A vida de Pedro Gonçalves da Costa, 16 anos, terminou em uma manhã de sábado, deixada sobre o asfalto quente da W3 Sul, em 6 de junho de 2009. Eram por volta de 7h15 quando um carro prata, em alta velocidade e conduzido por um motorista que dirigia sob efeito de álcool, de acordo com a polícia, atropelou o destino do adolescente. Ali ficaram espalhados livros, tênis e sonhos do adolescente. Hoje, Pedro faria 18 anos. Do encontro indesejado, sobraram para a família tristeza, vazio e sensação de impotência. Mas também poesia.
Ninguém sabia, mas naquele momento morria um poeta. Fã de Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, Pedro era tímido. Preferia escrever a falar. Meses depois da perda, o pai dele, o funcionário público Franklin Corrêa da Costa, 50 anos, encontrou entre bermudas e cadernos os poemas escritos pelo menino. Eram centenas de versos inspirados nas meninas da escola, nas coisas simples da vida. Simples, porém tocantes. O pai, emocionado, procurou mais textos do filho no computador. Encontrou uma pasta com arquivos, mas ela estava trancada com senha.
Franklin tinha sede de ler mais daquilo. Era uma forma de mergulhar no universo particular de Pedro, conversar, mesmo que sem palavras, e acalmar o coração com um pouco mais da presença do filho perdido. Vasculhou até encontrar em um pedaço de papel velho a senha que daria acesso àquele mundo. Ali, Franklin descobriu outra centena de poemas. Pedro preparava uma poesia para dar de presente de aniversário à irmã Natália, que completou 15 anos dias depois do acidente.
Pedro escreveu: ;Onde o encanto se fez vulto, onde o culto se fez prece, onde a presença se fez dança, onde a semente se fez flor, você surgiu, Natália, menina dália. Onde a noite se fez astro, onde a açoite se fez afago, onde o amargo se fez doce, onde a poesia extasiou-se, você surgiu, Natália, menina dália;. Franklin chorou diante do computador. ;Ele sempre me mostrava alguma coisa que escrevia e eu achava muito bom, incentivava. Mas não imaginava que ele fazia poesia com tanta frequência;, disse. O pai encontrou também roteiros de teatro, crônicas e até um romance que não pôde ser terminado.
Homenagem
A vontade de dividir os pensamentos de Pedro com outros jovens e com quem mais se interessasse por poesia da maior sinceridade nasceu. Franklin decidiu reunir todos os versos em livro. Hoje, o pai homenageia o filho com o lançamento da publicação intitulada Uma estrela solidária brilha no céu para sempre, às 20h, no Centro de Ensino Fundamental Polivalente, na 912 Sul. ;Não pudemos fazer no Setor Oeste, onde o Pedro estudava o 3; ano, porque lá tem aula à noite. Mas ele também estudou no Polivalente e tem muitos amigos lá. Ele estaria muito feliz, com certeza, se pudesse ver isso tudo;, afirmou o pai. ;Queremos usar o exemplo do Pedro para conscientizar outros jovens. Inclusive sobre a paz no trânsito. Eles podem se divertir como o Pedro fazia, sem beber e dirigir;, disse Franklin.
A capa do livro estampa a essência de Pedro, um menino que gostava de shows de rock, de namorar em pracinhas, sempre chegava em casa antes da meia-noite e já trabalhava. ;Ele estudava de manhã e estagiava em um shopping à tarde. Ganhava R$ 200 e, mesmo assim, ajudava em casa;, lembrou Franklin. O sorriso iluminado parece conter um mundo de sentimentos. Traduz o que o adolescente tinha de melhor, segundo o pai: a solidariedade. ;Desde pequeno, o Pedro se importava muito com os outros. Dividia o lanche e os brinquedos com os coleguinhas na escola. Sempre se mostrou disposto a ajudar. Por isso, escolhemos esse título. Além disso, ele era torcedor do Botafogo e eu quis fazer um brincadeira com o símbolo do time, a estrela solitária;, explicou o pai.
Como poucos em sua faixa etária, Pedro se interessava (e sabia) por traduzir os próprios sentimentos em forma de versos. As palavras escolhidas por ele e o ritmo de cada linha revelam um jovem de alma musical, tão bonita quanto os olhos esverdeados e o riso largo que exibia com tanta frequência. Os poemas falam de amor, vestibular e de truco. Tudo com a mesma paixão. ;O Pedro era assim, não fazia nada sem paixão;, lembrou o pai, com os olhos transbordando em lágrimas.
