No intuito de evitar que a deputada distrital Eurides Brito (PMDB) se aproveite do cargo para se autoproteger e escapar de qualquer punição, o juiz Álvaro Ciarlini, da 2; Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, decidiu afastá-la imediatamente do mandato. De acordo com a decisão, em caráter liminar, Eurides não poderá exercer a atividade parlamentar enquanto estiver em andamento o processo por quebra de decoro parlamentar na Câmara Legislativa aberto para apurar sua conduta e a ação de improbidade administrativa ajuizada no Tribunal de Justiça do DF contra a distrital. A peemedebista é uma das principais investigadas no inquérito 650, em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), conhecido como Operação Caixa de Pandora.
Na prática, a liminar significa que a deputada ficará fora do cargo até o fim de seu mandato, uma vez que dificilmente a Justiça concluirá até 31 de dezembro o julgamento da ação de improbidade contra Eurides proposta há um mês pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT). Nessa ação, a distrital teve os bens bloqueados, também por decisão do juiz Álvaro Ciarlini, como forma de garantir possível prejuízo no valor de R$ 4,3 milhões aos cofres públicos, referente à mesada e a título de danos morais à população. Eurides foi filmada pelo ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa quando guardava R$ 30 mil na bolsa, dinheiro com origem nos esquemas de desvios de recursos dos contratos de informática.
A liminar que afasta a deputada foi concedida em resposta a uma ação cautelar do MP sob o fundamento de que Eurides continua usando o mandato para obter favores e influenciar investigações relacionadas às denúncias sobre um suposto esquema de pagamento de propinas para a base aliada e secretários do governo Arruda. ;Embora a ré Eurides Brito tenha protagonizado cenas de obtenção de vantagens ilícitas que chocam a sociedade, a deputada distrital permanece exercendo as funções parlamentares, participando de sessões e de votações, compondo quoruns, integrando comissões, formulando acordos para aprovação de leis, indicando pessoas para cargos no Executivo e, sobretudo, valendo-se do cargo em proveito pessoal;, apontam os promotores.
Interferência
Na ação, o MP cita reportagem do Correio, publicada em 28 de abril, sobre a interferência de aliados de Eurides, como o deputado Aguinaldo de Jesus (PRB), na tentativa de protegê-la na Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa, onde tramita o processo por quebra de decoro contra a deputada. Eurides tem, inclusive, acompanhado pessoalmente todos os depoimentos prestados em seu processo. Os promotores do Ncoc levaram em conta ainda a indicação feita por Eurides da atual secretária de Educação Integral, Hélvia Paranaguá, que foi indiciada em 2006 na CPI da Educação.
O único depoimento que a peemedebista não assistiu foi o de Durval, colhido pela relatora do caso, deputada Érika Kokay (PT), nas dependências da Polícia Federal. No depoimento, Durval disse que filmou Eurides uma única vez, mas poderia ter adotado tal expediente 50 vezes se quisesse. Segundo o ex-secretário de Relações Institucionais, Eurides recebeu mesada de R$ 30 mil, entre 2003 e 2006, em troca de apoio ao então deputado José Roberto Arruda em seus planos de se eleger governador. Na administração de Arruda, ela teria passado a receber o pagamento por meio de um dos operadores do ex-governador. Procurada pela reportagem, Eurides Brito disse por meio de sua assessoria de imprensa que não se pronunciaria agora, uma vez que não teve acesso à decisão. Eurides afirma que recebeu dinheiro de Durval em 2006 para cobrir despesas com eventos de campanha.
Diligência no Buriti
Lilian Tahan
A relatora do processo por quebra de decoro contra Eurides Brito, a petista Érika Kokay, fez ontem uma visita ao gabinete onde trabalhava o ex-chefe da Casa Civil José Geraldo Maciel, no Palácio do Buriti. A diligência foi feita a pedido de Eurides. A distrital alega que a ida ao local confirmaria uma suposta incoerência do depoimento de Durval Barbosa. Ele contou que viu Eurides na antesala do gabinete de Maciel num dia em que teria levado dinheiro ao gabinete do então secretário.
