o criminoso usa da sedução da fala para poder, de uma forma grosseira, atacar sua vítima;, explica a professora de psicologia jurídica da Universidade Católica de Brasília, Flávia Timm. ;A maioria dos golpes está ligada a dinheiro. É um jogo. É a estrutura do sistema que precisa ser mudada;, destaca.

"A maioria dos golpes está ligada a dinheiro. É um jogo"
Flávia Timm, pesquisadora da Universidade Católica

Sedução é arma

Simpático, educado e sedutor. Não faltam adjetivos para descrever um estelionatário. Com o domínio da palavra, ele convence você de que a negociação a ser fechada é a melhor opção para sua empresa. Com alguns minutos de prosa, seduz a fazer o jogo dele. Pagar contas, depositar dinheiro em contas bancárias desconhecidas ou até comprar lotes irregulares em locais inexistentes. ;Não há uma patologia específica para o estelionatário. Não é uma doença. Cada atitude depende da formação da personalidade;, explica o professor de psiquiatria da faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Raphael Boechat.

;Os estelionatários só têm o seu ponto de vista. Eles ignoram as legislações normais. Eles acham que as leis deles estão acima de todas as leis. Ele sabe que está cometendo um crime, mas se sente imune às punições legais;, explica o professor. Destemido, o golpista, geralmente, premedita os crimes. Ele estuda a vítima. Busca informações para convencê-la a acreditar nele. É um excelente articulador. E, no fim, lucra em cima da inocência das vítimas. ;Ele tem o dom da oratória (e do domínio da conversa), como um psicopata;, esclarece o professor Raphael Boechat.