Jornal Correio Braziliense

Cidades

Precariedade na segurança do entorno

Além das brechas na lei, criminosos encontram subsídios para apostar na impunidade a partir das más condições de aparelhamento da polícia da região, que conta com reduzido número de agentes na ativa

A estrutura precária do serviço de segurança do estado de Goiás é o principal fator que atrai criminosos para a região, principalmente a do entorno do Distrito Federal. Lá, em menos de um ano, surgiram dois casos de assassinos em série que chocaram o país (veja matéria na página ao lado). O último foi divulgado na semana passada. Ex-morador do Novo Gama, o ex-gazeteiro Adaylton Nascimento Neiva, 31 anos, reivindica o assassinato de 10 mulheres e afirma ter estuprado outras três. Antes dele, o pintor Ademar Jesus da Silva, 40, assassinou sete jovens em Luziânia ; cidade situada a 66km de Brasília.

O motivo de a região esconder criminosos perigosos é a certeza que eles têm da impunidade. O Correio obteve alguns números que reforçam essa constatação. Um deles é o reduzido contingente de policiais civis em todo o estado. São 1.499 agentes de polícia divididos em 240 municípios ; uma média de seis policiais para cada cidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda um policial para cada grupo de 250 pessoas. No Novo Gama, de onde partiu a investigação sobre Adaylton, há apenas oitos agentes. Isso porque o quadro foi reforçado em dezembro com a nomeação de seis novos profissionais.

A cidade tem hoje uma população média de 100 mil pessoas, que residem nos 18 bairros formadores do município. Ou seja, um policial civil é responsável pela segurança de 12,5 mil habitantes. Além disso, o Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) conta com apenas um escrivão de polícia. O estado de Goiás tem, ao todo, 1.057 profissionais nessa área. Em Luziânia, por exemplo, inquéritos policiais abarrotam as gavetas dos armários à espera de uma solução. Levantamento feito pelo Ministério Público comprovou que, entre janeiro de 2009 e o mesmo período deste ano, apenas 14 dos 130 homicídios ocorridos na cidade foram solucionados.

O descaso com a segurança pública se traduz em aumento da criminalidade na região. Não é difícil presenciar um crime na cidade. Na sexta-feira passada, enquanto equipes de reportagem aguardavam a entrevista coletiva com o maníaco Adaylton, uma mulher e sua filha foram abordadas por um jovem a 30 metros do Ciops de Novo Gama. O suspeito, segundo a vítima, de 24 anos, teria dirigido palavras de baixo calão à filha dela, de 13. Não satisfeito, o rapaz baixou o short e exibiu seu órgão sexual. Dessa vez, o agressor foi apanhado pela equipe de policiais do Ciops. Levado para a delegacia, ele negou o fato. Mas responderá, em liberdade, por gesto obsceno.

Uma moradora do Lunabel ; bairro do Novo Gama ; que pediu para não ser identificada disse ter medo de andar sozinha na cidade. Ela conta que uma amiga foi estuprada há dois anos na porta de casa pelo vizinho. Embora saiba quem foi que a levou para o mato e abusou sexualmente da vítima, a polícia não prendeu o suposto estuprador. ;Ela estava com o namorado, por volta das 19h, quando ele (bandido) chegou e apontou uma arma para eles. O crime foi cometido na presença do namorado;, contou a cidadã.

Equipamentos
Além do limitado número de agentes e escrivães, também contribui para a falta de estrutura o estado dos equipamentos disponíveis para os policiais. Na quinta e na sexta-feira, o Correio percorreu alguns Ciops e constatou que a realidade é mesmo desoladora. Computadores danificados e sem manutenção, carros quebrados e inadequados para transporte de presos, celas apertadas sem iluminação nem vaso sanitário e falta de materiais importantes ; como munição ; são alguns dos problemas enfrentados pelos policiais no combate ao crime.

O exemplo é a forma como Adaylton foi preso no Piauí. A equipe de policiais que saiu do Novo Gama para capturar o maníaco percorreu 1,7 mil quilômetros até a cidade de Picos (PI), onde o criminoso se encontrava. O trajeto foi realizado em um Fiat Uno descaracterizado. Além de não ter cubículo para o preso, o carro também não dispõe de potência no motor para uma perseguição: mil cilindradas. Os policiais e o preso tiveram de descansar em abrigos improvisados nas delegacias que encontraram pela frente. ;Se precisássemos persegui-lo, com certeza teríamos dificuldade;, reconheceu um agente, que pediu para não se identificar.

A frota do Ciops de Luziânia também é composta por modelos Fiat Uno. Os carros são de uma locadora de Goiânia e têm diárias de R$ 200, de acordo com os policiais. Segundo os agentes, o compartimento atrás do banco traseiro já comportou até cinco presos. ;A ordem é levá-los de qualquer jeito;, disse um policial, que teve sua identidade preservada devido à retaliação imposta pelos delegados. O único carro do estado, lotado no Ciops de Luziânia, é o VW Santana (placa NFE- 8917/GO). Porém ninguém quer rodar nele, porque já quebrou várias vezes.

Sem munição
As celas nas delegacias do Entorno também são motivo de reclamação. Além de mal iluminada, a carceragem não dispõe de cama nem de colchão para os detentos que aguardam transferência. Na última quinta-feira, enquanto aguardava o destino que teria pelos crimes praticados, Adaylton descansava em um espaço de quatro metros de largura por quatro metros de comprimento. Apenas duas folhas de jornal o separavam do chão frio. ;Esse governo (de Goiás) trata a gente com descaso;, queixou-se o homem que não teve piedade de tirar a vida de oito pessoas.

