Márcia convidou a comunidade a doar lanches, como bolos e sucos, para servir às futuras mães enquanto elas aguardam o momento da consulta. O atendimento diferenciado ajuda as gestantes a superarem as falhas da rede pública de saúde e a levarem o pré-natal até o fim. A maior recompensa vem depois de nove meses: ter uma criança saudável nos braços. Márcia bateu de porta em porta em busca de alguém que pudesse ajudar. Chegou a uma produtora de biscoitos caseiros, conhecida na região apenas como Lúcia, que doou os primeiros pacotes. ;Depois disso, os funcionários começaram a trazer fatias de bolo para vendermos para a comunidade e conseguirmos mais dinheiro para comprar os lanches;, contou Márcia.
A agente de saúde trabalha nesse ramo há 10 anos. Sempre teve vontade de fazer um pouco mais por quem chegava ao local e tinha de lidar com inúmeros problemas do sistema de saúde do DF. Mas sozinha, não era possível. ;Às vezes, elas ficam aqui durante muitas horas, porque é muita gente e porque a consulta é benfeita, demorada. Cansei de ver as mãezinhas passando mal por não terem o que comer ou porque saíam de casa muito cedo. Começamos a conseguir parceiros e tudo melhorou por aqui.;
Hoje, quando chegam ao local, as gestantes têm onde sentar. São recepcionadas com uma cesta de bolo, frutas, suco e até iogurte, dependendo do dia. A empolgação com o projeto contagiou as próprias pacientes. ;Elas mesmas trazem de casa o que podem para compartilhar e fazer o momento um pouco mais feliz. A intenção aqui não é dar o peixe, mas ensinar a pescar;, explicou a idealizadora da ação.
Márcia é mãe de quatro filhos. Fez todos os pré-natais no centro de saúde onde trabalha. ;Antes as coisas eram mais difíceis por aqui. Mas sempre existiu boa vontade por parte dos funcionários;, disse. Além do atendimento e dos mimos, as grávidas podem assistir a palestras dadas pelos médicos, pelos enfermeiros e por outros funcionários do posto.
Orientação
Flávia Valesca dos Santos, 17 anos, espera o segundo filho. A primeira gravidez foi de alto risco e não teve o acompanhamento médico humanizado. Ela sente as diferenças com o cuidado especial. ;Aqui eu aprendi coisas que nem imaginava, como os cuidados com amamentação, como segurar o bebê, o que comer para dar saúde ao meu filho. Apesar de já ter um, eu não sabia nada disso. Agora vou cuidar melhor, com certeza, do meu neném. E se não tivesse o lanche, eu iria para o trabalho sem comer;, relatou a adolescente.
Além da alimentação e das palestras, elas podem participar de aulas de tapeçaria. ;É mais que um passatempo. Elas se acalmam, tiram toda a ansiedade e saem daqui com mais saúde. Afinal, bem-estar é muito emocional;, acredita Márcia. Merary Bitencourt, 26 anos, está na terceira gravidez. Mesmo depois de mudar de casa, ela ainda recebe atendimento em Planaltina. ;Demora quase uma hora para chegar aqui de ônibus, mas eu não abro mão. Sou apaixonada pelo pessoal daqui. Depois que eu tiver o bebê, vou querer continuar vindo;, brincou.
Depois do parto, as mães sempre voltam para apresentar os bebês à equipe. Na última terça-feira, Gislaine Oliveira, 34 anos, dona de casa e moradora de Planaltina, levou a pequena Hanna Patrícia, de 3 meses, ao posto de saúde. ;Vim agradecer. Ela é saudável. Todo o carinho que recebi aqui influenciou muito na preparação para o parto. Eu estava muito tranquila e segura na hora de ela nascer;, afirmou. Litiane de Assis, 18, estudante, fez o mesmo e levou Sthefany, de 24 dias, para conhecer as pessoas que cuidaram dela quando ainda estava no útero. ;Eles me ajudaram a curtir em paz essa sensação tão boa de ser mãe;, descreveu.
O médico Marcelo Iglesias, 40 anos, é um dos responsáveis pelo pré-natal. Ele acredita no poder terapêutico do carinho aplicado ali. ;Medir a barriga, a pressão e o peso é o mínimo. Fazer essas mulheres se sentirem mais que um número em meio a uma estatística é o que traz autoestima. Elas entram aqui de bom humor e a incidência de complicação é muito pequena. A vida delas já é tão difícil, por que não facilitar?;, defendeu.
Acolhimento
A boa intenção de Márcia se espalhou como uma corrente do bem. Depois dela, o enfermeiro Amador Soares Ferreira, 46 anos, foi o próximo a implantar um projeto ali. Ele canta e toca viola e gaita, entre outros instrumentos, para acalmar as gestantes e os bebês. Depois de ouvir o som que vai de blues a Alceu Valença, fica até mais fácil escutar os batimentos cardíacos dos bebês, como contam médicos do centro de saúde. ;Há todo um sistema de acolhimento. Gosto muito de estar aqui porque tocar para mim é algo fisiológico. Cada vez que toco, me sinto muito bem. Penso que o músico deve estar incluído nas instituições. Música ao vivo não tem de ser algo só para barzinho;, explicou.
Há 11 anos trabalhando na área de saúde em Brasília, o enfermeiro crê no poder que a música tem de trazer a calma para o ambiente hospitalar. ;A criança que ouve uma música já chega com o batimento cardíaco mais tranquilo. Me deixa muito feliz ver tudo isso. Como servidor público, acho que temos que fazer benfeito, fundamentados nos princípios do SUS, que vai além do tratamento convencional. A música ajuda muito, porque entra pelos ouvidos e vai parar na alma;, concluiu Amador.
"Medir a barriga, a pressão e o peso é o mínimo. Fazer essas mulheres se sentirem mais que um número em meio a uma estatística é o que traz autoestima. Elas entram aqui de bom humor e a incidência de complicação é muito pequena. A vida delas já é tão difícil, por que não facilitar?"
Marcelo Iglesias, médico
Marcelo Iglesias, médico