Enquanto isso, Antônia, a mãe de Vinícius, trabalhava o dia todo como empregada doméstica. Cuidava dos filhos dos outros para ter o que dar de comer ao menino que ela trouxe ao mundo. Mesmo com tanto esforço, faltava muito para ter conforto em casa. Ao ver o dinheiro fácil vindo das drogas, Vinícius seguiu por esse caminho. A vida de Lapixa só tomou um rumo novo quando ele conheceu o grafite, há cerca de 12 anos. O menino tinha 15 anos e passou em frente ao Ginásio de Esportes de Sobradinho. Viu o local tomado por um colorido diferente. Eram traços do grafite nas paredes da arena. A explosão de cores e criatividade prendeu para sempre o olhar do garoto.
Mudança
Lapixa começou a desenhar. Usava o caderno da escola ou qualquer lugar disponível, como as camisetas dos colegas de classe. Descobriu um dom para traçar figuras com jeito daquilo que ele não conhecia, a arte. O menino pôde, finalmente, imprimir sua essência pelos muros, paradas de ônibus e galerias da cidade. Menos de um ano depois, em 1999, começou a participar de eventos relacionados ao grafite. Em um deles, surgiu o convite para ser voluntário em uma organização não governamental (ONG) voltada para jovens em situação de risco, o Grupo Azulim (veja Para saber mais), em Sobradinho 2.
Depois disso, o rapaz assumiu a profissão de instrutor de grafite. Hoje, aos 27 anos, Vinícius ainda carrega o apelido de infância. Ele não sabe se a brincadeira tem algum significado. ;As outras crianças começaram a me chamar assim porque eu não gostava. Aí, é claro, pegou. Mas não sei o que significa;, despistou. Ele perdeu as contas do número de crianças e adolescentes a quem ensinou, de graça, a traçar figuras coloridas com jatos de spray.
Passar adiante
Atualmente, Lapixa cuida de uma turma de 18 meninos e meninas, no espaço do Azulim, na AR 9 de Sobradinho 2. Com a mudança de vida, o rapaz ganhou o respeito da comunidade onde vive. Quando Lapixa anda pela rua, não há um jovem que passe por ele sem cumprimentá-lo: ;E aí, Lapixa, só de boa?;. Muitos jovens se espelham nele, mas quando o instrutor olha para os alunos também se vê refletido. ;Quando eles chegam aqui sem rumo, eu me lembro muito de como eu era. Tenho o maior prazer em poder passar para a frente essa ideia de que todo mundo pode dar certo na vida, andar pelo caminho que escolher;, resumiu.
O perfil dos aprendizes é diferenciado. Amanda Rios Teixeira, 17 anos, por exemplo, começou a frequentar as oficinas de grafite por interesse em conhecer pessoas novas. ;Todo mundo aqui era muito diferente dos meus amigos ; o jeito de falar, de se vestir. E eu achei interessante. Hoje, adoro o grafite;, contou. Leonardo Martins, 18, dá os primeiros passos para se profissionalizar: ;Já grafitei em muitos lugares e já fiz trabalhos pagos. Penso muito em viver disso;. João Paulo Monteiro, 30, encontrou nas aulas do professor Lapixa um jeito de sair do desemprego. ;Eu nunca tinha pensado nisso, nem conhecia. Mas hoje vejo como uma profissão muito boa. Quero também ensinar a mais gente essa arte tão bonita;, concluiu.
"Quando eles chegam aqui sem rumo, eu me lembro muito de como eu era. Tenho o maior prazer em poder passar para a frente essa ideia de que todo mundo pode dar certo na vida, andar pelo caminho que escolher"
Vinícius Martins Rodrigues, o Lapixa
Vinícius Martins Rodrigues, o Lapixa
PARA SABER MAIS
Luta contra o crack
O Projeto Azulim nasceu do desejo de mudar manifestado por jovens que faziam parte de uma gangue de Sobradinho. Os rapazes andavam todos juntos pela cidade, arrumavam confusão com outros meninos, mas garantem que nunca se envolveram em roubos, assassinatos, estupros ou nada desse nível. O nome da ONG surgiu de maneira improvisada. ;Um amigo nosso falou: ;Vocês são tão negros que chegam a ser azuis. Vou chamar vocês de azulim;. E o apelido pegou;, explicou o presidente e fundador da organização Paulo Henrique de Jesus Cantilo, 37 anos.
Nas instalações do Azulim, pessoas de todas as idades frequentam aulas, além do grafite, de capoeira, street dance e informática. Também têm acesso a uma biblioteca e a programas como Jovem de expressão e Terapia comunitária. A intenção é estimular o diálogo e discutir os problemas da juventude entre eles e as famílias. São mais de mil pessoas cadastradas, e a ação se expandiu para Ceilândia, onde o grupo também promove oficinas. Há três anos, o Azulim ganhou o título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), do Ministério da Justiça, com a finalidade de facilitar parcerias e convênios com o governo.
Atualmente, a principal luta dos 10 monitores envolvidos nesse projeto é contra o crack. Eles percorrem as escolas da região em busca de pessoas com problemas com as drogas para oferecer tratamento. ;A droga tem assolado Sobradinho;, lamentou Paulo. A organização firmou parceria com igrejas e clínicas de reabilitação para atrair jovens. Pelo menos dois adolescentes são internados com intermédio do Azulim toda semana, para se livrar do vício. Agora, o plano é montar a própria casa de reabilitação. Mas ainda falta a verba.