Terça-feira, 4 de maio, fim de tarde no Varjão. Passava das 18h quando um homem de camisa branca, com mangas curtas e crachá fixado num cordão verde, preso ao pescoço, se aproxima de outro, que está parado em frente a uma sorveteria na Quadra 4. A exemplo do primeiro, ele veste blusa do mesmo estilo, porém amarela. Depois de trocarem algumas palavras, eles deixam o lugar em fila e se sentam numa lanchonete situada no mesmo lote do comércio. Lá, o segundo recebe do conhecido o maço de R$ 500 composto por notas de R$ 50 e de R$ 20. Num gesto de cordialidade, os dois dão as mãos e saem em direção opostas.
O encontro deles foi registrado pela equipe do Correio. A imagem será requisitada pela 9; Delegacia de Polícia (Lago Norte) para anexar como prova ao inquérito aberto para apurar o suposto envolvimento de um servidor da Administração do Varjão ; que aparece na foto de camisa branca ; em cobrança de propina para ;agilizar; a entrega de lotes (1)a moradores inscritos no programa de assentamento de famílias carentes do governo do Distrito Federal.
Quem está no centro desta denúncia é o diretor de Serviços Públicos da administração, Cláudio Bandeira de Azambuja, 57 anos. Ele é acusado por quatro moradores do Varjão de cobrar até R$ 4 mil para ;melhorar; a pontuação deles na lista de espera por um lote da Companhia Habitacional do Distrito Federal (Codhab). O caso está registrado no Boletim de Ocorrência n; 1.529/2010, da 9; DP. No documento, uma das vítimas afirma que pagou R$ 500 a Cláudio na tentativa de conseguir o lote mais rapidamente.
A denúncia é do pedreiro Selso Alexandre da Silva, 43 anos, morador do Varjão. Ele aparece na imagem feita pelo Correio, no último dia 4, com Cláudio. Selso disse que resolveu procurar o diretor da administração porque o lote que haveria de receber em Ceilândia ; conforme foi divulgado na lista da Codhab, segundo ele ; estaria ocupado por outra pessoa. O primeiro encontro com Cláudio, segundo ele contou em depoimento na 9; DP, ocorreu há quatro meses. ;O funcionário disse que, para resolver o problema, não seria necessário comparecer à Codhab;, ressaltou. Segundo as declarações de Selso, Cláudio teria dito e ele: ;O que eu e a administradora (Luiza Helena Werneck) não resolver (sic) por aqui, você não resolve em lugar algum;.
Em seguida, Cláudio teria proposto que Selso fizesse o pagamento de R$ 1,5 mil para agilizar os trâmites na Codhab, conforme a vítima relatou na 9; DP. ;Eu disse que só poderia dar R$ 500 na hora e outros R$ 500 quando recebesse o lote;, afirmou Selso ao Correio. Passados alguns meses do encontro, o pedreiro procurou o diretor novamente para saber o motivo da demora. Cláudio teria dito que devolveria o dinheiro de Selso com juros de R$ 200. Eles se encontraram no dia combinado (4 de maio), mas Selso teve de volta apenas os R$ 500, sem qualquer correção.
Barraco improvisado
Além de Selso, outras três pessoas registraram ocorrência contra o mesmo funcionário. O pedreiro José Edilson de Sousa, 37 anos, também afirma ter dado dinheiro ao servidor da Administração Regional do Varjão. ;Eu dei R$ 250 à vista e, depois, mais R$ 200;, garantiu. A transação ocorreu há seis meses, segundo ele. ;Moro com meu irmão num barraco improvisado, com outras famílias que estão à espera de lote. A situação é bastante difícil;, explicou ele.
O casal Luiz Robério da Silva Soares, 38 anos, e Michele Queiroz Correa, 31, também teria sido aliciado por Claúdio. ;Ele nos prometeu um lote no Itapoã. Mas queria uma quantia exorbitante: R$ 4 mil à vista. A gente não tinha esse dinheiro, por isso não o pagamos;, afirmou Robério, que também é pedreiro. Ele disse que estava impedido de entrar na lista de futuros contemplados com lote porque ainda tem inscrição na Codhab, onde constam o nome dele e o da ex-mulher. ;Como minha atual mulher também está com o nome impedido, ele (Cláudio) disse que uma solução seria forjar um casamento com a minha cunhada;, afirmou. ;Ou, então, eu deveria me passar por homossexual, que poderia ter prioridade;, acrescentou Robério.
1 - Critérios
Para se inscrever na lista da Codhab, a pessoa deve morar, pelo menos, há cinco anos no DF. Há fatores que pesam no momento da triagem em que são escolhidos os futuros contemplados, como a renda e a quantidade de filhos. Além disso, a pessoa que pleiteia um lote não pode ter imóvel em nome dela no Distrito Federal.
GDF também vai apurar
Após tomar conhecimento da denúncia, a Corregedoria do GDF instaurou procedimento administrativo para investigar a conduta de Cláudio de Azambuja e da administradora do Varjão, Luiza Helena Werneck. Porém ambos serão mantidos no serviço público até que o caso seja apurado. Além disso, a Codhab abriu sindicância para saber se há participação de algum servidor do órgão no suposto esquema do qual Cláudio é apontado como operador.
A suspeita pode suspender mais uma vez a entrega dos terrenos a famílias carentes por meio do programa habitacional da Codhab. Em abril, em virtude das denúncias publicadas pelo Correio de um esquema de concessão e de venda ilegais de lotes, o governador Rogério Rosso (PMDB) decidiu interromper o programa por 30 dias para que as denúncias fossem apuradas. Termina hoje a vigência da ordem de Rosso. Mas, segundo a Assessoria de Comunicação do GDF, a suspensão do programa pode ser prorrogada pelo mesmo período, diante da nova denúncia.
A administradora Luiza Helena Werneck conversou com o Correio. Por telefone, negou que tenha qualquer envolvimento com o caso. ;Faço questão que essa investigação ocorra mesmo;, disse. A administradora disse que afastou Cláudio da função de diretor desde quando ela tomou conhecimento da denúncia (sem precisar a data). ;Não o exonerei porque não havia nada de concreto que pesasse contra ele;, justificou. Cláudio era responsável por levar os moradores carentes até a Codhab para que eles pudessem se inscrever no programa de lotes. Ele foi remanejado para fazer serviços internos.
Além de serem alvo de apuração interna do governo, Cláudio e Luiza Helena também serão investigados pela polícia. O chefe da 9; DP (Lago Norte), Silvério Antônio Moita de Andrade, pediu a quebra de sigilo telefônico dos dois. ;Eles podem responder por corrupção passiva. A pena pode chegar a 12 anos de prisão;, ressaltou o delegado. A reportagem procurou Cláudio na administração após o encontro dele com Selso, no último dia 4, e também tentou outros contatos, na segunda-feira e ontem, mas ele não foi encontrado para responder as denúncias. (AF)