Jornal Correio Braziliense

Cidades

Dos 36 produtos indispensáveis nas dietas de pacientes, 27 faltam na rede pública

No Distrito Federal, quase 2,8 mil pessoas dependem de alimento especial. Em nota, a Secretaria de Saúde informa que não há previsão para o abastecimento da rede

Mesmo com o amparo da Justiça, o aposentado João Batista Teixeira, 86 anos, não consegue ter acesso ao alimento especial de fibras que o mantém vivo. O produto, entre outros denominados especiais, está em falta desde março no Núcleo de Nutrição Domiciliar, da Secretaria de Saúde do DF, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). Para suprir as necessidades calóricas mensais, o aposentado consome 11 latas da dieta, cuja unidade custa R$ 70. Diariamente, a Defensoria Pública do DF impetra, em média, duas ações judiciais para obrigar o governo a fornecer os alimentos especiais a quem necessita.

Da lista de 36 produtos, 27 estão em falta. No DF, cerca de 2,8 mil pacientes dependem de dieta exclusiva para se manterem vivos. ;As pessoas não podem ficar sem esses alimentos. É uma alimentação que não pode ser substituída. Para muitas famílias a compra é inviável. Às vezes, mesmo ganhando bem,as famílias que não conseguem comprar. O estado não está conseguindo comprar por problemas administrativos, mas esses pacientes não têm nada a ver com isso;, disse o coordenador do Núcleo de Saúde da Defensoria Pública, Celestino Chupel.

Embargo

Em abril, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) suspendeu o processo licitatório de compra desses produtos. A Corte considerou que havia necessidade de esclarecimentos da Secretaria de Saúde, sobre os preços dos produtos a serem licitados. No último dia 15, o Tribunal liberou o processo licitatório dos alimentos, depois que secretaria cumpriu às determinações. A licitação está estimada em cerca de R$ 3 milhões. Em nota, a Secretaria de Saúde informou que está em andamento processo para compra de alimentos em falta. Porém acrescentou que não há previsão para o abastecimento da rede.

O alimento rico em fibras é a única fonte de nutrição de João. O aposentado sofreu em junho do ano passado um problemas de bronquiaspiração (quando o alimento ingerido pela boca percorre o trajeto errado e segue para os pulmões). Desde então, não pode comer arroz e feijão como qualquer brasileiro. A comida em pó é dissolvida na água e injetada diretamente no estômago dele via sonda (alimentação enteral). ;Todo cuidado é pouco para evitar contaminações e infecções. Preparar a alimentação em casa apresentaria um grande risco;, explica a mulher do aposentado, Gesa Torres Teixeira, 75 anos. No entanto, desde março, alimentar o marido virou uma tarefa difícil. ;O problema é que não é só a dieta. Tem a medicação, as fraldas geriátricas, sem contar as despesas normais de casa;, acrescenta.

Ação judicial

Em 28 de maio, a família de João recorreu ao Judiciário para receber o produto. Em 6 de junho último, o DF foi intimado a se posicionar sobre o pedido de tutela antecipada que garante ao aposentado a alimentação especial. A medida judicial não foi suficiente. ;Agora vamos entrar com uma ação de descumprimento;, garante Gesa. ;Isso é um absurdo. Muita gente deve estar morrendo porque não tem como custear esse tipo de alimentação, que é muito cara;. Para driblar a falta do produto nas prateleiras do Núcleo de Nutrição Domiciliar, Gesa passou a comprar um similar, mais em conta (R$ 15). ;Mas a nutricionista informou que ele tem menos calorias e nutrientes do que o outro;, comenta a mulher do aposentado. No início, João nãos se adaptou bem ao novo produto que está tomando há dois meses. ;Ele teve diarreia, e está visualmente mais magro;, diz a mulher. Ela gasta mensalmente com a alimentação exclusiva do marido R$ 450.

A cabeleireira Gabriela de Oliveira França, 34 anos, moradora de Samambaia Sul, vive um drama parecido com o da família Teixeira. Apesar de ter uma liminar da Justiça em mãos, a filha dela, Marina Vitória de Oliveira Lima de 3 anos e meio, não recebe o leite hidrolisado (sem lactose) do governo desde março. O produto é indicado pelos médicos como essencial à manutenção a vida da menina. ;Depois que começou a faltar, ela já perdeu cerca de três quilos. Já coloquei na Justiça. Ganhei a causa, entrei com duas ações de descumprimento e até agora nada;, desabafa a mãe. A menina tem refluxo gastro associado a distúrbio de deglutição (ato de engolir) severo, além de alergia alimentar múltipla (Marina não pode comer carne vermelha e nem alimentos derivados de leite e soja). A mãe que recebe R$ 800 por mês tem se desdobrado para não deixar faltar nutrientes à filha. Cada lata custa R$120. Para economizar o alimento, a cabeleireira passou a dar menos da metade das 165 gramas de leite recomendado. ;Ela vem apresentado quadro infeccioso associado com a perda de peso pela debilidade do sistema imunológico;, desabafa a mãe.

Para saber mais
Nutrição por sonda


A nutrição enteral é destinada a pessoas que precisam de alimento para fins especiais, como ingestão de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de composição definida ou estimada especialmente formulada e elaborada para uso por sondas ou via oral. É utilizada exclusivamente ou parcialmente para substituir ou complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas necessidades em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas. O paciente com um bom estado nutricional terá mais imunidade, menor índice de infecções clínicas, melhor cicatrização, menor risco de úlceras de pressão, e consequentemente, menor tempo de permanência hospitalar.

Fonte: Ministério da Saúde


O que diz a lei:

De acordo com a Lei Orgânica do DF, a saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais, econômicas e ambientais que visem o bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade e à redução do risco de doenças e outros agravo, ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, para sua promoção, prevenção, recuperação e reabilitação. O Estatuto do Idoso (Lei n;10.471/2003) assegura a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS). A legislação assegura aos maiores de 60 o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

Confira videorreportagem que mostra algumas das 2800 pessoas que tiveram seu fornecimento de alimentação especial cortado