;Como começamos um texto de memórias?;, questiona a professora de português Gabriela Maria de Oliveira. Um dos alunos grita, meio brincalhão: ;Era uma vez;. Gabriela contesta, paciente: ;Mas ;era uma vez; não é muito comum?; Outro sugere: ;Naquele tempo;. A professora, então, fica satisfeita: ;Ah! Podemos começar um texto de memórias com ;naquele tempo;;. E as duas palavras mancham o branco do quadro-negro.
O texto coletivo vai sendo escrito com outras sugestões, até que se conclui mais uma atividade da preparação para a Olimpíada da Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. O Centro Educacional 5, em Taguatinga Norte, onde Gabriela leciona, é uma das 373 escolas do Distrito Federal inscritas no programa, que faz parte do Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação, do governo federal. Em 2010, o projeto tem à disposição cerca de R$ 20 milhões, dos quais R$ 8 milhões vêm do Ministério da Educação (MEC) e o restante, da Fundação Itaú Social. Vão concorrer alunos do 5; ano do ensino fundamental ao 3; ano do ensino médio, matriculados em mais de 60 mil escolas públicas de todos os estados. Segundo a organização da olimpíada, foram inscritas 70,4% das instituições da rede pública do DF.
A professora Gabriela espera repetir o bom desempenho da última edição da Olimpíada, em 2008, quando uma estudante sob sua orientação, Suzianne Raquel do Nascimento, ficou entre os 500 semifinalistas da etapa nacional. ;A gente tem que fazer um trabalho de conscientização, mostrar para eles (os alunos) que a língua não é só a falada, nem a que usam na internet;, observa Gabriela. ;No computador, ;você; vira ;vc;, mas na hora de escrever não pode;.
O desafio é grande. Em uma das salas que margeiam o pátio adornado com retratos de Karl Marx e Nelson Mandela, Gabriela tenta evitar que a turma do 8; ano (antiga 7; série) se disperse em conversas paralelas. Ela diz que a maioria dos alunos tropeça na palavra escrita. ;O nível está bem ruim, eles não têm o hábito da leitura em casa;, reclama. Desde maio, a professora os ensina a redigir textos de memórias, gênero escolhido pela organização para os alunos dos 7; e 8; anos do ensino fundamental. Os outros gêneros da competição são poema, destinado aos 5; e 6; anos do fundamental; crônica, para o 9; ano do fundamental e o 1; do ensino médio; e artigo de opinião, para os 2; e 3; anos do médio.
Como o tema da olimpíada é ;o lugar onde vivo;, cada turma guiada por Gabriela escolheu um morador antigo de Taguatinga para ser entrevistado e ter suas recordações escritas pelos alunos na primeira pessoa do singular. Com nome de escritor famoso, Victor Hugo, 13 anos, é um dos mais ambiciosos. Ele quer figurar entre os melhores do país. ;Mas ainda falta estudar acentuação e outras coisas, para o texto não ter nada errado;, ressalva. O colega Júlio Jackson, com a mesma idade, diz que nem tinha ouvido falar desse tal texto de memórias, mas também está empolgado. ;Só quero fazer uma boa redação, se ficar entre as melhores da escola está bom;, comenta.
Metodologia
O Ministério da Educação enviou a todas as escolas públicas do país a Coleção da Olimpíada, que inclui um caderno com a metodologia de ensino a ser seguida pelo professor inscrito. ;Primeiro, ele deve fazer um diagnóstico em relação ao conhecimento de seus alunos sobre o gênero textual determinado para a sua série;, explica a coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Maria Tereza Antonia Cárdia. O órgão colaborou na elaboração do programa. ;O próximo passo é fazer com que os alunos conheçam aquele gênero até ter autonomia para produzir um texto, fazer sua revisão e reescrevê-lo;, complementa Maria Tereza.
O presidente do movimento Todos pela educação, Mozart Neves Ramos, aprova o projeto e defende que ele se estenda à rede particular. ;Nossa preocupação é com o futuro cidadão brasileiro, independente de estudar em escola pública ou privada;, argumenta. Na sua avaliação, porém, os resultados das duas redes teriam que ser considerados separadamente. ;Elas possuem históricos socioeconômicos diferentes. A gente tem que considerar que nosso sistema educacional não é equitativo no quesito qualidade.;
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Certame em cinco etapas
Criada em 2002, pela Fundação Itaú Social e pelo Cenpec, a olimpíada chega à sua segunda edição desde que foi adotada pelo governo federal, em 2007. A competição terá cinco etapas, iniciadas na própria escola, que seleciona um exemplar de cada gênero textual e tem até 16 de agosto para encaminhá-los à comissão julgadora local. As triagens vão se afunilando até chegar aos 20 vencedores nacionais, anunciados em novembro, em um evento em Brasília. A cada fase, são distribuídos prêmios como medalhas, livros e aparelhos de som portáteis. No final, as escolas dos ganhadores recebem dez computadores cada uma.
A competição ocorre a cada dois anos. O programa, porém, é ininterrupto e também oferece aos professores interessados cursos de formação presenciais e à distância. Segundo o coordenador-geral de Tecnologia da Educação da Secretaria de Educação Básica do MEC, Raymundo Machado, embora o projeto seja recente, os resultados já são visíveis. ;Há uma evolução na qualidade dos trabalhos enviados a cada edição da olimpíada;, avalia. As 60.120 mil escolas inscritas estão bem abaixo das 145 mil anteriormente previstas pelo MEC. Mesmo assim, ;a mobilização dos professores tem crescido bastante;, acredita Machado.