Jornal Correio Braziliense

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Depois de 143 dias de agonia, o último jovem é enterrado

Saudade. A palavra que só existe na língua portuguesa tomou o lugar da angústia para expressar o sentimento eterno das sete mães de Luziânia ; município goiano a 66km de Brasília ; que tiveram os filhos assassinados pelo pedreiro Ademar de Jesus Silva, 40 anos. As lágrimas que escorreram sobre o caixão lacrado de Diego Alves, 13 anos, durante o velório realizado na manhã de ontem, na funerária Pax Silva, encerraram uma espera de 143 dias de muita agonia sobre o paradeiro do primeiro adolescente a desaparecer na cidade, em 30 de dezembro de 2009.

Com o apoio de parentes, filhos e amigos dos jovens, a mãe Aldenira Alves de Sousa, 51 anos, que ficou conhecida pela bravura em mobilizar as autoridades para apurar o sumiço do garoto, sepultou o caçula de uma família de seis filhos. A dor de enterrar Diego, que nasceu quando a dona de casa já estava com 38 anos e havia educado os outros cinco herdeiros, ela não pôde explicar. ;A ligação de uma mãe com um filho não tem explicação;, disse.

O velório da primeira vítima de Ademar Jesus começou às 9h. Devido ao feriado do Divino Espírito Santo, as ruas da cidade goiana estavam vazias. Mas os amigos que estudavam com o jovem fizeram questão de prestar a última homenagem a Diego. Todos foram unânimes em lembrar as brincadeiras do garoto. ;Ele era divertido, não tenho lembranças dele triste;, recordou a estudante Leidiane de Sousa Silva, 14 anos. ;Nossa amizade foi construída aos poucos. Cada pedaço da experiência que tivemos juntos será eternamente lembrado;, disse a empresária Elisângela Silva Lima, 19 anos, ao ler a carta intitulada Amizade em pedaços, escrita para o jovem.

O corpo de Diego Alves se juntou ontem aos túmulos de Paulo Victor de Azevedo Lima, 16 anos; George Rabelo dos Santos, 17; Divino Luiz Lopes da Silva, 16; Márcio Luiz Souza Lopes, 19; e Eric dos Santos, 15, enterrados há onze dias no Cemitério Jardim da Consolação. O corpo de Flávio Augusto Fernandes dos Santos, 14 anos, foi sepultado no Cemitério do Gama (DF).

Pendências
As investigações sobre a morte dos adolescentes de Luziânia não serão concluídas com o sepultamento do último jovem identificado. Para o delegado da 1; Delegacia Regional de Goiânia, Juracy José Pereira, responsável por comandar as diligências, o encerramento do inquérito depende ainda de algumas ;pendências;. ;Apesar de confirmada a identificação de Diego, os laudos da Polícia Federal ainda não foram entregues;, revelou. Questionado sobre o possível envolvimento de uma segunda pessoa nas mortes dos jovens, o delegado frisou que as apurações correm em segredo de Justiça. ;Ainda quero ouvir algumas pessoas antes de concluir o inquérito, mas não podemos comentar detalhes;, destacou.

Vou sentir muita saudade e sofrer até me acostumar com o fato de que ele não está comigo de verdade. Vai ser uma batalha contra meus próprios sentimentos;
Aldenira Alves Sousa, 51, mãe de Diego Alves

Ponto a ponto - Aldenira Alves

INJUSTIÇA
Fui a primeira e a última mãe a sofrer. Me sinto injustiçada, pois eles (os policiais) deveriam ter procurado direito pelo Diego. As investigações demoraram demais. Eu tenho certeza que, se entre os seis estivesse o corpo do meu filho, o Eric não seria encontrado nunca. Eles disseram que já tinham rastreado tudo, mas quando voltaram lá, acharam o Diego. As investigações eram muito vagarosas, ninguém dava atenção ao que estávamos falando, não acreditavam. Eles não acreditavam que chegariam a esse desfecho. A demora deu tempo para ele (Ademar) matar outro menino. Se ele não tivesse morrido, quantas mães iam chorar pelos filhos?

RAIVA
Eu sinto raiva, muita raiva do Ademar. Se ele tivesse cumprido a pena dele (no DF, por ter abusado de duas crianças em 2005), hoje eu estaria com o meu filho. Se ele não tivesse sido solto, não ia encontrar esses meninos e eu estaria feliz. Sinto muita falta da presença do Diego dentro de casa. Toda hora que ele entrava em casa, pronunciava a palavra mãe. Ele era a minha companhia. Vou sentir muita saudade, vou sofrer muito até me acostumar que ele não está comigo. Vai ser uma batalha contra os meus próprios sentimentos. Penso em sair daqui, porque tudo me lembra ele. A presença dele é muito viva.

LUTA
Vamos ver se conseguimos fazer algo para que esta história não fique esquecida e sirva de exemplo para outras mães continuarem na luta ao buscarem por seus filhos. Que elas persistam, pois mesmo mortos, elas vão encontrá-los. Chegamos ao fim da procura, vamos colocar a cabeça no lugar e tentar entender tudo o que aconteceu. Queremos ter condições de passar as poucas orientações que recebemos para ajudar outras mães. Não vamos parar.