Na semana em que a Universidade de Brasília (UnB) volta às aulas e promove uma série de atos em combate à homofobia, trote dos alunos veteranos do curso da engenharia civil retoma palavras de ordem ofensivas contra os colegas de arquitetura. Quem passou pelo minhocão na manhã de ontem pôde ouvir os gritos entoados por um cordão humano formado de calouros .;Arquiteto bichinha, só brinca de casinha;, ;1, 2, 3, 4, 5, mil. Trote solidário vai pra p...;, ;Arquiteto, mas como é que pode, suas minas têm bigode;, foram alguns dos refrões entoados.
Como parte do trote, os calouros de engenharia ainda tiveram que tomar um sopão feito de ketchup, ovo e caldo de peixe. Os veteranos também os colocaram para carregar tijolo. ;Não é pesado, é uma tradição. Quem não quiser não precisa fazer;, defendeu Fernando Loyola, do 3; semestre de engenharia civil. A denúncia do trote foi apresentada pelo coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Raul Cardoso, na reunião do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe), realizada ontem à tarde para definir o novo calendário da UnB (leia texto abaixo).
De acordo com o professor de arquitetura da UnB Frederico Flósculo, o trote agressivo da engenharia civil é recorrente. ;É a quinta versão e, desta vez, foi muito ofensivo mesmo. Homofóbico e anticidadão. É uma gritaria horrorosa, raivosa, uma energia terrível dentro do coração da universidade;, afirmou. Os alunos que entram no curso de engenharia são obrigados pelos veteranos a participar do que eles chamam de inclusão ao ambiente universitário. Pela tradição, os calouros saem da Faculdade de Tecnologia após a aula, são pintados pelos veteranos e seguem para a faculdade de arquitetura, curso com o qual mantêm uma ;rixa tradicional;.
Visões opostas
A maioria dos alunos de engenharia enxergam o trote como uma grande brincadeira e não o considera ofensivo.;A gente só faz isso para brincar mesmo. Todos os cursos têm uma rixa, isso é normal. Outras engenharias fazem isso com a gente, mas não nos importamos, porque sabemos que a maioria das coisas que são ditas não são verdades;, argumentou o veterano Loyola.
A brincadeira, entretanto, não é bem-vista por grande parte da comunidade acadêmica. Para Luiz Eduardo Sarmento, do Centro Acadêmico de Arquitetura, o trote é uma ofensa não só para seu curso, mas para toda a universidade. ;Estamos saindo da marcha nacional contra a homofobia e, no dia seguinte, acontece isso;, lamentou. Como forma de evitar que o evento se repita, representantes discentes de arquitetura levaram a denúncia ao Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) da UnB.
A diretora de esporte, arte e cultura do DAC, Lucila Souto, garantiu que será convocada uma reunião com o diretor da Faculdade de Tecnologia e representantes do Centro Acadêmico de Engenharia Civil para esclarecer o ocorrido. ;Há algum tempo a universidade vem trabalhando contra o trote violento e por uma recepção mais cidadã dos calouros. Mas, como essa é uma mudança lenta, nós teremos uma posição mais ativa com relação às denúncias que nos chegam;, garantiu Lucila.
Desde o fim de 2008, uma organização independente de alunos e centros acadêmicos coordena, junto ao DCE, o trote solidário, uma ação que mostra que é possível se integrar e entrar na universidade com consciência e sem humilhação. Mesmo com o sucesso da iniciativa, cenas como a que ocorreram em frente à Faculdade de Arquitetura mostram que a prática do trote violento ainda acontece em vários cursos da UnB. ;Esse tipo de trote não é um problema só pela violência, mas por reproduzir uma série de preconceitos, como é o caso da homofobia. Como se esses preconceitos pudessem ser aceitos pela sociedade. Nenhuma forma de violência pode ser aceita;, defendeu Raul Cardoso, coordenador geral do DCE.