A Polícia Civil, o Tribunal de Contas e o Ministério Público do DF têm, juntos, um farto material de investigação que denuncia o crime enraizado no Governo do Distrito Federal. Apurações que se desdobram em outras, que por sua vez dão origem a terceiras, num ciclo sem fim. Das formas mais variadas, em diversos momentos de gestão, as irregularidades apontam para a mesma coisa: gastos ilegais de dinheiro público. A última operação concluída é a Terabyte, cujo alvo foram os contratos de empresas de informática do GDF no período entre 1999 e 2008. O relatório final apontou os crimes de formação de quadrilha, fraude e dispensa ilegal de licitação.
A Polícia Civil remeteu as conclusões do inquérito à Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, que também participou das apurações. Os promotores apresentaram recentemente ação criminal contra os envolvidos: Durval Barbosa, ex-presidente da Codeplan (empresa que realizava para o GDF as contratações irregulares), assessores dele e representantes de empresas envolvidas nas fraudes. O processo corre sob sigilo em uma vara criminal do Tribunal de Justiça do DF e Territórios. Ao todo, nove empresas estão sendo investigadas.
Auditorias do Tribunal de Contas do DF (TCDF), inquéritos da Polícia Civil, alguns abertos a pedido do Ministério Público, formam agora um conjunto de provas contundentes do esquema que fez muito dinheiro público escoar para atender interesses particulares. No apanhado de apurações, constatou-se fraudes para retirar o caráter competitivo das contratações (veja arte). Havia conluio entre as empresas, que combinavam previamente os preços a serem apresentados nas propostas. E elas eram todas superfaturadas. Foi apurado vínculo de parentesco entre sócios de empresas concorrentes, documentos forjados e empresas de fachada. Também é apontado o vínculo de servidores do GDF que lidavam com as contratações e as empresas beneficiadas.
Mais de R$ 1 bi
Na semana passada, auditores do TCDF apresentaram um balanço de trabalho, que o Correio acompanhou, apontando todas as irregularidades constatadas no GDF desde 1997. Foram apontados gandes volumes de recursos gastos com burla ilegal de licitação e superfaturamento de contratos de informática na gestão de Joaquim Roriz. Mais especificamente a administração de Durval Barbosa na Codeplan, no período de 1999 a 2006. Relatório do TCDF destaca que a Codeplan ;em total descaso, aumentava, ano a ano, os valores contratados, alçando a absurda quantia de R$ 1, 2 bilhão;.
A assessoria de Roriz afirma que as denúncias não podem ser pessoalizadas. ;Uma coisa são os atos de administradores de governo, de ordenadores de despesa. Outra coisa são os atos atribuídos ao governador em exercício. Roriz não foi alvo da Operação Terabyte(1). Não foi investigado nesse caso. E não é réu em ação alguma;, diz Paulo Fona, assessor de imprensa do ex-governador.
As investigações da Terabyte, como outras que afetavam pessoas ligadas ao então governador Arruda e ao vice, Paulo Octávio, sofreram reviravoltas no âmbito da Polícia Civil do DF. Hora eram sufocadas, hora, aceleradas. Mas, aos trancos e barrancos, sobreviveram com a parceria, às vezes conflituosa, mas que acabou bem-sucedida, com os promotores do Ministério Público do DF. Mesmo sob a pressão de se preservar Durval Barbosa, a Terabyte foi caminhando. Delegados já contaram ao Ministério Público do DF que Arruda exigia informações sobre o que estava sendo apurado.
Queixa
Uma das ações da Operação Terabyte irritou o então governador Arruda, em abril de 2009: a busca e apreensão em empresas de informática, que prestaram serviço no governo de Roriz e também estavam entre as contratadas da gestão Arruda. Em reunião com a cúpula da Polícia Civil, o então chefe do Executivo local reclamou. Disse que tinha sido surpreendido e que aquilo não deveria voltar a ocorrer. Depois do episódio, houve troca de delegados em funções estratégicas. Mas o cerco se apertava e, mesmo sufocados, alguns na nova gestão resistiram a acatar orientações da operação interna de abafa.
Alguns se incomodavam com as ordens de proteção a Durval e ao policial civil aposentado Marcelo Toledo, outro personagem envolvido nos escândalos da Operação Caixa de Pandora. Para uns, na Polícia, a ordem soava como medida de desespero. Era necessário proteger o potencial algoz, aquele que se não fosse preservado, implodiria o governo inteiro, exatamente como aconteceu. Em 27 de novembro do ano passado, a Operação Caixa de Pandora foi deflagrada pelo Ministério Público. A Polícia Civil só não sabia que Durval já havia traído Arruda bem antes do que ele imaginava.
1 - Significado
A operação recebeu esse nome por ter como alvo empresas de informática. O Terabyte é uma unidade de medida (capacidade) usada na informática, assim como Byte, Megabyte, Gigabyte etc.
Memória
Acordos emergenciais
Em 2003, o Tribunal de Contas do DF determinou ao GDF a suspensão dos repasses de recursos ao Instituto Candango de Solidariedade (ICS) por julgar ilegais os contratos na área de informática. Mas o governo e o ICS conseguiram mandado de segurança no Tribunal de Justiça do DF para manter os pagamentos. Em 2004, o Tribunal mandou Durval Barbosa, na condição de presidente da Codeplan, se abster de contratar serviços de informática por meio do ICS. O Ministério Público começou a ajuizar ações contra os gestores dos contratos.
Uma auditoria identificou que, somente em 2005 , contratos com a Linknet e a Prodata geraram prejuízo de R$ 24 milhões ao cofres públicos. Na época, o presidente da Codeplan era Durval Barbosa, hoje o delator do esquema que implodiu o governo de Arruda. A partir de 2005, impedida de usar o ICS como intermediador para burlar a licitação, a Codeplan passa a realizar contratos emergenciais, também recheados de irregularidades.
As auditorias do TCDF remetem a problemas no ICS desde 1997. Na época do governo petista de Cristovam Buarque, o problema era outro. O TCDF e o Ministério Publico do DF e do Trabalho questionaram o repasse de R$ 54 milhões em 1998. Na ocasião, a entidade era usada pelo GDF para contratar funcionários sem concurso público. Milhares de pessoas foram contratadas como agentes de saúde sem seleção prévia, sob suspeita de serem cabos eleitorais. Foi aí que o governo transformou o ICS, até então uma mera entidade de fins filantrópicos, em uma organização social.