Seguir em frente
Pedro não encontrou solidariedade na manhã em que morreu ; o motorista que o atropelou fugiu sem prestar socorro, segundo informou a polícia. Mas depois do acidente, Franklin recebeu apoio de amigos e até de desconhecidos. A família não conseguiu patrocínio para rodar o livro e teve de fazer muita economia para conseguir concretizar o projeto. Franklin, porém, contou com a ajuda da Subsecretaria de Proteção às Vítimas de Violência (Pró-vítima), e conheceu pessoas que se sensibilizaram com a história de Pedro e ajudaram a fazer o projeto gráfico e a edição do livro.
O pai selecionou 48 poesias entre as 250 que encontrou e dividiu os textos em 72 páginas, intercalados com depoimentos de amigos, familiares e professores de Pedro, também conhecido como Pedroca. O pai corrigiu a gramática em algumas partes, mas se impressionou com a qualidade textual, o bom humor e a criatividade do menino. ;Ainda tenho material para uns quatro ou cinco livros. E quero rodar mais exemplares do primeiro, para isso só falta patrocínio;, afirmou.
Franklin ainda se lembra com o olhar distante e o coração partido de quando entrava em casa e Pedro estava no computador, sempre escrevendo alguma coisa. ;Achava que era assunto de escola;, lembra. O pai nunca pensou, antes daquela manhã de sábado, que entraria em casa e encontraria a cadeira vazia. Ali, em um apartamento pequeno no Núcleo Bandeirante, Pedro tentava entender a vida. Queria viajar para conhecer o mundo todo, se formar, ser engenheiro florestal, bombeiro. Tudo ao mesmo tempo, com fome de viver. Partiu cedo. Deixou a mensagem de que a vida pode sim ser efêmera, mas as boas lembranças e o aprendizado não.
Imperdível
Lançamento do livro Uma estrela solidária brilha para sempre, de Pedro Gonçalves da Costa.
Data: Hoje.
Local: Colégio Polivalente, na 912 Sul.
Horário: 20h.
O livro será vendido a R$ 15, para pagar os custos da impressão. Quem se interessar por patrocinar novas edições do livro deve ligar para Franklin: 9612-4050.
Parte da obra
Parque da Cidade
Foi no Parque da Cidade que eu te conheci:
Você ia passando de bicicleta
E eu andava na direção contrária
Com minha mochila e o meu MP3 no ouvido
E um livro do Drummond nas mãos
A caminho do Setor Oeste
De repente, nos esbarramos
Você quase caiu da sua bicicleta
E eu deixei cair meu livro
Então você me perguntou
O que eu estava lendo
E eu fitei bem dentro
Dos seus olhos e lhe falei:
Nunca me esquecerei deste acontecimento,
na vida de minha retina tão fatigada.
Nunca me esquecerei
Que no meio do caminho tinha uma flor,
tinha uma flor no meio do caminho.
Vestibular
Por mais que eu me esforce
E pense que devo estudar
Sempre existe algum momento
Em que quero me lembrar
Que o seu amor é com certeza
O sentimento que vou guardar
Como posso, desse jeito
Passar no vestibular?
Como posso, desse jeito
Passar no vestibular?
Sua Física me tira a gravidade
Sua Química me deixa ionizado
Sua Geografia é uma tempestade
Sua História é um belo aprendizado.
Como posso, desse jeito
Passar no vestibular?
Como posso, desse jeito
Passar no vestibular?
Sua Filosofia é ver toda verdade
Sua Biologia me deixa estonteado
Sua Literatura é obra de beldade
Sua Matemática é elevada ao quadrado.
Como posso, desse jeito
Passar no vestibular?
Como posso, desse jeito
Passar no vestibular?
Flores no asfalto
Eu me pergunto
Quase todos os dias
Aonde andará a pureza
Dos seus negros olhos?
Aquele olhar sem malícia
Cheio de ingenuidade
A irradiar alegria e amor
A sorrir de coisas simples.
Onde foi parar a sua pureza?
O que fizeste para embrutecer
Assim o seu coração e a sua alma?
As flores que colhi no seu jardim
Estão mortas no asfalto!
A vida é azul
Atravesso rios e pontes,
percorro montes e vales,
alcanço grutas e mares,
só pra te dizer, meu amor,
que a vida é azul.
Transformo meu grito em eco,
mudo meu pranto em sorriso,
revejo mentira em verdade,
só pra te dizer, meu amor,
que a vida é azul.
As coisas que nos parecem nocivas,
por mais que possam nos machucar,
e nos deixar bem entristecidos,
sempre haverá motivos,
pra te dizer, meu amor,
que a vida é azul.
Truco
Se você disser que ainda não me ama
Eu truco...
Se você disser que já não me quer
Eu truco...
Se você gritar que tudo se acabou
Eu truco...
Se você pensar que vai me esquecer
Eu truco...
Se você achar que vai me perder
Eu truco...
Eu truco
Eu truco
Porque meu amor não é de mentira
E é só você pagar pra ver
E verá que o meu coração
Sempre te pertenceu.
Seis mil!