Eurides afirma que uma simples visita ao local mostraria que quem vai ao gabinete onde trabalhava Maciel, seja pelo acesso privado ou social, não teria condições de ver alguém na sala de espera. O escritório em questão fica no 11; andar do anexo do Buriti. Érika Kokay esteve no local, mas preferiu não antecipar as conclusões que estarão em seu relatório final. Um dos entendimentos possíveis, no entanto, é o de que o fato não seja definitivo para provar que Eurides não esteve no gabinete de Maciel no dia do pagamento da suposta mesada, já que Durval poderia ter passado por onde a parlamentar estivesse.
Duas testemunhas convidadas para depor no processo faltaram à audiência marcada para ontem. O deputado Benício Tavares e o ex-distrital Odilon Aires, ambos do PMDB, foram chamados para esclarecer a versão apresentada por Eurides, segundo a qual os dois estavam presentes a uma das conversas que a distrital afastada manteve com o ex-governador Joaquim Roriz (hoje no PSC) ; o que seria uma prova da ligação entre os dois. No entanto, como foram chamados na condição de convidados, já que as comissões não têm poder de convocar, os dois políticos rejeitaram o convite.
Cronologia do escândalo
27 de novembro de 2009
A Polícia Federal deflagra a Operação Caixa de Pandora. São cumpridos 29 mandados de busca e apreensão em 16 endereços, incluindo a Câmara Legislativa e a Residência Oficial do então governador José Roberto Arruda, em Águas Claras. A ação foi a partir da investigação da PF sobre suposto esquema de propina do GDF para a base de deputados aliados, com dinheiro repassado por empresas privadas ; muitas delas mantinham contratos com o Executivo local.
29 de novembro
Pelo menos oito dos 24 deputados e dois suplentes da Câmara Legislativa são citados no inquérito como beneficiários do suposto esquema de corrupção. Eurides Brito (PMDB), Júnior Brunelli (PP), então corregedor da Câmara, e Leonardo Prudente (sem partido), aparecem em vídeo recebendo dinheiro das mãos de Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do GDF.
30 de novembro
A Câmara Legislativa abre processo para apurar a quebra de decoro parlamentar dos deputados citados no suposto esquema de propina apontado pela PF. Os distritais Júnior Brunelli e Leonardo Prudente aparecem em vídeo rezando em agradecimento a Durval Barbosa. A cena fica conhecida como a ;oração da propina;.
9 de dezembro
Cerca de 2,5 mil pessoas fazem protesto no Eixo Monumental contra o escândalo político. Com ordem para desocupar as vias, PMs a cavalo partem para cima dos jovens e transformam a área do Buriti em praça de guerra.
18 de dezembro
O STJ autoriza a quebra dos sigilos fiscais e bancários de Arruda e de sete envolvidos nas denúncias de suposto esquema de corrupção.
22 de janeiro
A CPI da Codeplan é ressuscitada.
1; de março de 2010
A deputada distrital Eurides Brito acusa o ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), de ser a fonte do dinheiro que ela colocou na bolsa, em 2006. A assessoria de Roriz nega as afirmações da parlamentar e chama a acusação de ;fantasiosa;.
25 de março
O Correio publica reportagem mostrando que, nos três últimos anos, a deputada Eurides Brito destinou R$ 5,9 milhões, em emendas parlamentares, para a Associação dos Amigos da Orquestra Sinfônica de Brasília. Entre os beneficiados, está o genro da deputada, o maestro de renome internacional, Ira Levin.
29 de março
O Ministério Público pediu a indisponibilidade de imóveis, carros e aplicações de Eurides Brito e Júnior Brunelli, protagonistas dos vídeos que implodiram o governo Arruda. Promotores cobram R$ 4,3 milhões da deputada da bolsa e R$ 5,3 milhões do ex-distrital autor da oração da propina. A ação tramitou na mesma 2; Vara de Fazenda Pública do DF em que o juiz titular, Álvaro Ciarlini, concedeu na semana anterior a medida, também requerida pelo MP, contra o ex-presidente da Câmara Legislativa Leonardo Prudente (sem partido).