Os policiais igualmente não contam com muita segurança. Um agente mostrou o cartucho de munições da sua pistola, que estava com apenas sete balas. O pente tem capacidade para 11. ;Essas balas são as mesmas há oito meses. Se precisar trocar tiros com bandidos, terei de sair correndo, porque não tenho mais munições;, lamentou. O combate ao tráfico de drogas é o pior serviço para ele. ;Não temos equipamentos de filmagem. Então, fica difícil comprovar a atividade ilícita do acusado de tráfico;, emendou.

Números do descaso

3.737.639 - população do Entorno

1.499 - agentes de polícia (1;, 2; e 3; classe)

1.057 - escrivães (1;, 2; e 3; classe)

276 - agentes penitenciários

253 - agentes auxiliares policiais


Memória

2 de novembro de 2005
Ademar Jesus da Silva comete os primeiros crimes sexuais contra dois meninos ; um de 11 e outro de 13 anos ;, em Águas Claras e no Núcleo Bandeirante. Atraiu as vítimas com a promessa de dar dinheiro em troca de serviços de pedreiro. Denunciado por um dos garotos, acabou preso.

10 de fevereiro de 2006
Na sentença, o juiz Gilmar Tadeu Soriano escreveu: ;Possui personalidade voltada para o cometimento de crimes sexuais. Procura vítimas com tenra idade, induzindo-os à pratica de atos libidinosos.; O pedreiro foi condenado a 15 anos de reclusão em regime integralmente fechado e mandado ao Núcleo Psicossocial Forense do Tribunal de Justiça para avaliar a necessidade de ter acompanhamento psicológico.

12 de setembro de 2007
O juiz da Vara de Execuções Criminais envia o Ofício n; 11.887 ao diretor da Penitenciária do DF, em que pede que o sentenciado seja submetido a acompanhamento psicológico.

6 de setembro de 2007
Os desembargadores José de Aquino Perpétuo, Nilsoni de Freitas Custódio e Gislene Pinheiro de Oliveira, da 2; Turma Criminal do TJDFT, acatam parte da apelação da defesa de Ademar e a pena é reformada de 15 anos para 10 anos e 10 meses de reclusão.

9 de abril de 2008
O MP se manifesta favoravelmente à progressão ao regime semiaberto, com autorização para trabalho externo. Mas, ;diante da gravidade do delito cometido pelo condenado e dos traços de sua personalidade, o MP requer a realização de exame criminológico;. E cobra do estabelecimento prisional informações sobre quais medidas foram adotadas após o Ofício n; 11.887, que solicitava acompanhamento psicológico do preso.

28 de maio de 2008
Atendido o pedido do MP, Ademar é submetido a avaliação criminológica por três profissionais. Os psicólogos concluíram que ;entre suas características de destaque, citamos conflitos sérios que favorecem a prática de delitos sexuais. Há sinais inclusive de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro e de transtorno psicopatológico.; O grupo recomendou avaliação psiquiátrica e tratamento psicológico semanal.

9 de março de 2009
Em duas folhas manuscritas, o juiz Renato Magalhães Marques determina que Ademar seja imediatamente submetido ao programa de acompanhamento psicológico com encontros no mínimo semanais. Fixa ainda o prazo de 30 dias para envio do primeiro relatório.

18 de maio de 2009
O relatório da médica Ana Cláudia Sampaio informa que Ademar foi avaliado por ela uma única vez e que demonstrava não possuir doença mental nem necessitar de medicação controlada. A promotora de Justiça Cleonice Maria Resende Varalda pede nova avaliação psiquiátrica do preso para verificar se persistem os transtornos de sexualidade apontados no exame criminológico para, só depois disso, o MP se manifestar sobre a progressão para o regime aberto.

18 de dezembro de 2009
O juiz Luís Carlos de Miranda concede a Ademar a progressão para o regime aberto alegando que o réu cumpriu o tempo necessário da pena para conquistar o benefício.

30 de dezembro de 2009
Desaparece o primeiro adolescente no Parque Estrela Dalva, em Luziânia (GO). Trata-se Diego Alves Rodrigues, 13 anos. Ele saiu de casa para pagar uma conta.

4 de janeiro de 2010
Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16 anos foi o segundo a sumir.

10 de janeiro
George Rabelo dos Santos, 17 anos, saiu de casa para encontrar a namorada e não mais voltou.

13 de janeiro
Divino Luiz Lopes da Silva, 16 anos, saiu de casa por volta das 10h, para brincar com os amigos do Parque Estrela Dalva 5 e também não voltou mais.

16 de janeiro
O Correio revelou com exclusividade o sumiço de quatro adolescentes, em menos de 15 dias, no Bairro Parque Estrela Dalva, em Luziânia.

18 de janeiro
Flávio Augusto dos Santos, 14 anos, desapareceu após ir a uma oficina de bicicletas.

22 de janeiro
Márcio Luiz de Souza Lopes, 19 anos, foi visto pela última vez às 18h, quando saiu de casa para andar de bicicleta.

10 de abril de 2010
A polícia prende Ademar de Jesus Silva. Ele confessou ter assassinado os seis jovens

11 de abril
Ademar é transferido para Goiânia, onde prestou depoimento.

15 de abril
Familiares encontraram nova ossada onde Ademar enterrou os seis jovens. Polícia não confirmou a relação com os outros assassinatos.

16 de abril
Polícia Civil goiana confirma que a ossada é de uma pessoa. Seria o sétimo cadáver. No mesmo dia, o juiz Luiz Carlos Miranda, que mandou soltar o pedreiro, concedeu entrevista coletiva afirmando que apenas cumpriu a lei. Ele se defendeu dos ataques que sofreu durante toda a semana de vários segmentos da sociedade.

18 de abril
O pedreiro é encontrado morto dentro da cela. Laudo aponta que ele cometeu suicídio.