Ao passar pelo Memorial JK, não se assuste com o vazio que se instalou na galeria onde antes ficava um Galaxie LTD, fabricado em 1974, cor de vinho, placa AL 0001-RJ, o último carro a pertencer ao idealizador de Brasília. O veículo teve de sair dali, depois de décadas, para ser restaurado. A reforma está a cargo do Exército Brasileiro. Os oficiais retiraram o carro do espaço com a ajuda de uma empilhadeira. Todas as despesas com peças e outros materiais para deixá-lo como novo vieram de duas empresas patrocinadoras. A mão de obra ficou por conta do Exército, que cedeu 20 homens do efetivo de manutenção do 16; Batalhão Logístico, subordinado ao Comando Militar do Planalto.
A iniciativa de propor a parceria com os militares para revitalizar o veículo partiu de Anna Christina Kubitschek, presidente do memorial e neta de JK. O Exército atendeu prontamente. ;Esse tipo de serviço está sendo feito em caráter excepcional pelo significado que esse carro tem para Brasília, ainda mais no ano do cinquentenário;, disse o comandante do 16; Batalhão Logístico, coronel Antônio Eleazar de Moraes. Ele recebeu as chaves das mãos da diretora cultural do Memorial JK, Cirlene Ramos Luciano, 64 anos, ex-secretária particular da família Kubitschek. Os militares recebem o apoio de especialistas em carros antigos para ter sucesso no trabalho de restauração. ;Para nós é uma relíquia muito grande, por isso é importante renová-la;, afirmou Cirlene.
O 16; Batalhão Logístico já havia realizado missão parecida em abril deste ano, quando reformou outro carro particular que pertenceu ao presidente JK. O veículo, uma Mercedes Benz ano 1963, foi totalmente revitalizado e devolvido à Fazenda JK, em Luziânia (GO). A equipe agora tem um desafio pela frente: deixar o carro o mais próximo possível de como ele era quando estava novo. Além da recuperação da pintura, painel e estofados, a reforma do motor será uma etapa trabalhosa para os profissionais. Várias peças não existem mais e deverão ser fabricadas exclusivamente para o modelo. ;Assumimos o compromisso de fazê-lo sair daqui funcionando. Na estrutura onde ele estava guardado, o sol incidiu muito forte, principalmente do lado direito, e estragou por completo. Vamos fazer pintura, manutenção do freio, direção e motor. Ainda não sabemos quanto vai custar, mas temos parceiros e o Exército deu somente a mão de obra;, explicou o coronel.
Lembranças
O Galaxie, mesmo um pouco empoeirado, ainda carrega a aura de outros tempos, quando era o preferido de JK, em 1974. Nessa época, o ex-presidente voltara do exílio. A previsão de devolver o Gálaxie ao lugar de origem é para 12 de setembro deste ano, data na qual JK completaria 108 anos. Para a retirada do carro, oficiais do Exército e funcionários do memorial montaram uma ;minicerimônia; de despedida, mesmo que temporariamente. O momento foi de emoção especialmente para a Cirlene, a diretora de cultura do memorial.
A funcionária trabalha para a família Kubitschek há 43 anos. Ela se lembra do dia em que o carro chegou ao Rio de Janeiro. Dona Sarah a levou para conhecê-lo na garagem do prédio onde os Kubitschek moravam. ;Era o carro da família. Eles usavam todos os dias. Juscelino o adorava. Gostava de viajar nele;, lembrou Cirlene. Quando o presidente se mudou para uma fazenda, nas proximidades de Luziânia (GO), o Galaxie veio com ele. Depois da morte de JK, em um acidente de carro, em 1976, o veículo foi vendido.
Anos depois, a família conseguiu recuperá-lo. Desde então, o carro permaneceu em exposição no memorial, em uma galeria 30cm abaixo do nível do solo. Um guincho foi necessário para colocar o carro ali, na década de 1980. ;Conseguimos retirá-lo sem nenhum arranhão. O mais difícil será colocá-lo de volta;, disse o comandante. ;O Gálaxie foi escolhido pelo próprio JK. Ele faria muito gosto em vê-lo novinho;, relatou Cirlene. O memorial recebe de 8 a 10 mil visitantes todos os dias. Um dos atrativos mais populares é o carro de JK.
Uma fiel escudeira
Cirlene nasceu no Rio de Janeiro. Em 1990, veio para Brasília com dona Sarah. ;Trabalhei com eles quando voltaram do exílio. Eu era professora em um colégio e uma faxineira me avisou que tinha uma vaga de secretária na casa de JK. Não era a minha área, mas eu tinha tanta vontade de conhecê-los que me candidatei. Fui sem nenhuma esperança, afinal as outras candidatas eram indicações de ministros e eu de uma faxineira. Mas quando acabou a entrevista já me perguntaram quando eu queria começar. Fiquei chocada;, lembrou Cirlene.
Depois desse dia, ela nunca mais se separou dos Kubitschek. ;Minha vida mudou toda. Era tudo muito corrido por lá. Eu fazia de tudo. Fui contratada para atender dona Sarah, mas trabalhava para todo mundo. Eu anotava os compromissos, marcava médico. E quando saia de lá ainda dava aula em um colégio;, relatou. Hoje, aos 64 anos, Cirlene ainda trabalha mais de 12 horas por dia. ;Um dia o presidente Lula esteve aqui no Memorial e a primeira dama, Marisa Letícia, veio com ele. Ela me olhou e disse: não se fazem mais secretárias como antigamente;, orgulha-se Cirlene.
O número
36 anos
Idade do veículo que será reformado