Cidades

De janeiro até agora, o número de vítimas da hantavirose supera o de todo o ano passado

Demora em procurar atendimento médico pode ser uma das causas da letalidade

Adriana Bernardes
postado em 30/05/2010 08:02

A hantavirose ameaça o Distrito Federal. O número de mortes neste ano ; cinco ; já supera os registros do ano passado inteiro. Além da quantidade de mortes, chama a atenção também a letalidade do vírus. Dos seis infectatos, apenas um sobreviveu, ou seja, 83,3% dos que contraíram a doença morreram. Historicamente, o percentual no DF gira em torno de 40%. Apesar do alto índice, a Secretaria de Saúde não tem evidência científica de que o vírus está mais agressivo. ;As mortes podem estar relacionadas ao retardo na procura pelo serviço de saúde ou à demora no diagnóstico;, explica o infectologista Dalcy Albuquerque Filho, do Núcleo de Controle de Endemias da Secretaria de Saúde.

A viuvez precoce roubou a alegria da dona de casa Cláudia Elizabeth Alves Ribeiro, 35 anos. A moradora do Recanto das Emas enterrou o marido, Milton Ribeiro dos Santos, 38, no começo de março. O diagnóstico apontou a hantavirose como a causa da morte. ;Era uma segunda-feira quando ele teve febre de quase 40 graus. No posto de saúde, receitaram paracetamol e aplicaram uma injeção;, relata Cláudia. A febre não cedeu e, nos dois dias seguintes, o casal perambulou em busca de atendimento médico: voltou ao posto e foi a um hospital particular de Samambaia até conseguir internação no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). ;Quando conseguiram uma vaga na UTI, ele ficou poucas horas e morreu;, lamenta. Cláudia e Milton estavam casados havia dois anos e tentavam ter um filho. ;Não tivemos tempo de realizar nossos sonhos.;

Os prováveis locais de infecção continuam os mesmos: áreas rurais de Taguatinga, Sobradinho, Planaltina, Incra 8 e São Sebastião (veja arte). ;As pessoas se esquecem do que a gente ensina e continuam morrendo dessa doença. Esse ano teve uma vítima no mesmo lugar onde começaram os casos de 2004. O ser humano ou esquece ou pensa que é imortal;, desabafa, com os olhos marejados, a veterinária Maria Isabel Rao Bofill, da Vigilância Ambiental do DF.

Rapidez e informação
Em se tratando de hantavirose, quanto mais rápido a pessoa infectada procurar o médico, mais chances tem de se salvar. A doença ataca os pulmões e mata em questão de horas. O problema é que os sintomas são muito parecidos com os de uma gripe forte ou pneumonia. Isso confunde os doentes e os médicos também. O infectologista Dalcy Albuquerque explica uma diferença básica que pode salvar vidas. ;Quando a pessoa sente os primeiros sintomas ; febre, dor de cabeça e dor no corpo ; deve imediatamente se perguntar se esteve em área rural nos últimos 60 dias. Se a resposta for sim, deve ir imediatamente a um posto de saúde e informar ao médico;, alerta Albuquerque.

A hantavirose é transmitida por um vírus que vive em ratos. Ele é liberado nas fezes, na urina e na saliva do roedor e atinge os humanos quando estes estão em algum lugar no qual aspiram partículas de tais excrementos. O infectologista lembra que ninguém pega a doença no centro do cidade. É preciso morar no campo ou visitar sítios, chácaras, hotéis-fazendas, fazer trilhas, ir a cachoeiras ou acampar. Em todos esses casos, é preciso tomar alguns cuidados básicos para não se infectar (veja arte).

Nova variação da doença preocupa especialistas
Desde o primeiro surto no DF, em 2004, houve mudança no perfil das contaminações. Antes restritos à época da seca, casos de hantavirose vêm sendo registrados também nos períodos chuvosos, principalmente em janeiro e fevereiro

Seis anos depois do surgimento da doença que matou 15 pessoas e deixou os brasilienses em pânico, a Vigilância Ambiental investiga o surgimento de um novo tipo de hantavirose. As suspeitas são baseadas no fato de que, desde 2009, casos da doença têm sido registrados também em janeiro e fevereiro, período em que geralmente o roedor está entocado e tem fartura de comida em virtude das chuvas.

Historicamente, desde o primeiro surto, ocorrido em 2004, até 2008, as contaminações ocorriam apenas na época da seca, com picos entre maio e agosto. Com o fim das chuvas e o início do período da seca, começaram a aparecer as primeiras vítimas. ;É importante descobrir se há um novo tipo de hantavírus circulando para que possamos estudar os hábitos do roedor e orientar a população sobre como evitar o contágio. Isso não quer dizer que seja um tipo mais ou menos letal da doença;, esclareceu a veterinária Maria Isabel Rao Bofill, da Vigilância Ambiental.

No Distrito Federal, o animal que transmite a doença é o Necromys lasiurus e o tipo de vírus é o Araraquara. Mas já foram capturados por aqui o rato hospedeiro do hantavírus Juquitiba e o que carrega consigo o tipo Laguna negra. Eles não sobem em árvores ou pés de milho, por exemplo. Fazem o ninho em buracos no chão e saem para comer à noite, quando espalham as fezes, a urina e a saliva. Quando os excrementos secam, viram poeira e são aspirados pelo homem, que acaba infectado.

Isso explica por que no DF a contaminação ocorre majoritariamente em ambientes abertos. Já em Santa Catarina, por exemplo, as pessoas contraem o vírus em espaços fechados. Lá, o hantavírus predominante é Juquitiba, hospedado pelo Oligoryzomys nigripes. Ao todo, já foram identificados seis tipos de hantavírus no Brasil, cada um associado a um tipo específico de roedor. No meio ambiente, o vírus tem pouquíssima resistência a temperaturas elevadas.

Ações
O diretor da Vigilância Ambiental do Distrito Federal, Laurício Monteiro Cruz, garante que os técnicos fazem palestras nas áreas rurais e nas escolas para alertar os moradores sobre os cuidados para evitar a contaminação. Segundo ele, as palestras são permanentes e já fazem parte do cronograma de atividades do órgão. ;O alerta é para todas as doenças tropicais e não somente para a hantavirose. Também pedimos à Secretaria de Saúde para que desenvolva campanha publicitária específica de hantavirose. Mas precisamos esperar a licitação e a contratação da empresa;, explicou.

Atualmente, a Vigilância Ambiental conta um agente para vistoriar 3 mil imóveis, quando o preconizado é um agente para cada mil residências. O trabalho de conscientização tem o reforço de 200 militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, de 162 servidores do Serviço de Limpeza Urbana e de 25 bombeiros. ;Além disso, o secretário de Saúde (Joaquim Barros) autorizou um concurso para 550 vagas de agentes ambientais. Preparamos parte do edital, que está agora sob análise do departamento jurídico;. Além do preenchimento dos cargos, o governo prometeu entregar 40 carros. Atualmente, a Vigilância Ambiental tem 650 servidores entre agentes, motoristas, biólogos, veterinários, químicos e técnicos em laboratórios.

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