Aos 89 anos, Neusa França tem uma agenda cheia. Com uma memória impecável e muita disposição, a pianista e compositora ainda ministra aulas a jovens alunos e se apresenta com frequência em eventos sociais ; volta e meia recebe homenagens pela brilhante carreira. Carioca de Campos, Neusa é apaixonada por Brasília, cidade onde passou grande parte da vida. Antes mesmo de chegar à capital federal, em 1959, esboçou em um pequeno papel as primeiras partituras do que viria a ser o Hino de Brasília. Pouco tempo depois, presenteou o Caseb(1), escola em que dava aula, com uma canção. No ano do cinquentenário de Brasília, ela compôs um samba-exaltação para destacar os traços da cidade e homenagear os grandes nomes que deram forma ao sonho de Dom Bosco. Neusa ainda toca piano com suavidade e se envolve com o som. E ela sabe tudo de cor e salteado.
Neusa se aventurou nas teclas pretas e brancas pela primeira vez aos sete anos, ainda no Rio de Janeiro. Toda vez que ouvia as batidas das marchinhas de carnaval, corria para o piano da vizinha e arriscava algumas partituras. ;Eu já conseguia harmonizar as músicas com as duas mãozinhas. Levava jeito para a música;, contou. Os pais nunca haviam percebido o dom da pequena Neusa. Mas, em uma viagem de verão para Niterói, uma professora da escola de música situada ao lado do hotel onde estava hospedada ficou impressionada com a facilidade da garota que usava um laço de fita na cabeça. ;Toquei músicas populares e ela gostou de mim. Pediu para chamar meus pais e disse que fazia questão de me dar aula de graça;, lembra, como se fosse ontem.
Pouco tempo depois, a família inteira de Neusa estava de malas prontas em busca de uma casa em Niterói. ;Meus pais mudaram para lá por minha causa;, lembra, aos risos. A partir de então, a pianista prodígio nunca mais precisou pagar uma aula do instrumento. Quando decidiu cursar a Escola Nacional de Música, na capital fluminense, passou em primeiro lugar e ganhou a bolsa de estudos. ;Eu atravessava a balsa do Rio para Niterói para assistir às aulas.; Durante o período de estudos, Neusa sempre se espelhou na pianista carioca radicada na França Magdalena Tagliaferro. E, com as voltas do destino, a recém-formada Neusa viu-se frente a frente com ela. ;Eu conhecia Magda pelos discos. Ela era maravilhosa;, contou.
Fugida da guerra que assolou a Europa em 1938, Magda, como era conhecida, retornou à terra natal com as mãos abanando. No Rio de Janeiro, a pianista conhecida mundialmente decidiu ministrar aulas públicas do instrumento. Mas, para isso, haveria uma pré-seleção. Com uma sonata de Ludwig van Beethoven apelidada de Apassionata, Neusa despertou a admiração de Magdalena. ;Me classifiquei imediatamente. Mas como eu não tinha dinheiro para pagar as aulas, Magda aceitou me ensinar e, em troca, minha mãe faria alguns vestidos para ela;, lembrou. O único piano de Neusa havia sido comprado quase 10 anos antes com muita dificuldade. Ainda assim, a jovem pianista logo se tornou a assistente da reconhecida Tagliaferro.
Neste período, Neusa começou a namorar um advogado carioca e ficaram noivos em seguida. ;Magda ficou zangada porque ela queria me levar para a França e queria que eu me dedicasse ao piano. Ela às vezes falava comigo como se fosse a minha mãe, imagina; Me divirto quando lembro do passado;. Mas a tão temida professora de piano acabou aceitando o convite para ser madrinha de casamento e da primeira filha de Neusa, batizada de Magda, em homenagem a ela. Quando Magdalena morreu, em 9 de setembro de 1986, a pupila estava em Brasília havia 27 anos. Ela havia se mudado com o marido, que passou no concurso para procurador federal. Nesse período, Neusa passou na seleção para dar aula no Caseb, uma das primeiras escolas da capital federal que acabara de nascer. ;Ela morreu de repente. E o corpo foi velado no Teatro Municipal do Rio. Ela foi a maior pianista mulher de todos os tempos.;
No ônibus
Pianista consagrada no Rio de Janeiro, Neusa frequentava a alta sociedade fluminense. Amiga próxima de Victor Nunes Leal, então ministro-chefe da Casa Civil, e da mulher, Julimar, ela recebeu o convite para escrever o hino da próxima capital federal que ganhava forma aos poucos. ;Fiz um hino curto. Queria que fosse uma música fácil de as pessoas aprenderem e não igual ao Hino Nacional, que é longo e constantemente assassinado por quem o canta;, repetiu algumas vezes. As partituras nasceram no caminho de ônibus de Ipanema à Lapa, onde ficava a Escola Nacional de Música. E, à noite, a música estava pronta. O compositor Geir Campos, que mostrava a cara aos poucos no meio musical, foi chamado para compor a letra.
Como não houve concurso para escolher o melhor hino, o então presidente da República, Jânio Quadros, expôs a composição a oito maestros e músicos de renome no Brasil. ;Ele disse que se os oito gostassem, a música e a letra seriam aceitas. E assim foi oficializado;, contou. Já como professora de música do Caseb, Neusa ofereceu uma composição em homenagem à escola. Durante a carreira musical, Neusa ainda tocou na Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional e ministrou aulas na Escola de Música de Brasília. Hoje, ela prefere receber os alunos no apartamento na Asa Sul. Em um dos três pianos dispostos pela residência, ela relembra as pessoas que passaram pela sua vida e toca com carinho as notas escritas ao longo de toda a sua trajetória. E vive rodeada por três filhos, cinco netos e três bisnetos.
1 - Vários nomes
A instituição recebeu esse nome por ter sido construída pela Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília (Caseb). Ao longo dos seus 50 anos, o colégio passou por várias denominações. Atualmente é chamado de Centro de Ensino Fundamental Caseb. Para os alunos de 1960, a escola será sempre carinhosamente lembrada como ;a Caseb.; Já os atuais a chamam de ;o Caseb.;
HINO DE BRASÍLIA
Letra: Geir Campos
Música: Neusa Pinho França Almeida
Todo o Brasil vibrou
e nova luz brilhou
quando Brasília fez maior a sua glória
com esperança e fé
era o gigante em pé,
vendo raiar outra alvorada
em sua História
Com Brasília no coração
epopeia a surgir do chão
o candango sorri feliz
símbolo da força de um país!
Capital de um Brasil audaz
bom na luta e melhor na paz
salve o povo que assim te quis
símbolo da força de um país!