Jornal Correio Braziliense

Cidades

Pai das jovens desaparecidas no Lago diz só ir embora com as duas

Ademir de Lira veio de Corumbá para acompanhar as buscas e quer identificar o responsável pelo naufrágio

Antes de deixar a casa em Samambaia para trabalhar na fazenda com o irmão em Corumbá (GO), há pouco mais de um mês, o autônomo Ademir Barbosa de Lira, 53 anos, recomendou aos oito filhos: ;Não saiam com pessoas desconhecidas. Tomem cuidado nas saídas à noite e procurem ficar mais em casa;. A preocupação do pai parecia uma previsão. No último sábado, ele recebeu a notícia de que as filhas Juliana, 21, e Liliane Queiroz, 18, haviam desaparecido após um naufrágio de uma lancha no Lago Paranoá, por volta das 3h30 da madrugada daquele dia. Uma terceira filha, Rita Queiroz, 26, conseguiu se salvar e está internada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Ao saber da notícia por parentes, Ademir sentiu uma dor até então desconhecida. Poucas horas depois, veio a Brasília acompanhar as buscas pelas duas filhas e visitar Rita.

O primeiro ponto de parada de Ademir foi o hospital. Por volta das 11h de ontem, outras duas vítimas do acidente, Júlia Serra de Oliveira, 18 anos, e Tanandra Carvalho Mendes, 22, receberam alta e seguiram, tranquilas, para casa. Mas os médicos preferiram manter Rita em observação. Ademir se assustou com o estado psicológico da filha. ;Ela não está falando nada com nada. Está em desespero. As três eram muito unidas. Rita cuidou delas como se fossem filhas. Ela quer sair do hospital e ir atrás das irmãs;, contou. A todo instante, a jovem pede a médicos, amigos e familiares a verdade sobre o estado de saúde das irmãs. ;Ela me disse: ;Pai, eu criei e eu matei as minhas irmãs;;, recorda Ademir. No fim da manhã, Rita passou por uma pré-consulta psiquiátrica no Hospital de Base, onde deve continuar o tratamento no futuro. Com uma blusa vermelha por cima do roupão do Hran, a jovem usava cabelo loiro preso e estava abatida.

Desespero
Ainda no fim da manhã, Ademir, familiares e amigos de Juliana e Liliane chegaram ao 1; Batalhão de Busca e Salvamento do Corpo de Bombeiros, no Setor de Clubes Norte. A mãe das jovens mora na Bahia e chegará a Brasília nos próximos dias. ;Eu quero ir lá, no lugar do acidente. Quero ver onde tudo aconteceu. Não consigo acreditar nisso;, desesperou-se Ademir. De cima do deck, ele observava o horizonte com olhar vago em busca de respostas. Se pudesse, passaria o tempo todo ali. Em rápidos momentos de descontração, contou histórias de quando vivia na Bahia e atravessava o Rio São Francisco nadando. ;Hoje eu não consigo mais, a minha mão fica muito dormente. Mas quando isso acontece, é só nadar de costas. Ou em pé também;, orgulhou-se.

Chegou a ensaiar um sorriso. Mas bastava se aproximar uma lancha para ele colocar a mão no peito e os olhos encherem de lágrimas. ;A gente nunca perde amor por filho. Elas sempre foram maravilhosas, amorosas e gostavam da família unida;, contou. Quando crianças, Rita e Cledna, a irmã mais velha, gostavam de brincar no rasinho do Rio São Francisco. ;Um dia, a maré subiu e elas quase se afogaram. Elas não sabiam nadar;, lembrou Ademir.

Medo
Segundo ele, quando o barco afundou, as duas gritaram várias vezes pelo nome de Rita, que não conseguiu ajudá-las. As jovens comentavam a pessoas próximas que o maior medo era de morrer dentro da água. ;Eu quero saber quem foi o responsável pelo acidente com as minhas filhas. Eu vou até onde precisar, vou fazer tudo o que eu puder para saber disso;, disse. ;Só saio daqui com as duas;, completou.

Pessoas próximas à família de Liliane e Juliana almoçaram pães com refrigerante no Corpo de Bombeiros. Cheios de dúvida sobre o caso, os familiares fizeram perguntas ao coronel Rogério Soares, comandante operacional do 1; Batalhão de Busca e Salvamento. Ele levou dois familiares para conhecer o local das buscas e entender o procedimento utilizado pelos militares. ;Com o passar do tempo, as chances de encontrá-las bem fica cada vez mais remota. Mas a esperança ainda nos mantém aqui;, contou um amigo das jovens, que preferiu não se identificar. Abalados, os demais filhos tentam amenizar a dor de Ademir. ;Só um milagre vai trazer minhas filhas de volta;, desabafou o pai.


DUAS VÍTIMAS DEIXAM O HRAN
Duas jovens envolvidas no acidente que estavam sob observação no Hran ; Tanandra Carvalho Mendes e Natália Serra de Oliveira, ambas de 22 anos, ; receberam alta na manhã de ontem e, por volta das 11h, saíram acompanhadas por familiares. Segundo Mayron Oliveira, pai de Natália, a filha estava bem e aparentava tranquilidade. Elas chegaram ao local por volta de 6h40 de sábado com hipotermia (baixa temperatura do corpo). Como tinham engolido muita água, foram medicadas para evitar qualquer infecção. As colegas estavam ansiosas para voltar para casa. As duas, no entanto, receberam orientações rigorosas da equipe médica. ;Informamos que se elas sentirem qualquer sinal de tosse, febre e catarro, devem voltar imediatamente ao hospital. Rita vai continuar um tempo ainda em observação. Ela está muito estressada;, explicou a chefe de equipe do Hran, Endira Vale. Marcelo da Silva Santos, 26 anos, e Hugo Antunes de Oliveira não precisaram passar por exames no hospital. Marcos Paulo França Mercaldo, 20 anos, e Júlia Serra de Oliveira, 18, foram liberados ainda na manhã de sábado.


DEPOIMENTO
;Quando eu saí de casa para morar com meu irmão, em Corumbá, eu recomendei para meus filhos não saírem com desconhecidos. Porque você sabe, né? Quem vê cara, não vê coração. Elas tinham parado de sair um pouco, estavam frequentando a igreja. Mas aí voltaram a sair. Mas sabe, nunca se perde o amor de um filho. Às vezes, eles acham que a gente não gosta deles, mas só queremos cuidar. Todas as minhas filhas sempre foram maravilhosas. Nunca se meteram em confusão. E eu nunca impedi elas de fazerem nada para não acharem que eu estava criando obstáculos. Eram amorosas, estudavam e trabalhavam muito. Não acredito ainda que isso aconteceu. Quando uma sobrinha me disse do acidente e os nomes das duas, pensei: ;Ave Maria, será?; Desesperei, não consegui falar nada e vim para Brasília com fé em Deus. As minhas três filhas eram muito unidas. A Rita ficou me perguntando se ela tinha matado as irmãs. Isso é horrível. Nenhuma das três sabia nadar. As duas ainda gritaram o nome da Rita algumas vezes, mas nem ela sabe como conseguiu se salvar. Eu quero saber quem é o responsável pelo acidente com as minhas filhas. Vou fazer tudo que eu puder para conseguir saber o porquê disso tudo;.
Ademir Barbosa de Lira