Jornal Correio Braziliense

Cidades

Moradores da 107 Sul reaproveitam objetos de plástico jogados fora e constroem bonecos

Uma ideia criativa e ecológica está encantando a criançada que mora e frequenta a 107 Sul. Para ajudar uma amiga a erguer a creche com que sonha há 40 anos, a prefeita da quadra, Nancy Barreto, decidiu coletar objetos que iriam para o lixo, mas podem muito bem ser transformados em brincadeira e obra de arte. Os restos darão vida a palhaços com pouco mais de dois palmos de altura, feitos em material reciclável. As unidades serão vendidas e doadas a instituições que cuidam de crianças. ;Muitas coisas poderiam ser aproveitadas de outras maneiras, mas acabam na lata de lixo. Nossa intenção é motivar pessoas a fazer o mesmo: reciclar, doar, vender;, ensina.

Há cerca de três meses, ela espalhou cartazes na quadra, pedindo que os moradores recolham e doem recipientes plásticos para a montagem dos bonecos (1). Nos 11 blocos da quadra, a orientação é colocar os objetos recolhidos dentro de sacolas afixadas no andar térreo ou entregar aos funcionários do prédio. A prefeita da quadra reúne todos os itens e depois entrega para a idealizadora do projeto, a aposentada Clara Regina Brandão Cunha, 61 anos. Todas as tampas, potes e frascos são higienizados antes de virarem artesanato.

Sempre que a meninada se reúne no parquinho, logo atrás da sede da Prefeitura, Nancy Barreto exibe o palhacinho aos olhares curiosos, e a novidade vem causando sensação entre os pequenos. Diante do corpinho feito de embalagem de iogurte, pernas e braços formados por tampinhas multicoloridas, a moradora Ana Carolina Gouveia Andrade, 3 anos, não conteve a alegria. ;O palhaço tem barriga de garrafinha, brilhinho, tem até sobrancelha!”

Boa aceitação
A babá de Ana Carolina, Andréia Aguiar, 30 anos, destaca que a reação da menina ao ver o boneco foi dizer: ;Eu quero!”. Andréia, que já trabalhou como artesã, prestou atenção a todos os detalhes do palhaço e promete fazer um igual, para animar as brincadeiras matinais da criançada. A família já se engajou na iniciativa. ;Minha patroa está ajudando a coletar material. O amaciante está acabando, mas não vai mais para o lixo;, relata.

Enquanto observa as brincadeiras do filho, Félix, 4 anos, a estudante Edileide Fruteira Hansen, 37, elogia a iniciativa. ;A Mãe Terra agradece. Por ser feito com material reciclável, o boneco desestimula o consumo e incentiva a criança a transformar lixo em coisas bonitas;, avalia. Maria Eduarda Fragoso, 9, não mora na quadra, mas, como frequenta o parquinho, aderiu ao projeto. ;Estou juntando muitos objetos pra ajudar e já tenho mais de 20 tampinhas de refrigerante. Adoraria ter um desses. Ele é muito bonitinho, todo colorido;, anima-se.

Mas a participação ainda está restrita a um grupo de moradores da quadra. Porteiro do bloco em que Nancy Barreto vive, Fernando Rodrigues de Sousa, 32 anos, destaca que, até hoje, só viu um dos moradores depositando tampinhas dentro da sacola coletora. ;Mas eu recolho o lixo dos apartamentos e aproveito para separar todo o material necessário para fazer o palhaço.; Inspirado pela iniciativa, ele decidiu usar restos de material que encontrou na guarita e fez um ;filhote; para o mascote do projeto: um boneco com corpo de potes plásticos, pernas de arame e fitas adesivas, além tachinhas no lugar dos olhos.

Doações
A renda obtida com o palhaço servirá para alimentar o sonho de Clara Regina (2). Há cinco anos, ela comprou um terreno perto de Valparaíso para construir uma creche que terá espaço para lar de velhinhos, além de local para a realização de oficinas. Recebeu apoio da Bunge Alimentos, que doou material para a construção dos alicerces da casa. ;Temos R$ 8 mil em caixa, mas precisamos de R$ 260 mil;, lamenta. Até o momento, 100 unidades do boneco já estão prontas e a intenção é chegar a 5 mil. ;Mas para atingir esta marca, precisaríamos coletar mais material, já que cada um demanda 40 tampinhas de refrigerante. Também precisaríamos de mais voluntários;, calcula.

Atualmente, Clara Regina trabalha com duas amigas artistas plásticas. De cada cinco peças produzidas, duas são destinadas à doação e três, vendidas. Toda a renda é dividida pela metade. Uma parte vai para a conta da creche e a outra é reinvestida no único material comprado em lojas: metros de elástico ;custa R$ 1 nos armarinhos de Taguatinga ; para prender as partes do corpo e a cabeça do palhaço. Cada unidade sai a R$ 10.

O esforço vem rendendo bons frutos. A rede de padarias Pão Dourado vai ajudar na coleta de material e o Pão de Açúcar de Águas Claras cedeu espaço em uma feirinha de artesanato, entre 13, 14 e 15 de agosto, para a venda das peças. Clara Regina também pretende ensinar a técnica aos interessados. ;Estamos ajudando a limpar o meio ambiente e, de quebra, ensinando uma ocupação, um passatempo;, explica. Além de ensinar, ela pretende proporcionar um pouco de felicidade a meninos e meninas. O primeiro passo é doar 300 palhaços a crianças atendidas pela Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace). A data ainda não foi definida, mas pode-se esperar uma grande festa.

1 - A composição

Para confeccionar os bonequinhos, as artesãs precisam de tampas de garrafa de refrigerante, água, amaciante, detergente, desinfetante, além de frascos de iogurte.

2 - Nascido nas ruas

A dona da ideia revela que conheceu o palhaço por meio de uma amiga de Belo Horizonte. A mulher costumava oferecer almoço a uma jovem moradora de rua, até que a jovem desapareceu. Tempos depois, ela ressurgiu, trazendo a notícia de que havia feito um curso de artesanato e aprendido a fazer o palhaço. A amiga aprendeu a técnica e ensinou para Clara Regina.

Como ajudar
Quem quiser doar material reciclável para o projeto pode deixar os objetos na portaria do Bloco F da Superquadra 107 Sul. Todos os funcionários já estão orientados a recebê-los. Para marcar cursos e ter mais informações sobre a iniciativa, os interessados podem entrar em contato com Clara Regina, pelo telefone 8158-7057.