Antes de esticar suas asas e seus eixos em Madri, Lisboa, Munique e Milão, uma extensa maquete de Brasília, feita com base em fotos de satélite e recortada a laser, está à espera dos brasilienses no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, a partir de hoje à noite. A cidade inventada foi reproduzida em escala 1x1.350, ou seja, o tamanho real do Plano Piloto foi reduzido 1.350 vezes. É um boneco gigante, tridimensional, que vai da Torre Digital (em construção) ao Aeroporto Juscelino Kubitschek, no sentido norte/sul, e da Barragem do Paranoá à Rodoviária, no sentido leste/oeste.
Quem fez a nova maquete da cidade tombada é o mesmo maquetista que construiu aquela que está exposta desde 1988 no Espaço Lucio Costa, na Praça dos Três Poderes. O arquiteto carioca Antonio José Pereira de Oliveira voltou à cidade, mais de 20 anos depois, para se atualizar com os novos contornos do urbanismo e da arquitetura da capital. Foi inevitável a comparação com os tempos do então governador José Aparecido de Oliveira que encomendou a maquete para a comemoração da inscrição de Brasília na condição de patrimônio da humanidade.
As diferenças são tantas na cidade quanto nas maquetes. Em 1988, não havia a Ponte JK, que muito impressiou o maquetista. Também as margens do Lago Paranoá não estavam tão acintosamente ocupadas. ;É uma pena ver aqueles apart-hotéis e aqueles condomínios, tudo com telha colonial. Não tem nada a ver com Brasília, foi uma liberação perigosa na beira do lago;, lamenta Oliveira. O olho vigilante para o Paranoá tem razão de ser: a maquete dos anos 1980 contemplava apenas uma pequena área do lago. A nova traz o leito inteiro das águas que recortam as asas de uma ponta a outra.
Três dimensões
Se a primeira maquete, toda artesanal, feita a partir da sobreposição de plantas e fotos aéreas, tem valor histórico e afetivo, a segunda representa Brasília a partir dos recursos da era digital. ;Usamos os recursos do Google Earth. Os prédios mais importantes aparecem em três dimensões. O desenho sai direto do Google e passa para a máquina a laser;, explica o maquetista. As obras modernistas, portanto, serão apreciadas em perímetro, volume e perspectiva, muito mais perto da realidade do que a anterior.
Como será portátil, para a peregrinação pela Europa e por outras geografias ainda indefinidas, a maquete se desdobra em 18 módulos, cada um de 1,60 metro por 1 metro. E se sustenta nas caixas que a contém, para facilitar o trabalhoso processo de montagem, desmontagem e transporte de Brasília mundo afora. Recoberta com uma película plástica, a cidade em miniatura ficará facilmente livre da poeira, ao contrário do que ocorre com a da Praça dos Três Poderes. ;A grande dificuldade da maquete atual é que ela precisa de manutenção de seis em seis meses, mas parece que nunca tem verbas para isso;, relata Antônio José Pereira de Oliveira.
A maquete é a estrela principal de uma grande exposição que percorrerá quatro cidades europeias a partir de setembro próximo. Sob curadoria da empresária cultural Danielle Rocha Athayde, a mostra é o resultado de uma dissertação de mestrado no Instituto de Investigação José Ortega Y Gasset, de Madri. Por falta de patrocínio brasileiro e brasiliense, a cidade só verá a maquete. A exposição completa terá fotos aéreas, belíssimas, de João Facó, fotos inéditas de monumentos históricos feitas pelo paulistano Fábio Colombini, especializado em fotos de natureza para catálogos de grandes empresas. ;Escolhi Colombini porque queria um olhar de natureza para uma cidade de concreto.;
Também haverá fotos do francês Marcel Gautherot e de Mário Fontenele, o mais importante fotógrafo da construção de Brasília, fotomontagens de Athos Bulcão, mobiliário de Sérgio Rodrigues dos anos 50/60 e obras de Marianne Peretti, vitrinista da Catedral, do Memorial JK e do Panteão da Pátria. A exposição que será vista primeiramente em Madri terá uma livraria com mais de 50 livros e catálogos sobre Brasília, acessíveis à leitura no local.
Patrocínio
A exposição só se tornou possível, incluída a fabricação da maquete, por conta do interesse do Ministério da Habitação da Espanha, responsável pela maior parte do patrocínio. A Brasília 50 anos fará parte do calendário espanhol das comemorações do Bicentenário da Independência das Repúblicas Latinoamericanas. Embora tenha sido aprovada pela Lei Rouanet, a curadora da exposição, Danielle Rocha Athayde, informa que não conseguiu apoio de patrocinadores brasileiros. E atribui o desinteresse aos escândalos de corrupção em Brasília. ;Pedi tudo, tive que correr atrás de outros apoios.;
Paulista, Danielle mora em Brasília desde os 10 anos de idade. Aprovada num programa de bolsas espanhol no curso de gestão cultural, patrimônio, turismo e natureza, apresentou a exposição como trabalho final do mestrado e, segundo ela, foi aprovada como ;o quarto melhor projeto já apresentado ao curso;. Com esse selo de qualidade, procurou o governo espanhol e se animou em montar a exposição tanto na Europa quanto no Brasil. ;Mesmo tendo feito um corte muito alto no orçamento público, o governo espanhol manteve o apoio à exposição;, conta Danielle. Do ponto de vista dos negócios de turismo e cultural, esse é um novo investimento: ;Brasília está em décimo sétimo lugar na lista de capitais visitadas pelos espanhóis.; A exposição pretende tirar a capital brasileira do fim da fila.
Mostra
A nova maquete de Brasília poderá ser vista pelos brasilienses a partir de hoje, quando for aberta a 22; Feira da Indústria, do Comércio, da Agropecuária, de Serviços e do Turismo de Brasília (Feicom), a partir das 14h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães.