Jornal Correio Braziliense

Cidades

Após a greve, vem aí o aumento de passagem

Cobradores e motoristas aceitaram a proposta dos patrões - 9% de reajuste salarial - e voltaram ao trabalho ontem. Em 30 dias, o GDF analisa contas das empresas para saber se concede correção nas tarifas

>> Ary Filgueira
>> Mariana Moreira
>> Mariana Sacramento

A greve dos rodoviários chegou ao fim ontem. Depois de mais de dois meses de negociação, empregados e patrões chegaram a um acordo, mediado pelo governo, na madrugada. A categoria reivindicava 20% de aumento, mas aceitou a proposta de 9% de reajuste, que incide sobre o salário, (1) a produtividade, a cesta básica e o tíquete-refeição. Quem ainda não sabe se pode respirar aliviado é o passageiro. Após passar pelo sufoco de três dias e meio sem ônibus nas ruas, o usuário do transporte coletivo já se preocupa com outro problema: a possibilidade de aumento na tarifa, uma das mais caras do país. De acordo com o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo do DF, Wagner Canhedo Filho, para cobrir apenas a correção concedida a motoristas e cobradores, seria necessário um acréscimo de cerca de 4,5% nas passagens de ônibus.

O reajuste, no entanto, ainda não está confirmado. Qualquer alteração no preço da passagem de ônibus será decidida pelo Governo do Distrito Federal. Um comitê gestor foi formado para analisar as planilhas de gastos e lucros das empresas, feitas pelos próprios patrões. Por enquanto, o governador Rogério Rosso (PMDB), que mediou as negociações trabalhistas da categoria, descarta o aumento. Segundo Wagner Canhedo Filho, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo do DF (Setransp), o governo se comprometeu a dar uma resposta dentro de 30 dias. O prazo começou a correr na última quarta-feira. ;O que o estudo apontar será feito. Se a auditoria comprovar a necessidade, as tarifas serão reajustadas. Mas se apontar o contrário, pode haver redução no valor das passagens, independentemente de autorização do GDF. Mas eu tenho confiança absoluta que a planilha vai comprovar o nosso deficit;, prevê Canhedo.

Além do impacto de 4,5% do reajuste salarial, os patrões alegam operar com um deficit de 28% no sistema, e, para supri-lo, seria necessária uma correção na tarifa da ordem de 38%, segundo eles. Somado ao aumento salarial concedido ontem, o preço final da passagem teria de ser 42,5% maior do que o praticado hoje. ;Aumentar a passagem seria mais uma humilhação para quem depende do transporte coletivo para ir trabalhar. O preço já é alto e os ônibus vivem cheios;, reclama o auxiliar de almoxarifado Jucinei Torre dos Santos, 28 anos, morador de Planaltina. Ele conta que toda manhã se depara com coletivos lotados, que muitas vezes quebram no meio do caminho.

Alívio
Em assembleia realizada às 11h de ontem, os rodoviários decidiram, por unanimidade, aceitar a proposta dos empresários e voltar ao trabalho. Por volta de 13h, a frota composta por 2,4 mil coletivos começou a circular. ;É um alívio muito grande. Estou de alma lavada. Pelos dados que tenho, é o maior reajuste concedido a rodoviários de todo Brasil na campanha salarial deste ano;, comemorou o presidente do Sindicato dos Rodoviários, João Osório da Silva.

Horas antes da decisão da categoria, os brasilienses enfrentaram, pela manhã, mais transtornos. Na Praça do Relógio, em Taguatinga, cinco funcionárias da creche Instituto Nair Valadares esperavam pela van que a escola disponibilizou para buscá-las. ;Nessa semana, mais da metade dos professores não conseguiu chegar;, disse a orientadora socioeducativa Stephanie Krieger, 18 anos. Toda a equipe sofreu alterações no horário de expediente para se adequar ao transporte que o instituto ofereceu. A orientação era que cada um chegasse às estações de metrô da forma que conseguisse, para pegar carona até o local de trabalho.

A manhã também foi marcada por confusão entre sindicalistas e empresários. Antes da assembleia, acionistas da Cooperativa do Transporte Público Alternativo (Coopertran), que opera em Planaltina e Sobradinho, colocaram 60% dos 100 micro-ônibus para rodar. Em menos uma hora de circulação, um deles retornou à garagem com o vidro lateral quebrado. Segundo os patrões, representantes do Sindicato dos Rodoviários teriam jogado pedras no veículo. Ninguém ficou ferido. Sindicalistas negam o vandalismo.


1 -
Negociação tensa
A quinta-feira foi marcada por uma longa reunião entre os trabalhadores e patrões. O encontro foi na residência do governador Rogério Rosso, no Lago Sul. As negociações começaram pela manhã, tiveram duas interrupções e duraram até 3h de ontem. Um ponto que quase inviabilizou o acordo foi a posição das empresas de cortar o ponto dos funcionários durante a greve. Ao fim, decidiu-se que os dias de paralisação serão abonados e os trabalhadores compensarão as horas não trabalhadas. O reajuste, retroativo à data-base da categoria, 1; de maio, já será incluído no contracheque de julho.



O número
210 mil

Total de passageiros que o metrô transportou por dia durante a greve, ou 40% a mais que o normal


Transtorno geral
A paralisação de 90% do serviço de transporte público do DF interferiu na vida de todos os brasilienses. Os congestionamentos aumentaram nos horários de pico. O metrô operou com a capacidade máxima e, ainda assim, não suportou a quantidade de usuários, que cresceu 40%. Na última quarta-feira, uma pane provocou confusão nas 24 estações, que chegaram a ser fechadas por três horas. Um vagão foi depredado e, por isso, ontem, foi retirado de circulação. A pirataria fez a festa. Sem opção, passageiros foram transportados sem as mínimas condições de segurança. Estima-se que 1 milhão de pessoas que dependem do serviço público para se locomover ficaram a mercê da própria sorte.

Ontem, a secretária Luciana Araújo, 28 anos, fez um balanço do prejuízo que teve por causa da greve. ;Só em três dias sem ônibus, gastei 10% do meu salário para conseguir chegar ao trabalho;, calcula. Para ir até a Asa Norte, a moradora de Planaltina teve que tirar o carro da garagem, gastar com combustível e ainda recorreu ao transporte irregular. ;Além disso, cobri horário de funcionário que não conseguiu comparecer. Meu expediente que termina às 15h foi prolongado para às 19h. Ou seja, além dos transtornos, trabalhei dobrado;, desabafa.

Quem não gostou nada do fim da greve foram os motoristas de transporte pirata. Um deles, que não quis se identificar, disse ter faturado R$ 1.500 líquidos por dia fazendo o itinerário Rodoviária Plano Piloto Piloto ; Paranoá e o caminho inverso. No entanto, o Transporte Urbano do DF (DFTrans) destaca que com, o fim da greve, o cerco à pirataria voltará a se fechar. Aquele que carregar passageiros em carros de passeio, ônibus escolar ou van terá o carro apreendido pelo Departamento de Trânsito do DF (Detran) e só poderá retirá-lo após pagar multa que varia entre R$ 2 mil a R$ 5 mil. No DF, há quatro anos e meio não há aumento de tarifa de ônibus. A volta para casa no fim da tarde de ontem da Rodoviária do Plano Piloto foi normal.