O evento reúne os maiores especialistas do mundo no assunto. A oportunidade de conhecer um pouco mais (ou muito) sobre o ;dono; do Plano Piloto surgiu com a exposição Lucio Costa ; arquiteto. As curvas do Museu da República tornaram-se a casa de Lucio Costa na cidade planejada por ele nos últimos meses. Um acervo completo de desenhos, rascunhos, vídeos e 19 maquetes conta a história do projetista do Plano Piloto ao visitante e ao mesmo tempo, inevitavelmente, mostra os passos do nascimento de Brasília.
São dois andares do museu nos quais é possível viajar nas ideias do arquiteto e urbanista e entender melhor por que Brasília é o que é hoje. É a quarta exposição organizada pelas filhas de Lucio Costa para manter viva a memória do pai. ;A intenção é dar voz ao Lucio. Fiquei impressionada com a recepção das pessoas. Elas ficam à vontade, vêm aqui para encontrar o Lucio. Antes, eu tinha a impressão de que ele era um marciano para os brasilienses. Tinha vindo de Marte, deixado o Plano Piloto e ido embora. Agora, ele está mais próximo;, afirmou Maria Helisa Costa, filha do urbanista. O local do evento, próximo à Rodoviária, também foi uma escolha pensada. ;Queria atrair gente comum e não só intelectuais. Ter contato com a obra dele faz bem à saúde.;
A intenção se concretizou. Pessoas de todos os estilos circulam pela exposição. Na tarde de ontem, o morador de Ceilândia Breno Augusto do Nascimento, 22 anos, cozinheiro, tirava fotos da cidade para mostrar à família quando se deparou com Lucio Costa ; arquiteto. ;Só o conhecia por reportagens. Agora sei que fez muito pela capital. Trouxe um amigo comigo que não sabia nada sobre Lucio Costa nem tinha entrado no museu;, disse. De 13 de maio a ontem, foram mais de 92 mil visitantes interessados em mergulhar no universo do idealizador do Plano Piloto. Diante de tamanho interesse, o momento se tornou oportuno para reunir experts internacionais em arquitetura moderna brasileira, urbanismo e, consequentemente, em Lucio Costa.
Logo no começo da palestra, um especialista revela ao espectador uma face do urbanista pouco conhecida pela maioria do público. Lucio Costa era um pensador. Assim como Gilberto Freyre e Mário e Oswald de Andrade ; de quem ele tem grandes influências ;, o arquiteto desenvolveu estudos sobre o Brasil e o povo brasileiro. Ao contrário do que alguns pensadores defendiam amplamente à época, Costa difundia a ideia de que as mazelas do Brasil não estavam relacionadas a questões raciais, mas à pobreza. ;Lucio estava afinado com o melhor da produção de sua época. Gilberto Freyre cita um trecho do pensamento do urbanista em Casa grande e senzala;, relatou o primeiro palestrante, Lauro Cavalcanti, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
As explanações dos convidados são a porta para várias descobertas. Um chamado para o conhecimento mais aprofundado sobre o homem que criou o Plano Piloto em meio ao nada. Quando se fala em Brasília ou em arquitetura moderna, o primeiro nome que vem à cabeça, muitas vezes, é o de Oscar Niemeyer. Poucos sabem que Lucio Costa foi mentor de Niemeyer e o percursor desse segmento no Brasil. Em 1930, Lucio Costa passou pela Escola Nacional de Belas Artes e revolucionou o currículo da instituição, formando uma nova escola. ;O novo mundo não está à direita nem à esquerda; Cabe ao espírito se elevar para alcançá-lo;, escreveu. O lema era preservar e renovar, tudo ao mesmo tempo.
Misturas de Brasília
Para compor Brasília ; cidade planejada seguindo os princípios do urbanismo moderno condensados na Carta de Atenas (1933)(1), ; Lucio Costa fez uma mistura chamada por Cavalanti de ;culinária antropófaga;. Pensou nos gramados ingleses, no barroco francês, em muros da China e na pureza de Diamantina (MG). Em busca de uma identidade brasileira, o arquiteto e urbanista estabeleceu o diálogo entre o moderno e o antigo. Não via necessidade de rupturas com as tradições. Alimentou-se do melhor de suas referências e criou algo totalmente novo. Sem imitações.
;Nenhum dos admirados por ele criou uma cidade;, observa Maria Helisa. A filha ressalta as qualidades do trabalho do urbanista. ;Meu pai não queria fazer algo com cara de moderno. Detestava a palavra modernista.; O resultado foi a Brasília única, que deixa à mostra a linha do horizonte. Nem tudo saiu como planejado. É preciso conhecer Brasília para entendê-la. Talvez por isso, quem não é daqui, de nascença ou de coração, às vezes estranhe a cidade. ;Com os 50 anos de Brasília, surge a oportunidade de reavaliar seu contexto original e fazer uma avaliação crítica. O sentimento diante da história da cidade é de vertigem. E se outro projeto tivesse sido escolhido, o que seria de Brasília agora?;, questionou o historiador e autor do livro Lucio Costa, da Editora Cosac Naify, Guilherme Wisnik.
O pesquisador lembrou os concorrentes de Costa. Em um dos projetos de Brasília que perdeu, havia até mesmo esteiras rolantes para pedestres nas ruas. ;Hoje, quem nasceu aqui vive os privilégios de trafegar com facilidade entre as escalas, acha tudo muito fácil e desfruta da qualidade de vida incomparável. Mas o forasteiro se perde e reclama por isso. Brasília é diferente de tudo. Mas ao olhar com olhos desarmados, percebe-se que Brasília já é uma cidade quase normal e não mais o oposto do Brasil. A cidade é como um animal vertebrado, cada parte faz sentido;, acredita.
Mundo
As atenções ao trabalho do urbanista vão além do Brasil. Entre os palestrantes internacionais estavam Martino Tattara, representante do Bergale Institute (na Holanda), um dos organizadores do debate Far;s el-Dahdah, da Rice University, nos Estados Unidos, e filiado à Casa de Lucio Costa, instituição mantida pela família Costa. ;Lucio Costa criou um novo vocabulário com as superquadras, a plataforma rodoviária, os eixos que se cruzam e deu novo sentido ao termo monumentalidade;, afirmou Tattara.
Em um ponto, todos os palestrantes concordaram: a Rodoviária do Plano Piloto é o coração de Brasília, o ponto máximo da articulação entre os eixos e os setores centrais. O técnico do Iphan e pesquisador da UnB Eduardo Rossetti dedicou anos de estudo à ;rodô;, como é chamada na intimidade. ;Lucio Costa pensou a plataforma rodoviária com mármores, que ainda estão lá. O mesmo material dos palácios;, disse.
A arquitetura do prédio do local de embarque e desembarque fascina. ;Dependendo do ângulo que você olhar, a Rodoviária não pode ser vista, desaparece. É um não edifício;, destacou Rossetti. É o centro do calor humano. ;A Rodoviária é ponto de partida de vários destinos, todo dia. O polo de vitalidade urbana latente. Não é só uma porta de chegada e saída, mas de permanência, com os serviços essenciais que vão da polícia à pastelaria. A Rodoviária é um dos pontos fundamentais do DF agora e no futuro. É a maior síntese urbana dessa cidade, o ponto onde todos os desafios se reúnem;, acredita. ;O coração de Brasília não é elitista;, comentou outro pesquisador, André Corrêa, do Ministério das Relações Exteriores.
1 - A Carta de Atenas
Manifesto urbanístico que surgiu como resultado das reflexões do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam), realizado em Atenas, Grécia, em 1933. O documento trata da chamada ;cidade funcional;. Prega a separação das áreas residenciais, de lazer e de trabalho. Propõe, em lugar da atmosfera pesada das cidades comuns, uma cidade jardim, na qual os edifícios se localizam em áreas verdes pouco densas. Esses preceitos influenciaram o desenvolvimento de algumas cidades europeias e do Plano Piloto.
Seminário internacional Lucio Costa ; arquiteto
- Data: Hoje
- Local: Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Esplanada dos Ministérios.
- Horário: 10h às 18h.
- Entrada franca.
- Vagas: 100.
- Informações: luciocostaarquiteto@gmail.com